No Nordeste, Lula ‘rouba, mas faz’

Mais afetado pela recessão econômica, Nordeste é grande aposta do ex-presidente em pré-campanha

Área de palafitas na comunidade Brasília Teimosa, no Recife (Bruno Santos/Folhapress)

FERNANDO CANZIAN

Jovens limpam mariscos em área de palafitas vizinha à favela de Brasília Teimosa, no Recife (Bruno Santos/Folhapress)

Entre os eleitores nordestinos que participaram de todos os pleitos em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concorreu, 53% votaram nele em todos. Na média nacional, esse percentual é de 38%, segundo o Datafolha.

No segundo turno em 2014, Dilma Rousseff (PT) derrotou Aécio Neves (PSDB) nos nove Estados nordestinos, com sete em cada dez eleitores (71,7%) votando nela (foram 51,6% na média do país).

Foi com base nessa preferência regional que Lula, 71, iniciou pelo Nordeste sua pré-campanha eleitoral no final de agosto, apelando ao eleitorado mais pobre que o aclamou espontaneamente em passagem por estradas ou em comícios pré-arranjados.

À esq., galinha em criação no quintal da casa de João Helio da Silva (foto à dir.), que mora no bairro de Frei Damião, na periferia de Juazeiro do Norte (CE)

À esq., galinha em criação no quintal da casa de João Helio da Silva (foto à dir.), que mora no bairro de Frei Damião, na periferia de Juazeiro do Norte (CE) (Bruno Santos/Folhapress)

Nos anos Lula e em parte do governo Dilma, o Nordeste foi a região que mais cresceu no país a reboque de programas sociais, aumentos acima da inflação para o salário mínimo e formalização do emprego.

Hoje, é a que se recupera mais lentamente, também por conta da frustração de grandes investimentos, como no porto de Suape e na refinaria de Abreu e Lima em Pernambuco, alvo de corrupção na Petrobras.

POBREZA E ADORAÇÃO

Quase sete anos depois de deixar a Presidência, Lula ainda segue identificado com essa melhora no Nordeste.

Na região, 55% das famílias passam o mês com menos de dois salários mínimos (R$ 1.874); e ali estão mais da metade (6,7 milhões) dos cadastrados do Bolsa Família, implementado por Lula.

Embora ainda seja adorado por conta do programa e de outros como Prouni e Luz Para Todos, o brilho do petista está mais associado hoje ao seu passado do que ao presente, marcado por acusações de corrupção.

Vários de seus eleitores se dizem com “um pé atrás” diante dos “rolos de Lula”. Mesmo assim, prometem votar nele novamente caso logre ser candidato.

“Está tudo errado, com muita gente escondendo muitas coisas. Se for colocar contra a parede ou no ventilador, todo mundo sai. Mas se for para escolher, que fique quem realmente já fez. Um exemplo: o Lula”, diz Lurdes Souza, 24.

Ex-caixa de supermercado, Lurdes perdeu seu emprego formal na crise e hoje vende badulaques religiosos no santuário do Padre Cícero em Juazeiro do Norte (CE).

Ela conta que nos anos Lula pôde comprar duas motos e a mãe, uma geladeira nova. Hoje, não consegue emprego formal e abandonou por ora os planos de entrar na faculdade.

O aposentado Pedro Geraldo Silva, 67, em sua casa na comunidade de Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes (PE) (Bruno Santos/Folhapress)

Em sua peregrinação no Nordeste, Lula foi estridente ao associar o “governo golpista de Michel Temer” à crise econômica; na realidade, engendrada por Dilma. E gastou muito tempo em comícios no papel de “perseguido das elites”.

Para esse público, o petista prometeu trazer de volta a prosperidade interrompida a partir de 2014.

Como disse no Maranhão, mesmo que às custas de mais gastos públicos e de um aumento acima do equivalente a 80% na relação dívida pública/PIB (hoje em 74% e subindo, como consequência da crise fiscal).

Seu discurso faz eco especialmente entre os que viveram os melhores anos da década passada, como membros de duas famílias pobres que a Folha acompanha desde 2005 na comunidade do Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes (PE).

