Novo caso de feminicídio em PE reforça importância da queixa para quebrar ciclo de violência
Levantamento mostra que 73% das vítimas no Estado, no primeiro semestre deste ano, nunca prestaram queixa de ameaça ou agressão antes de serem mortas
O feminicídio da técnica em enfermagem Maria do Carmo Oliveira, de 34 anos, baleada várias vezes pelo ex-marido, o cabo da Polícia Militar Lindinaldo Severino da Silva, 39, na madrugada do domingo (28), é um alerta para a violência contra a mulher que não para de crescer em Pernambuco. Mas também reforça a importância da denúncia na primeira ameaça ou agressão.
Levantamento da Polícia Civil de Pernambuco aponta que 73% das mulheres vítimas de feminicídio, no primeiro semestre deste ano, nunca prestaram queixa de violência. O número é muito alto e segue a média nacional.
Ao todo, 37 mulheres foram mortas. Apenas dez vítimas tinham registrado boletins de ocorrências por violência doméstica ou de gênero. Dos dez, apenas quatro denunciados se tornaram os autores dos feminicídios delas. As outras seis queixas foram contra outros homens que, posteriormente, não foram os responsáveis por matá-las.
A irmã de Maria do Carmo, a também técnica de enfermagem Maria do Socorro Almeida, contou à imprensa, nesta segunda-feira (29), que a vítima recebia ameaças do ex-marido, com quem permaneceu casada por 14 anos e teve dois filhos. Mesmo assim, Maria do Carmo dizia não acreditar que ele pudesse cometer um crime contra a vida dela, optando por não registrar queixa.
“Eu dava conselhos, mas ela dizia que não tinha medo dele. Ela o enfrentava. Eles sempre discutiam, mas ela não relatava nada, a não ser dizer que não tinha medo. A gente quer justiça, porque minha irmã era feliz. Ela dizia que estava vivendo a melhor fase da vida. O pensamento dela era nos meninos (filhos)”, disse Maria do Socorro, minutos antes de liberar o corpo da irmã no Instituto de Medicina Legal (IML), no Recife, para o enterro em Chã de Alegria, Mata Sul do Estado.
“A maioria das vítimas nunca denunciou algum tipo de violência sofrida, por isso a gente insiste para que as mulheres denunciem no primeiro sinal. Nunca é demais bater nessa tecla”, afirmou a delegada Fabiana Leandro, gestora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMul), em entrevista recente ao JC.
De janeiro a junho deste ano, 26.646 queixas de violência doméstica/familiar foram registradas no Estado. A média diária foi de 148 denúncias.
Em caso de violência, a mulher pode acionar imediatamente a Polícia Militar pelo número 190. Para orientações sobre a rede de proteção, também podem entrar em contato com a Ouvidoria da Secretaria Estadual da Mulher: 0800.281.8187. (Veja lista de delegacias ao final da reportagem)
CRIME NA BOATE
O feminicídio aconteceu na boate Lounge Music, localizada no bairro de Piedade, Jaboatão Guararapes, no Grande Recife. De acordo com as investigações, Lindinaldo teria se apresentado na entrada da casa noturna como policial, não pagou ingresso e foi até o camarote open bar, onde estava a ex-mulher. Lá, encontrou a vítima com duas amigas e um rapaz.
“Ele chegou perto dela, pediu para dançar. Ela disse que não queria, e se virou. Ele pegou peo pescoço e atirou”, contou a irmã.
Segundo ela, a separação ocorreu há cerca de um ano e meio. Eles mantiveram a guarda compartilhada dos filhos, mas brigavam na Justiça por imóveis – um apartamento em Jaboatão e uma casa em Chã de Alegria. “Creio que o motivo foi a casa. Ele queria o apartamento de todo jeito, tava essa briga na Justiça.”
Depois de atirar na ex-mulher, o PM acabou sendo rendido e agredido até a chegada da Polícia Militar. Com ferimentos, ele foi socorrido e encaminhado para a UPA da Imbiribeir, onde recebeu atendimento antes de ser transferido para o Hospital da Restauração. De lá, foi novamente removido para o Hospital da Polícia Militar, onde está sob custódia.
INVESTIGAÇÃO
O cabo vai responder pelo crime de feminicídio consumado. A Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) também vai instaurar um processo disciplinar contra o militar.
Sobre a arma de fogo que o suspeito portava na boate, a Polícia Militar declarou, em nota, que os militares “têm direito de portar arma de fogo, de propriedade particular ou fornecida pela instituição, em todo território nacional, mesmo estando fora de serviço, em conformidade com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), em seu artigo 6º, § 1º”.
Mas não esclareceu se a arma de fogo pertencia ao PM ou à corporação.
Veja lista das delegacias da Mulher abertas 24h:
Recife (1° DEAM)
Praça do Campo Santo, s/n, Santo Amaro
Tel. (81) 3184.3352
Jaboatão dos Guararapes (2° DEAM)
Estrada da Batalha, s/n, Prazeres
Tel. (81) 3184-3445
Cabo de Santo Agostinho (14º DEAM)
Rodovia BR 101, s/n, Pontezinha
Tel. (81) 3184-3414
Petrolina (3° DEAM)
Rua Castro Alves, 57, Centro
Tel. (87) 3866-6625
Caruaru (4° DEAM)
Av. Portugal, n° 155, Universitário
(81) 3719-9106
Paulista (5° DEAM)
Rua do Cajueiro, s/n, Praça Frederico Lundgren, Centro
(81) 3184-7072
Olinda
Avenida Governador Carlos de Lima Cavalcanti, 2405, Casa Caiada