O brasileiro que dá vida ao passado através de reconstruções faciais
Jesus Cristo, Senhor de Sipán, guerreiro germânico, D. Pedro I e muito mais: o designer conta para o site Aventuras
Dar rosto a figuras que viveram no passado é uma tarefa complexa que exige conhecimento técnico e muito estudo. Unindo a arte e a ciência, a reconstrução facial forense é uma prática muito utilizada por pesquisadores, pois, permite que entendamos mais sobre o nosso passado — como humanidade no geral.
Em entrevista à Aventuras na História, o designer especializado em reconstrução facial forense, Cícero Moraes, contou mais sobre o seu trabalho, que chama a atenção de muitas pessoas ao redor do mundo.
Ele explica que, além de tudo, os resultados impressionantes desses projetos podem gerar mais interesse na área da pesquisa.
“A reconstrução facial oferece uma imagem humanizada de um trabalho hercúleo protagonizado por arqueólogos, historiadores, peritos, antropólogos e afins”, diz Moraes. “É uma forma de dar uma identidade visual, que suscita interesse na comunidade e leva o trabalho destes especialistas ao maior número de pessoas e, quem sabe no futuro, instigue a formação de novos pesquisadores e especialistas”.
Para ele, no entanto, o maior interesse nessa área surgiu após um episódio traumático. Em 2011, na cidade de Sinop, no Mato Grosso, Cícero sofreu um assalto com sua família. Reagindo a dois ladrões, teve sua costela quebrada e seu computador com arquivos importantes foi levado.
“Infelizmente fiquei muito mal psicologicamente depois do ocorrido, posto que, apesar de reagir e frustrar o assalto, levei um tiro de raspão na cabeça e quase fui morto ao salvar a família”, conta. “Durante quinze dias me tranquei em casa, o medo era grande que aquilo acontecesse novamente.”
Nesse período de trauma, ele buscou focar nos estudos para poder ocupar a mente — transtornada pela situação traumática e de quase morte. A reconstrução facial forense foi um dos âmbitos em que Moraes se aprofundou.
Ele explica: “Comprei um livro, passei a participar de comunidades sobre o assunto e dentro de alguns estava produzindo os primeiros trabalhos. Isso ajudou bastante na minha recuperação”. Formado em Marketing, aprendeu a parte de computação gráfica e programação como autodidata, dentro de seu próprio quarto.
Depois disso, passou a fazer trabalhos cada vez mais interessantes. Da reconstrução facial de Jesus Cristo, desenvolvida a partir de uma média facial da região e do período em que ele viveu, Cícero já criou modelagens faciais de D. Pedro I, múmias egípcias e até mesmo um mato-grossense de mil anos.
Ao longo de 2020, o designer participou de inúmeros projetos. Ele cita que, neste ano, reconstruiu um guerreiro germânico de Pilsen, da República Tcheca, a Mulher de Pumapungo, do Equador. Zé, o “gaúcho” de 5 mil anos, a índia pernambucana de 2000 anos e a múmia CG 61076, do Cairo em parceria com uma universidade australiana.
“Me orgulho de ter participado de muitas reconstruções”, afirma. Para dar vida ao passado através por meio dessa técnica, todo o processo é iniciado a partir da digitalização do crânio em 3D.
Por isso, é possível perceber a vital importância de outros pesquisadores nesse processo. Arqueólogos, por exemplo, são os principais responsáveis por descobertas de esqueletos antigos.
“Com ele preparado em um ambiente digital procedo o trabalho, composto por uma abordagem anatômica e outra estatística. A anatômica é a reconstrução dos músculos principais, a projeção do nariz, lábios, etc. A estatística é a informação alguns volumes baseados em dados de centenas de faces semelhantes ao indivíduo em reconstrução”, explica.
O resultado do cruzamento desses dados específicos é uma face simples. Esse rosto é então “lapidado baseado nas informações antropológicas e históricas, como detalhes acerca da face, cabelo, indumentárias e etc”.
A maior dificuldade em todo o processo, segundo o especialista, é quando o crânio, — essencial para a reconstrução, — não está completo ou está quebrado. Um exemplo disso é o do Senhor de Sipán, um grande dignitário da cultura Mochica, na América do Sul antes dos incas.
E os trabalhos não param. Moraes afirma que possui muitos projetos que continuarão sendo desenvolvidos em 2021. “Para o ano que vem estou com várias reconstruções em andamento, parte significativa delas será apresentada em outros países, o maior número na República Tcheca, onde revelaremos figuras importantes da história daquele país”.
Questionado sobre como é a sensação de poder ver o rosto de alguém do passado pela primeira vez, Cícero conclui: “Sempre é uma alegria, ao reconstruir um rosto você não apenas traz de volta a aparência do indivíduo, mas a história dele, do seu povo e até bons debates que desembocam em mais conhecimento e tolerância”.
Saiba mais sobre o trabalho de Cícero Moraes por meio de seu site.