Morre Lacan, psiquiatra, filósofo e psicanalista francês

Um dos principais revistadores de Freud, passou os últiomos anos de sua vida em crescente reclusão

Vítima de um câncer de cólon que sempre se recusou a tratar e já debilitado em virtude de um acidente de carro em 1978, Jacques-Marie Émile Lacan, psiquiatra, filósofo e psicanalista francês, encerra-se num mutismo cada vez mais absoluto e deixa todas as atividades, salvo a psicanálise. Morre de insuficiência renal, em Paris, em 9 de setembro de 1981.

Figura contestada, Lacan marcou a paisagem intelectual internacional, tanto pelos seus seguidores quanto pelos críticos. Foi após a Segunda Guerra Mundial que sua visão da psicanálise assume importância. O aspecto polêmico de alguns de seus temas – o retorno a Freud, suas ideias estruturalistas, sua maneira de contemplar a cura – levaram a diversas cisões com a Sociedade de Psiquiatria e Psicanálise e suas instâncias internacionais. No afã de prosseguir em suas pesquisas, Lacan lecionou quase até os últimos dias, no Hospital Sant’Ana, na Escola Normal Superior, depois na Sorbonne.

Baseou sua obra numa revisão das teorias de Freud e foi uma das figuras mais importantes do estruturalismo francês contemporâneo. Como teórico e médico suscitou adesões e rechaços radicais. Sua relação com a corrente freudiana contrastava com fortes tensões com a Associação Psicanalítica Internacional e com o progressivo distanciamento de seus colegas franceses ao longo de uma série de cisões.

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Em 1964 fundou a Escola Francesa de Psicanálise, mais tarde Escola Freudiana de Paris. Nos anos 1960 e 1970 o “lacanismo” alcançou uma ampla aceitação, inclusive fora da França, sobretudo na América do Sul e na Itália, promovendo uma vasta atividade interdisciplinar de desigual nível, que aumentou sua notoriedade.

Em janeiro de 1980, depois da publicação de L’Effet’Yau de Poêle (1979), em que o filósofo e crítico F. George descreve sua experiência “lacaniana” e, com um estilo  brilhante e sem meias tintas, trata Lacan de “charlatão”, este dissolveu a Escola.  Acusado de autoritarismo por seus seguidores, um mês mais tarde fundou uma nova associação, A Causa Freudiana.

Apesar de proclamar um “retorno a Freud”, desenvolveu um pensamento pessoal e heterodoxo. Autor elíptico e de difícil interpretação, situou no centro de seu sistema uma linguística estrutural, relacionada com Jakobson e Saussure. No entanto, para Lacan não é o subconsciente que determina a linguagem e sim o contrário. É fundamental o significado do símbolo fálico que estrutura a própria função simbólica. Em “O Significado do Falo” (1958), aparecido em Escritos, se ocupa da autoridade paterna, a proibição e o falo como objeto do desejo materno, desejo que nasce da carência.

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Lacan parece sustentar que não se pode dar uma resposta à carência do “Outro”: a aceitação desse fato constituiria a maturidade do indivíduo. Grande parte da psicanálise não está de acordo com esta colocação. Algumas atitudes autoritárias e sacerdotais de Lacan, seu estilo às vezes ambíguo e sua visão niilista do mundo tem sido objeto de estudo junto com sua obra.

Uma vez acalmadas as polêmicas, Lacan passou a ser revisitado. F. Fornari mostra como ele não aceita o inconsciente freudiano e sim que investiga o pré-consciente, enquanto J. A. Miller selecionava de sua produção o que é heurística e clinicamente válido. Não obstante, o “caso Lacan” pode se considerar também como um sintoma do descontentamento da instituição psicanalítica, dos nós não resolvidos de sua estrutura corporativa, de sua tendência a negar e difundir as incongruências. Lacan intuiu esses fenômenos, se bem que confundidos com sua própria conflitividade e os interpretou dramaticamente sem poder, por outro lado, dar uma resposta que estivesse além de um protesto elaborado e atrativo.

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