‘Ninguém vai ser impedido de entrar na Ufba’, diz reitor

Reeleito, João Carlos Salles faz balanço dos 4 anos de gestão e fala do futuro

Graduado em Filosofia pela Ufba (1985), mestre em Ciências Sociais também pela Ufba (1992), doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (1999) e membro titular fundador da Academia de Ciências da Bahia. Títulos não faltam na trajetória de João Carlos Salles, que iniciou sua segunda gestão à frente da reitoria da Ufba na última semana de setembro. Ele foi reeleito com 97% dos votos em eleição que teve a sua chapa como a única concorrente no pleito.

O cenário da última consulta foi bem diferente daquele enfrentado pelo atual reitor, que na época era candidato de oposição e conseguiu superar, com 55% dos votos, os dois candidatos indicados pela então reitora Dora Leal Rosa.

De voz mansa e gesticulações constantes, o reitor convocou a imprensa para um café da manhã em seu gabinete nessa quarta-feira (3) e falou sobre diversos temas pertinentes à sua última gestão. Além dos números e indicadores de seus quatro anos à frente da reitoria da maior universidade pública da Bahia, João aproveitou para contar um pouco sobre as angústias e felicidades de estar à frente de uma instituição composta por cerca de 50 mil pessoas entre alunos, professores, terceirizados e servidores.

Durante quase duas horas de conversa, ele falou sobre segurança, orçamento, permanência na universidade e suas expectativas para os próximos quatro anos.

João Carlos Salles, reitor reeleito com 97% dos votos (Foto: Marina Silva/ CORREIO)

Qual o balanço dos primeiros quatro anos de gestão?

A gente conseguiu, ao longo desse período, mesmo com restrições orçamentárias pesadíssimas, construir e reformar o parque. Um total de 20 mil m² de área construída e 20 mil m² de área reformada. As notas dos nossos cursos melhoraram bastante. Aumentamos o número de alunos na graduação e pós-graduação. Diminuímos a evasão. Você faz a comparação e percebe que houve, primeiramente, a manutenção e mesmo a melhoria da qualidade. Depois de quatro anos muito difíceis, conseguimos garantir esse padrão Ufba de qualidade. E nos preparamos agora para enfrentar um cenário que pode ser ainda mais difícil, porque o cenário se afunila na situação econômica e pode ter implicações mais severas no que diz respeito à universidade pública. A Universidade Federal da Bahia se distingue pela qualificação de seus docentes. Temos hoje 78% dos docentes com doutorado. Em 2014 eram 69%. Nós fizemos tudo isso, mas tivemos queda na verba. Ou seja, nós operamos numa situação de adversidade de recursos e garantimos todos aqueles índices quantitativos e qualitativos. A realidade da Ufba, tanto em termos absolutos quanto relativamente a outras universidades, a faz distinguir-se. Não por acaso, pela primeira vez, ficamos em décimo lugar no ranking mais importante do mundo, que é o THE (Times Higher Education).

A gente pode dizer que a Ufba saiu ilesa da crise?

Ilesa não. Inclusive, seria leviano dizer algo assim. Quando falamos de indicadores de pesquisa e educação, se ela não cresce e se mantém, já houve perda. Há uma série de problemas de manutenção de laboratórios, de financiamentos de pesquisa, de bolsas. Agora mesmo a Fapesb anunciou o corte de 40 bolsas de mestrado e doutorado que não serão implementadas na Ufba. São investimentos descontinuados. Não por acaso, temos na porta da Reitoria um ‘tesourômetro’ que mostra um corte global do que seria destinado a ciência e tecnologia. O que eu acho que aconteceu é que, primeiro, a Ufba é uma estrutura poderosa nesse sentido e soube compensar algumas coisas.

O que o senhor quer destacar neste momento é a gestão.

Exatamente. Eu acho que a gestão foi eficiente. Sintetizando é isso: na verdade, todos nós sofremos. Por exemplo, nós temos obras paradas, mas conseguimos completar algumas coisas. Entregamos a biblioteca de Exatas, galpões, áreas novas da Facom e todo  mundo agora tá querendo se mudar pra lá (risos).

