“Não regulamentação de cigarros eletrônicos favorece o crime”, afirma senadora Soraya Thronicke
Em entrevista à TV 247, senadora defendeu projeto de lei com critérios “extremamente rígidos” sobre uso de vapes, com pena de prisão para quem vender a menores de 18 anos
Para a parlamentar, há uma contradição dos órgãos reguladores ao proibir os cigarros eletrônicos e permitir o uso de cigarros convencionais. “A venda de cigarros eletrônicos na prática já está liberada. O que eu tenho cobrado das autoridades é que, se proíbem a comercialização de cigarros eletrônicos, que são uma outra forma de fumar a nicotina, que já é permitida no Brasil, tenho pedido que tenham a coragem de proibir o consumo de cigarros tradicionais”, afirmou. A Anvisa proibiu os cigarros eletrônicos em 2009 e ratificou a decisão em 2022. Mas o tema voltou ao debate no órgão sanitário. Qualquer pessoa poderá se manifestar. O governo federal é contra a liberação de cigarros eletrônicos. Segundo pesquisa do instituto Ipec, o número de usuários de vapes no Brasil cresceu quase 600% nos últimos seis anos e alcançou 2,9 milhões de adultos fumantes em 2023.
Soraya Thronicke defendeu ainda que o projeto de lei proposto por ela foi inspirado em experiências de cerca de 80 países ao redor do mundo que tratam o uso de vaporizadores como questão de saúde pública. Segundo ela, a proposta traz critérios “extremamente rígidos” em relação à produção, industrialização, importação e venda, inclusive prevendo pena de prisão para quem vender cigarros eletrônicos para menores de 18 anos. “O nosso projeto de lei é extremamente rígido com a forma de vender, com as substâncias e essências que podem ser usadas. Nós prevemos que só podem ser usadas essências naturais. Além disso, estes dispositivos eletrônicos não podem ser recarregáveis, eles devem ser invioláveis. E uma vez utilizados, eles devem ser descartados. Nós prevemos formas adequadas de descarte”, afirmou. O projeto da senadora estabelece regras para a publicidade dos produtos. Propagandas na TV, rádio ou internet ficariam proibidas, assim como a utilização de símbolos ou desenhos direcionados aos menores de 18 anos ou expressões que indiquem sabores de doces ou de sobremesas.
A senadora argumentou que as embalagens dos cigarros eletrônicos devem conter informações sobre os malefícios do consumo, semelhante ao dos cigarros convencionais. “Ninguém diz, muito menos a indústria do tabaco, que estes dispositivos não são prejudiciais à saúde. Nós entendemos que são. Entendemos que eles podem ser menos prejudiciais. Inclusive, no Reino Unido, esses dispositivos já estão sendo disponibilizados pelo poder público como uma forma menos danosa de se ingerir tabaco. São formas menos gravosas. Você pode escolher o nível de nicotina a ser ingerido”, afirmou.
Uma pesquisa encomendada pelo Departamento de Saúde Pública Inglês e realizada pelo King’s College London indicou que os vaporizadores podem ser 95% menos prejudiciais que os cigarros comuns. O Reino Unido incentiva a troca dos cigarros tradicionais pelos eletrônicos com a campanha “Trocar para parar”. As leis britânicas determinam uma quantidade máxima de nicotina presente em cada cigarro eletrônico e como eles devem ser expostos nas lojas.
Ex-diretor da OMS defende regulamentação – Por outro lado, o médico Jorge Alberto Costa e Silva, ex-diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou a importância de abordar a questão de maneira contextualizada. Durante sua gestão na OMS, Costa e Silva liderou a reformulação do programa de tabagismo, combatendo a glamourização do hábito de fumar em cinemas e locais públicos. O médico enfatizou a significativa diminuição do percentual de fumantes adultos no Brasil, que passou de 44% para 12% desde a implementação do programa em 1994. Apesar do sucesso, ele reconheceu que a sociedade continuará fazendo uso de substâncias, incluindo o tabaco, e expressou o desejo de ajudar aqueles acima dos 11% que desejam parar de fumar.
Costa e Silva expressou seu posicionamento a favor da regulamentação dos cigarros eletrônicos, desde que seja possível garantir que esses produtos causem o menor dano possível à saúde dos usuários. Ele destacou a necessidade de aprender com a história e adotar abordagens equilibradas para lidar com substâncias que têm potencial para causar dependência, visando sempre a saúde pública. “Os cigarros eletrônicos são uma possível alternativa, menos prejudicial, ao cigarro tradicional. Hoje tem produtos que podem ser melhor controlados, melhor regulamentados”, disse o médico em entrevista do site Poder 360. Ele observou que, ao longo dos anos, a indústria do tabaco vem trabalhando para melhorar as condições de oferta desses produtos, buscando criar opções menos agressivas ao organismo.
O tema, contudo, está em plena discussão e segue dividindo opiniões na sociedade. O médico sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa, que já havia se manifestado em defesa da regulamentação dos cigarros eletrônicos, reviu seu posicionamento e agora se diz contrário à liberação dos dispositivos. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 28 de janeiro, Vecina afirma que a proibição do consumo não resolve “este ou qualquer outro problema ligado às drogas”, mas diz ser contra a produção em território nacional dos dispositivos de entrega de nicotina.
“O posicionamento da autoridade regulatória deve ser pela proibição e comercialização dos vapes em todo o Brasil. Porém, tal proibição à sua legalização não deve levar à criminalização. A repressão ao contrabando deve continuar, e os comerciantes que ainda assim venderem ilegalmente os dispositivos deverão receber multas e sofrer as consequências legais por suas ilicitudes. Mas seu consumo não deve ser criminalizado. Repressão ao contrabando e à venda ilegal são assuntos policiais desde já. Mas não o consumo”, avalia o médico sanitarista Gonzalo Vecina.
A Associação Médica Brasileira e outras entidades de profissionais de saúde compartilham com o posicionamento de Vecina e já se manifestaram contra a comercialização, importação e propagandas de qualquer tipo de cigarro eletrônico. Em documento divulgado em 2022, a AMB afirma que os dispositivos são uma “ameaça à saúde pública” por apresentar uma “combinação de riscos” e por “atrair pessoas que nunca fumaram, persuadidas pelos aromas agradáveis”. Assista: