Nunes Marques vota contra recursos pedindo revisão da vida toda do INSS a aposentados
O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou contra dois recursos pedindo à corte que garanta a revisão da vida toda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para todos os segurados ou ao menos para os que já entraram na Justiça.
O relatório apresentado por ele no julgamento do caso, que voltou a ser analisado nesta sexta-feira (23) no plenário virtual da corte, é contra aceitar os embargos de declaração do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários) e contra os pedidos feitos em outro recurso apresentado pela CNTM (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos).
Os ministros estão analisando dois embargos de declaração —quando se pede para esclarecer pontos de um julgamento— contra decisão tomada em março deste ano, que derrubou a possibilidade de pedido da correção ao julgar duas ações de 1999, as ADIs (Ações Direta de Inconstitucionalidade) 2.110 e 2.111. O julgamento chegará ao final no dia 30 deste mês.
A revisão da vida toda é um processo judicial no qual o aposentado pede a correção do benefício para incluir, no cálculo da renda previdenciária, salários antigos, de antes de julho de 1994. O processo contesta regra de transição na reforma da Previdência de 1999.
Os pedidos feitos nos dois recursos são similares. O que querem representantes dos trabalhadores e dos aposentados é que o STF reconsidere o direito, já que, em 2022, no julgamento do Tema 1.102, a corte havia aprovado a tese, ou ao menos conceda a correção a quem já tinha ganhado ação na Justiça.
Dentre os argumentos está o fato de que, anteriormente, o Supremo havia validado a revisão e, com isso, juízes estavam dando ganho de causa ao segurado apenas cumprindo o que havia dito a corte. Outro ponto é quanto ao gasto com as ações.
O governo alegou que a revisão da vida toda traria uma despesa de R$ 480 bilhões aos cofres públicos ao longo dos anos, ao somar o pagamento dos atrasados e a aposentadoria maior até que todos os os benefícios revistos fossem extintos. O Ieprev traz cálculos demonstrando que os valores seriam bem menores e chegariam a R$ 3,1 bilhões.
Segundo o instituto, existiria uma média de 102 mil ações válidas distribuídas anteriormente a 21 de março deste ano, sendo que mais da metade garantiriam atrasados de até 60 salários mínimos, chamados de RPVs (Requisições de Pequeno Valor).
O impacto seria de R$ 210 milhões a R$ 420 milhões ao ano, o que traria gastos de R$ 1,5 bilhão ao longo de dez anos e, “na pior das hipóteses, R$ 3,1 bilhões”, diz o recurso do Ieprev.
Em sua resposta, Nunes Marques, que já havia se mostrado contrário à tese desde antes do julgamento de 2022, afirmou que não aceitaria o recurso do Ieprev, que não é parte do processo e figura como amicus curiae (amigo da corte) e que negaria o pedido da CNTM “tendo em vista a ausência de vícios na decisão embargada”.
Segundo o ministro, ao contrário do que se alega, não houve omissão ou erro ao julgar revisão da vida toda em março deste ano, derrubando entendimento de 2022, já que, em dezembro daquele ano é que a corte teria errado ao não considerar que, em 2000, o plenário já havia tomado decisão.
Além disso, alega que o julgamento de 2022, que garantiu a revisão da vida toda, não transitou em julgado, ou seja, não chegou totalmente ao final, portanto não seria uma decisão já publicada e sem a possibilidade de recursos.
“O julgamento de mérito das ADIs 2.110 e 2.111, em 2024, ocasiona a superação da tese do Tema 1.102, tanto mais porque ainda sem trânsito em julgado, restabelecendo-se a compreensão manifestada desde o ano 2000”, diz em seu voto.
Faltam ainda votos de todos os outros ministros, que podem seguir o relator, abrir divergência, pedir vista, ou seja, mas prazo para analisar o processo, ou solicitar destaque, o que levaria o caso ao plenário físico da casa.
Em março, ao julgar as duas ações de 1999 contra o fator previdenciário instituído pela reforma da Presidência do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os ministros entenderam que o artigo 3º da lei 8.213 é constitucional e cogente. Com isso, a norma não pode ser derrubada para calcular o melhor benefício, aplicando a regra fixa, quando a regra de transição for menos benéfica ao segurado.
O argumento é que, em alguns casos, a regra de transição da reforma de 1999 era prejudicial para os segurados que já estavam na ativa, contribuindo com o INSS. Com isso, pedia-se na Justiça a aplicação da regra definitiva, possibilidade utilizar todos os salários na conta da aposentadoria, incluindo os mais antigos.
O acórdão estabelecido foi o seguinte: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”.
ENTENDA A REVISÃO DA VIDA TODA
A revisão da vida toda é um processo judicial no qual os aposentados do INSS pedem para incluir salários antigos —pagos em outras moedas que não o real— no cálculo da aposentadoria.
O motivo pelo qual se discute o direito à correção é a aprovação da lei 9.876, de 1999, que criou o fator previdenciário e mudou a regra de cálculo da média salarial, base dos benefícios do INSS.
A reforma da Previdência do governo Fernando Henrique Cardoso trouxe regra de transição que beneficiou novos segurados e prejudicou parte dos que já estavam no mercado de trabalho.
Pela lei, quem se filiou à Previdência até 26 de novembro de 1999 tem a média salarial calculada com as 80% das maiores contribuições a partir de julho de 1994, quando o Plano Real passou a valer.
Mas quem passou a contribuir com o INSS a partir de 27 de novembro de 1999 e atingiu as condições de se aposentar até 12 de novembro de 2019 tem a média calculada sobre os 80% maiores salários de toda sua vida laboral —por isso, vida toda.
VAIVÉM DA REVISÃO DA VIDA TODA
A revisão da vida toda chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2015 como recurso a um processo que teve início no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que atende os estados do Sul do país
Em novembro de 2018, o STJ determinou suspensão de todos os processos do tipo no país até que se julgasse o caso na corte, sob o rito dos recursos repetitivos
Em 2019, a revisão foi aprovada no STJ e, em 2020, o processo chegou ao STF
Em 2021, o caso começou a ser julgado no plenário virtual do STF, mas pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento
Em 2022, novo julgamento se iniciou no plenário, mas uma manobra do ministro Kassio Nunes Marques levou o caso ao plenário físico, mesmo após já ter sido aprovado
Em dezembro de 2022, o STF julgou o tema e aprovou a revisão da vida toda
Em 2023, o INSS pediu a suspensão de processos de revisão enquanto o recurso é julgado pela Suprema Corte. O instituto também solicitou que a tese não se aplique a benefícios previdenciários já extintos, como em caso de morte do beneficiário
Desde julho de 2023, os processos estão suspensos por decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso
No dia 11 de agosto, o STF iniciou o julgamento do recurso no plenário virtual, mas o ministro Cristiano Zanin pediu vista e suspendeu o processo
Em novembro, o plenário voltou ao julgamento da revisão, e, com divergências entre os votos, o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, levando o caso ao plenário físico
A decisão final, no entanto, ficou 2024, após o recesso do Judiciário
Em 1º de fevereiro, o julgamento estava marcado, mas foi adiado para o dia 28
No dia 28 de fevereiro, o processo entrou na pauta da corte, mas não chegou a ser analisado devido à extensa lista de ações pautadas e foi pautado novamente para dia 29, mas não chegou a ser julgado
Novo julgamento entrou na pauta do Supremo de 20 de março, mas, no dia, foi novamente adiado
Em 21 de março de 2024, ao julgar duas ações de 1999 sobre o fator previdenciário, a tese da revisão da vida toda foi derrubada por 7 votos a 4
O plenário virtual decide sobre a revisão em dois recursos apresentados em julgamento que deve terminar no dia 30 de agosto
Cristiane Gercina/Folhapress