Quais as suas expectativas para o próximo ciclo?

Fizemos uma coisa muito importante: não iniciamos obras novas. Em geral, encontramos um conjunto de obras inacabadas e nós pretendemos concluir essas obras. Estamos fazendo ações junto a parlamentares para conseguir emendas, solicitando transferências especiais para completar as obras. Temos o Ufbacard. Segurança é um problema. Nós não somos um condomínio, nem somos uma cidade exatamente. Somos uma comunidade. A universidade é um espaço aberto por definição. Não quer dizer que não seja cuidado, monitorado. A nossa segurança se faz pelo método correto, mas mais difícil porque aqui dentro não tem suspeito e não tem penetra. Se não tem nenhum desses dois, você precisa estar duplamente atento. Ou seja, ninguém vai ser impedido de entrar na Ufba, nem vai ser ‘baculejado’,  porque isso fere nossos propósitos. Vai de encontro com nossa percepção. Repito que por isso mesmo a nossa responsabilidade é maior. É preciso também afastar alguns mitos e incompreensões acerca de nossa segurança. Nosso contrato de segurança patrimonial envolve segurança pessoal também. Eu sei que estatística não salva ninguém, mas o que acontece na Ufba é muito menos do que acontece no entorno e fora.

O senhor acha que esse método é realmente efetivo no controle da violência?

Querem induzir a ideia de que não existe método. E existe! Isso aqui não é terra de ninguém. Uma concepção de monitoramento, de ter postos de trabalho, então é um conjunto de ações que envolve unidade e um zelo com segurança. Estamos introduzindo o Ufbacard que toda comunidade acadêmica pode ter acesso: estudantes, terceirizados, docentes, técnicos. Isso é algo fundamental para que a comunidade se reconheça não apenas dentro como fora da Ufba. Óbvio que quem não tiver o cartão pode acessar também, mas essa é uma maneira de fazer com que a comunidade se reconheça. Além de facilitar o acesso a diversos serviços, como biblioteca, restaurante,  etc. A  gente não está falando de colocar catraca, não é isso. Pode ser que exista esse tipo de controle em algumas coisas específicas, como em laboratórios, que são espaços restritos. Nosso método de segurança é o acolhimento, o reconhecimento. Não é suspeita, baculejo e agressão. E esse método funciona.

Qual a sua maior angústia nesses quatro anos?

Difícil dizer. Primeiro de tudo, eu tenho um amor imenso pela universidade. Eu me fiz professor, aqui é o lugar da minha vocação e da minha identidade. Eu tenho um vínculo pessoal com a universidade e não me penso fora disso. Às vezes a angústia é de não poder dar conta da miudeza. É você sentir que,  apesar de tudo, você é impotente pra resolver, atender e cuidar de certas coisas. Às vezes o campus tá escuro, mas é preciso levar em consideração que é coisa de mil lâmpadas que queimam por mês. Às vezes um campus ilumina e um outro apaga [risos]. É natural. É um trabalho enorme. Falando de angústia, acho que a sociedade brasileira não acolheu completamente o projeto de universidade. Não se compreende isso como um projeto de longo prazo. Não há uma compreensão precisa dessa condição de patrimônio que ultrapassa os interesses de um partido, de um governo, de um sindicato. É terrível porque vejo ameaçar a universidade.
[Nesse momento, o vice-reitor, Paulo Miguez, fez uma intervenção para falar de sua maior alegria, tanto em sua gestão quanto em seu relacionamento com a universidade:]
Essa instituição sabe resistir, sabe reagir e sabe ser sempre o melhor lugar do mundo pra gente. Não tem melhor lugar do mundo, me perdoem vocês que trabalham em outros lugares. Com todas as dificuldades, ela sabe estar presente: isso desde a nova juventude como aluno da casa, agora como ex-alunos, agora como professores e na qualidade de gerentes. Essa resistência é impressionante e é motivador para enfrentar as angústias.

* Com supervisão da editora Clarissa Pacheco

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