Navegando pelas abas do sexo virtual
Texto*: Ademara Thalyta
Sem toque, sem gosto, sem cheiro: fruto dessa nova maneira de socialização que se fez possível graças ao advento da internet, o sexo virtual existe, é amplamente praticado e polemizado.O Omegle é um dos vários sites existentes que têm por função conectar computadores aleatórios de todo o mundo em conversas imediatas assim que os indivíduos acessam a plataforma. Outros exemplos são o Chatroulette, Chaturbate e o ManHunt.
O Omegle foi a plataforma utilizada nesta reportagem pelo fato de não requerer nenhuma forma de cadastro ou informação pessoal do indivíduo para que se estabeleça uma conexão, ou seja, diferentemente dos outros sites citados, no Omegle a facilidade de qualquer pessoa se conectar é muito maior, sem restrição de idade, sexualidade ou gênero.Dentro do espaço, é possível conversar tanto por texto escrito, quanto pela linguagem falada, usando a webcam, e ainda existe uma opção específica para pessoas que, majoritariamente, procuram parceiros instantâneos para a troca de estímulos e das chamadas “nudes”, fazer sexo virtual, como descreveu o personagemPedro (nome fictício de usuário do site que pediu anonimato).
A opção chama-se “sessão não monitorada”. Pedro foi um dos únicos utilizadores, dentre os mais de 100 com quem tentei conversar, que aceitou me responder algumas perguntas sem impor nenhuma condição. Quase todos os outros se negaram a dar uma entrevista sem que eu me despisse, uma forma de “regra” para se conversar naquele ambiente, foram muitos e muitos diálogos repletos de “mostra peito”, “te ajudo, se você me ajudar tirando essa blusinha” e por aí vai.
O ditado “se está na chuva é pra se molhar” nunca se fez tão presente para mim: estar despido(a) em frente à webcam é uma espécie de contrato social entre os usuários daquela parte não monitorada do Omegle. Porém, por mais que houvesse um teor etnográfico na minha reportagem, era necessário insistir em ficar coberta, visto que atender àqueles pedidos em troca de uma entrevista poderia me acarretar problemas, como uma posterior exposição indesejada.
O “benevolente” personagem Pedro é português, tem 17 anos, solteiro, mora com os pais e usa o Omegle há um mês, todos os dias, sempre com o objetivo de encontrar garotas que aceitem fomentar, junto com ele, um prazer mediado pela webcam durante algumas horas (ou minutos?).
Quando questionado sobre qual a vantagem de se utilizar esse tipo de site, ele conta que é uma maneira fácil de conseguir algum prazer quando não se é possível transar presencialmente com alguém, e que “o que se faz aqui, não passa daqui”. Ou seja, o sexo virtual pode constituir uma maneira “menos trabalhosa” de se conseguir uma atenção momentânea, que visa a uma satisfação sexual puramente fisiológica.
“Existe a vantagem, para algumas pessoas, de não se envolver, de obter o prazer pelo prazer. Ali não há amor, afeto, toque. Há apenas sensações orgânicas que, consequentemente, se tornam físicas e fisiológicas”, explica a psicóloga especializada em sexualidade pela Universidade Cândido Mendes, Jacqueline Meireles.
Ainda na conversa com Pedro, perguntei quais os perigos possíveis para quem usa aquele tipo de site, e ele me contou que existe o risco de esbarrar com alguém conhecido ou ter suas imagens divulgadas nas redes sociais, e por isso ele cobre o rosto, mas diz também que, apesar dos cuidados, ainda acredita que não é muito possível que divulguem imagens suas, visto que essa pessoa também estaria se expondo. Daí concluí que apesar de o sexo virtual ser mais descomprometido, o ambiente não proporciona total perda do pudor.
No Omegle, quando um dos usuários conectados na conversa a dois sentir necessidade de romper aquele contato, basta apertar na tecla “esc” e rapidamente outra pessoa aparecerá no espaço da webcam, formando uma espécie de cardápio constantemente mutável. Depois de inúmeros usuários fazerem isso comigo (ao perceberem que meu objetivo era diferente do deles), me apareceu mais um personagem para esta investigação: Vinícius.
Vinícius é brasileiro, tem 21 anos, também solteiro – e o nome é igualmente fictício para preservação de sua identidade. Diferentemente de Pedro, que usa o Omegle mais como ferramenta secundária na procura pelo sexo, Vinícius justifica seus acessos pelo fato de não conseguir ter contato com meninas pessoalmente. Ele diz sentir muita insegurança e se sente bastante solitário.
“Podem ser pessoas que têm uma grande dificuldade de se expor, de criar laços, de se envolver. A capacidade de se envolver está cada vez mais fragmentada e fragilizada pela desconfiança das pessoas. Demonstrar fraquezas, o lado não muito aceitável pela sociedade, faz com que o ser humano busque outras formas de envolvimento”, explica a psicóloga Jacqueline Meireles sobre as características de quem usa esses sites.
