Morre o escritor Albert Camus

Autor franco-argelino perdeu a vida em um acidente de carro, no qual também estava seu editor, o francês Michel Gallimard

Em 4 de janeiro de 1960, o mundo das letras toma conhecimento, consternado, da morte brutal em acidente de estrada do escritor Albert Camus, 46 anos.

Morte prematura e absurda de um homem cordial que teorizara sobre a condição humana e combatera também o absurdo de um conflito cruel que varreu sua terra natal, a Argélia.

Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 em Mondovi. Seu pai descendia de uma família de alsacianos instalados na Argélia após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana. Empregado taberneiro, morreu na Primeira Guerra Mundial aos 29 anos. Em seu escrito póstumo “O Primeiro Homem”, Camus descreve com ternura o retrato desse homem sem instrução mas bastante forte de caráter para saber que não se deve transigir com os princípios de humanidade. Esta lição guiaria toda a trajetória de seu filho.

A família, sob os cuidados da avó paterna, se instala em Argel, no bairro popular de Belcourt. O destino do jovem Albert, a exemplo de seu irmão mais velho, era de deixar a escola para trabalhar e levar algum dinheiro para o sustento da casa. Ocorre que seu professor, Louis Germain, percebendo o talento excepcional do menino, convence sua mãe e avó a inscrevê-lo em um concurso a fim de conseguir uma bolsa e, com isso, prosseguir nos estudos. Desse modo, Camus pôde ingressar no Liceu Bugeaud.

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Albert Camus ficou conhecido pela sua forma de abordar a “absurda condição humana”

Do colegial ingressa na Faculdade de Filosofia, porém a tuberculose, contraída em 1930, a impede de completá-la. Todavia, em seu encontro com o filósofo Jean Grenier, recebeu o estímulo necessário para dar início à carreira literária.

Aos 21 anos filia-se ao Partido Comunista e se casa com uma moça de boa família, porém amalucada e toxicômana, Simone Hié. O casamento logo fracassa e resulta em divórcio. O mesmo ocorre com seu engajamento no Partido Comunista, ao ver seus “camaradas” persistirem na sustentação do colonialismo – o partido viraria casaca após a guerra.

Quando chega a guerra em 1939, Camus, reformado devido à doença, regressa à casa da mãe onde conclui uma peça de teatro, Caligula. Com 27 anos mantinha-se isolado, mas com uma visão muito precisa de seu futuro. Tinha em mente um projeto de romance “O Estrangeiro”, que seria publicado durante a ocupação, em 1942, e um ensaio filosófico sobre o absurdo da condição humana: “O Mito de Sísifo”, publicado simultaneamente.

Residindo na metrópole em 1940, Camus casa-se outra vez com uma amiga de Orã, Francine Faure, com quem teria dois filhos e a ela permaneceria sempre unido, se bem que infiel. Entre suas numerosas amantes, uma se destacou: a comediante Maria Casarès.

Trava também amizades úteis nos meios literários com o poeta Louis Aragon, mas também com Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre. Entra na resistência em 1943, participa da direção do jornal Combat e se faz conhecido do grande público. “A Peste”, um romance alegórico sobre a opressão, consagra sua reputação como autor em 1947.

Contudo, a partir da Libertação, toma distância com os “companheiros de viagem” do comunismo stalinista, intelectuais de origem geralmente burguesa, que, segundo ele, pregavam a luta a todo o transe contra o capitalismo e a democracia, maneira de se arrepender de terem estado inativos quando o nazismo parecia triunfar por todos os lados.

A propósito dos processos sumários dos colaboracionistas, como o do poeta ultranacionalista Charles Maurras, depois aquele do primeiro-ministro do governo de Vichy, Camus ousou escrever em 15 de março de 1945: “Ao ódio dos carrascos correspondeu o ódio das vítimas”. Outro motivo de contrariedade: o massacre de  Setif, na Argélia, em maio de 1945. O jovem escritor argelino começa então a se inquietar com o futuro de sua terra natal e a defender uma solução pacífica para o conflito.

A ruptura definitiva com os círculos intelectuais ocorre com a publicação em 1951 de “O Homem Revoltado”. Ela é provocada por Sartre que recrimina seu velho amigo por se recusar a admitir a lógica dos blocos ideológicos então em disputa. O abismo se aprofunda quando Camus recebe o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra. Estava-se em plena Guerra da Argélia.

Em Estocolmo, pressionado pelos jornalistas, o escritor declara: “Neste momento, bombas estão sendo lançadas contra os bondes de Argel. Minha mãe pode estar em um desses bondes. Se isso é justo, prefiro a minha mãe”.

O acidente que levou Camus e seu editor Michel Gallimard à morte numa estrada de Yonne, em 1960, deixou órfãos todos os espíritos que esperavam de Camus a oposição ao pensamento progressista da época. Entre os escombros da viatura foi recuperada uma maleta contendo as primeiras provas de um romance autobiográfico ambicioso intitulado “O Primeiro Homem”, que começara a escrever em Lourmarin, em uma casa que havia adquirido com o dinheiro do Nobel e onde reencontrou o sol da Argélia que tanto amava.

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