“Esse é o momento mais difícil que estamos vivendo”, diz Pedro Silva, 67, sobre esse longo período. “Na época de Lula havia erro, mas tinha trabalho. E hoje não tem.”

VOTOS EM LULA E TEMER

Pai de quatro filhos que cresceram beneficiados pelo Bolsa Família, Pedro chorou ao contar como Alan, 17, precisou trocar o plano da faculdade de engenharia por um bico num mercado em troca de R$ 820 mensais (o plano é juntar dinheiro para a matrícula e parte das mensalidades futuras).

Em 2018, Alan vai votar pela primeira vez. “Se o Temer for candidato, voto nele. O governo dele é bom.”

Questionado sobre as acusações de corrupção contra o presidente, diz: “Todo presidente vai roubar”.

Sobre a fidelidade do pai a Lula, Alan comenta que “mesmo se filmarem ele roubando o dinheiro de alguém, o voto dele é Lula”.

Sueli Dumont, 44, que a reportagem da Folha acompanha desde 2005, posa em casa com a neta Emily, 10 (Bruno Santos/Folhapress)

O voto de Sueli Dumont, 44, também seguida pela reportagem há anos, será igualmente em Lula.

A desconfiança em relação à honestidade do petista é superada pela memória recente da melhora de vida.

Na vizinha Recife, onde mora em palafitas que brotaram nesta crise, o desempregado e pai de três filhos no Bolsa Família Leandro Nascimento, 32, diz que votaria em Lula em 2018. Isso mesmo que guardando “um pé atrás” por conta das denúncias de corrupção que atingem o petista.

Os cearenses Sandra Lira, 34, e o marido, João Helio, 45, pensam da mesma maneira.

“O povo vê tanta conversa na televisão que a pessoa fica com medo de certas coisas”, diz Sandra a respeito das suspeitas contra Lula.

Beneficiária de R$ 554 mensais do Bolsa Família em razão de seus oito filhos, Sandra diz que “pode ser” que vote mais uma vez no petista, o preferido do marido desempregado.

Na conversa, o casal se confundiu quanto a Lula ter sido “prefeito”, “governador” ou presidente do Brasil.

Barcos de pesca na comunidade de Brasília Teimosa, no Recife (Bruno Santos/Folhapress)

Falta de produtividade comprometeu o ritmo de queda na desigualdade

FERNANDO CANZIAN

A crise recente trouxe o pior resultado desde 1989 no processo de diminuição da desigualdade no país monitorado pelo FGV Social.

“Foi um desastre, mas a crise veio após anos muito positivos no mercado de trabalho e alguns programas sociais”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social. “Em termos de pobreza, voltamos a 2012, mas não a 2003.”

Até a crise, diz, “tudo jogou a favor: desemprego em queda, mais formalidade, arrecadação e renda em alta e a desigualdade caindo”.

“Nesse ínterim, o ‘motor do navio’ quebrou e batemos na ‘ilha fiscal’. Daí a necessidade de reformas”, diz, sobre o rombo nas contas públicas.

Neri afirma que, apesar dos bons resultados até a crise, não houve ganhos de produtividade para tornar o processo sustentável.

Mais educação também não suscitou melhora da capacidade produtiva e a maior expectativa de vida, mudanças na Previdência.

Pelos critérios do FGV Social, até a crise, quanto mais pobre, maior foi a melhora na renda, o que levou à diminuição da desigualdade.

Estudos recentes incorporando a base de dados do IR dos 10% mais ricos alegam que a desigualdade não caiu no Brasil no período de 2007 a 2015.

Com esse ajuste dos dados, a desigualdade entre brasileiros seria maior e cairia menos. Por outro lado, diz Neri, “seguindo este mesmo ajuste dos dados, a renda média do brasileiro seria maior e cresceria mais”.

“Se temos mais desigualdade, temos também mais crescimento. A renda de quem declara IR subiu três vezes mais que o PIB.”

Outro indicativo da queda na desigualdade seria que, entre 2003 e 2014, enquanto o PIB aumentou 28% e a renda média dos brasileiros, 62%, o comércio cresceu 112%.

“Em que pese o aumento no crédito, o que explica a diferença entre a alta do PIB e o comércio é a combinação de menos desigualdade com mais renda. Sem isso, a conta não fecha”, diz Neri.

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