Em seu texto O sexo virtual é real?, escrito para o blog “Psicologia em análise”, também pertencente à psicóloga, Jacqueline aponta a cultura da pornografia como um dos impulsionadores dessa procura por sexo virtual: “A indústria pornográfica, de certa forma, criou uma espécie de desempenho massacrante para muitos indivíduos. Imensas listas com dicas, formas, modos de praticar o sexo, um verdadeiro manual de instruções. Muitos chegam a ser afetados psicologicamente, almejam, sonham, buscam atender a tal demanda do mercado pornográfico, sem sucesso, sentem-se frustrados, quando não acarretam problemas de ordem sexual. (…) Em todo caso, é por esse meio [virtual] que muitos sujeitos conseguem se satisfizer sem que exista uma preocupação aterrorizante com sua performance”, avalia Jacqueline Meireles.
Efemeridade e individualidade problemática
O sexo virtual pode ser considerado um fenômeno de cunho social, psicológico e comunicacional, visto que é fruto das novas maneiras de sociabilidade possibilitadas pelo uso das redes sociais, que são essencialmente espaços de comunicação. A professora efetiva do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco, Fernanda Capibaribe, que também possui interesses no estudo de imagem, gênero e pornografia, explica que o sexo virtual surgiu como uma maneira de suprir certa exacerbação da individualidade contemporânea.
Estudiosa dos escritos do sociólogo espanhol Manuel Castells, Fernanda considera que não existe antagonismo entre real e virtual, o antagonismo que interessa no estudo da virtualidade é entre o presencial e o não presencial, o que pode ajudar na compreensão de como se configura o sexo virtual.
Na virtualidade é possível construir uma identidade que não necessariamente corresponda à concreta. Características são enfatizadas em detrimento de outras, inseguranças são escondidas e é possível montar uma personalidade, o que acaba por contribuir com a falta de trabalho em saber lidar com as diferenças, que passam a ser suprimidas.
Tal deficiência na relação com a diversidade é o principal fator prejudicial da prática exacerbada do sexo virtual, aponta a comunicóloga: “O virtual estabelece uma sociabilidade fugaz, efêmera, porque, nas relações, sempre montamos um imaginário de comportamento, de atitudes, que inevitavelmente nos escapa no presencial, nunca conseguimos reproduzir o que previamente construímos para o contato com o outro. Na virtualidade, não há esse escape, mas é ele que estabelece a profundidade com que nos relacionamos, pois lidamos com a diferença, isso é que define, como nomeia Castells, um laço forte”, analisa Fernanda Capibaribe.
A ausência desse “escape”, como define a professora, acaba por gerar conflitos no contato social presencial, pois não se está habituado a lidar com as diferenças, fazendo crescer a individualidade, intolerância e até mesmo o vício no conforto da virtualidade, que não cobra muitos esforços numa performance social nem sexual.
Segundo ainda a psicóloga Jacqueline Meireles, tal vício pode se tornar algo perigoso emocionalmente para o indivíduo: “Um dos perigos é o distanciamento afetivo do mundo real. O ser humano é um ser de relação, de troca, de contato entre pessoas, é nesse contato, nessa interação, que nos construímos e reconstruímos, crescemos enquanto sujeitos, ressignificamos acontecimentos e consequentemente nos transformamos”, analisa a psicóloga.
Um olhar positivo: a potencialidade para o autoconhecimento
É válido ressaltar que na virtualidade não há riscos de contaminação por DST’s, nem de sofrer algum tipo de violência física, o que permite que o indivíduo, em especial as mulheres, culturalmente oprimidas e doutrinadas a não conhecer seu corpo, tenham a chance de fazê-lo através de um estímulo de outrem e sem que haja a mesma vigilância inibidora que se encontra em algumas relações “cara-a-cara”, como aponta Fernanda Capibaribe.
“O presencial inibe, muitas vezes, uma desenvoltura e uma liberdade, por isso o sexo virtual pode ser uma potencialidade para o autoconhecimento, visto que o prazer é atravessado pela própria iniciativa do indivíduo, que se permite conhecer o próprio corpo e suas zonas erógenas, de prazer, sem que, especialmente as mulheres, se sintam numa zona de vigilância social”.
Porém, apesar dessa capacidade, a potencialidade do sexo virtual nesse âmbito ainda é, em muitos casos, subutilizada. Exemplo disso é a ausência de uma personagem mulher nessa reportagem, não por falta de procura, mas pelo fato de que, ao menos o Omegle, possui ainda um público majoritariamente masculino.
Durante minha busca, dentre mais de 100 usuários com quem tive breve contato, não mais de cinco eram mulheres, e nenhuma passou mais de dois segundos na conexão. Estimular-se sexualmente através de imagens e leituras produzidas por um parceiro aleatório dentro de um acordo momentâneo não é crime, não machuca, e, desde que não substitua relações presenciais e tidas como laços fortes, pode ser prazeroso e, como visto anteriormente, benéfico. (NE10)