No coração da Gávea
Ídolos improváveis, eles chegaram ao Fla sem alarde e com humildade. Mas caíram nos braços da galera, com seus gols e carisma
O perfil é parecido: jogadores humildes, de personalidade simples e futebol apenaseficiente. Chegam sem qualquer alarde, quase nunca para ser titular. Mas um gol importante, o carisma, a participação decisiva na conquista de um título e pronto: conquistam para sempre o coração da Nação Rubro-Negra. A magia envolve a torcida, que logo torna o simples jogador em xodó eterno. Foi assim que o baiano Obina, nascido Manuel, foi declarado melhor do que Eto’o. Que Fio se tornou Maravilha, nos anos 70. Que o simplório alagoano Peu virou xodó, Nunes, o João Danado, ganhou o título de Artilheiro das Decisões, e Rondinelli foi eternizado o Deus da Raça.
Em comum, todos trabalharam duro,respeitaramclube e torcida, se entregaram de corpo e alma. E o mais importante: não se deslumbraram com o sucesso. O ex-catador de caranguejo Obina passou cinco anos no clube, para ele, os melhores de sua vida. Chegou à Gávea em 2005 convencido de que não passaria de coadjuvante. Ao fazer o gol da vitória sobre o Paraná (entrou faltando cinco minutos para o fim), acabou com as chances de rebaixamento do Flamengo naquele Brasileirão e virou xodó.
“Cheguei sabendo que não me viam como craque e não iria conseguir decidir todos os jogos. Nem sabia se seria titular. Fuiconquistandomeu espaço com empenho total, muita entrega e respeito ao clube. A torcida percebeu minha dedicação e me abraçou, fazendo até musiquinha para mim”, relembra.
O alagoano Peusemprefoi motivo de brincadeiras e piadas graças a sua ingenuidade. Chegou aos 21 anos no clube, em 1981, para jogar num timaço que seria campeão mundial. E mesmo ao lado de craques da grandeza de Leandro, Zico, Andrade e Adílio,brilhou no seu universo particular.
“De repente, eu estava ali, no meio daquelas feras todas. Fui muito bem recebido por todos no clube e os craques me deram muita força. Fiz gols importantes como o da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1982, contra o Guarani, no Maracanã. Aí a torcida parou na minha”, lembra Peu, que hoje é técnico.
Também nunca passou pela cabeça de Bujica ser ídolo ou herói de um jogo. Aos 19 anos, ele já se sentia um vencedor só por jogar ao lado de Zico, Júnior e Leonardo. Até marcar dois gols contra o Vasco, em 1989, na partida que marcava a estreia do ex-rubro-negro Bebeto no time de São Januário, e se tornar um quase herói:
“Sabia que não era qualificado para ser ídolo em meio a tantos craques. Mas esse gol me fez ganhar a torcida. Vai entender…” No Flamengo, a paixão tem explicação, Bujica.
MELHOR QUE ETO’O
Obina não se ilude. Sabe que o carisma e a humildade foram tão decisivos quanto os gols que fez. Como o marcado contra o Paraná, quando entrou no finzinho e ajudou o Flamengo a escapar do rebaixamento no Brasileiro de 2005.
Sincero, admite que chegou sem qualquer expectativa de fazer história. “O segredo é que nunca acreditei quando falavam que eu era ruim e nem o melhor jogador”.
A maior emoção foi a corrente da torcida, que fez campanha e camisas para sua volta, quando sofreu séria lesão e ficou quatro meses afastado.
HUMILDADE EM GOL
Hernane ignorou o apelido de ‘Hernunes’ quando foi comparado a Nunes, o artilheiro das decisões. Já nasceu Brocador. Assim como Obina e Fio Maravilha, o artilheiro também foi tema de música. ‘Uh, terror, o Hernane é Brocador!’,
Nunes, que fazia gols feios e bonitos na mesma proporção, acha que cativou o coração da torcida por sua simplicidade dentro e fora de campo. “Sou povão com a torcida do Mengão. Isso nos aproxima”, explica. “Jogador de hoje é tudo nariz empinado, nem chega perto dos fãs. Eu conheço a torcida, faço parte dela”, completa.