O Carnaval de Pernambuco se descaracteriza e ninguém vê isto?

Do litoral ao Sertão, iremos ouvir nesta quarta-feira de cinzas depoimentos de vários prefeitos nesta mesma tonalidade: “Fizemos o melhor carnaval de todos os tempos”. Eles pouco estão se lixando para a perda de autenticidade do carnaval pernambucano, que já foi o melhor do Brasil justamente quando era carnaval. Hoje, com apoio do poder público, o que se viu no Recife, Olinda e outras cidades do interior foi a apresentação de “cantores” e bandas que nada têm a ver com o nosso carnaval.

Ora, se a prefeitura do Recife acha normal colocar nos 45 pólos de animação bandas de rock, axé, sertanejo e forró cearense de quinta categoria, lembre-se que isso já é feito durante todo o ano. Em nome de que um turista de São Paulo, de Curitiba ou de Porto Alegre viria brincar o Carnaval em Pernambuco para ouvir Titãs, Jota Quest e outras bandas do gênero? Vem se não souber. Se essa moçada que comanda os órgãos públicos conhecesse o repertório de Capiba, Nélson Ferreira, Aldemar Paiva e Irmãos Valença, para ficar apenas nesses quatro, aproveitaria o carnaval pernambucano exatamente para reverenciá-lo. O redator dessas linhas não conheceu nenhum deles, pessoalmente, mas travou conhecimento com sua música e avalia sem risco de erro que ela é infinitamente melhor que a de 95% dos artistas que se apresentaram em Pernambuco no carnaval deste ano. Não se trata de preconceito, saudosismo ou discriminação, e sim de saber distinguir o que é bom do que não presta e de valorizar o que é nosso.

Que tal esse frevo-canção de Nélson Ferreira na voz de Expedido Baracho: “Se estou ficando com a cabeça branca/ Não é velhice, não senhor/ São muitos talcos de saudosos carnavais/ Jogado em meus cabelos pelas mãos do meu amor”. Ainda bem que nos resta Almir Rouche, André Rio, Gustavo Travassos, Gerlane Lops, Alceu Valença e as orquestras de frevo que tocam nas ruas, que nesse período de carnaval montam repertório estritamente carnavalesco. Que esses continuem segurando a nossa bandeira para que ela não seja totalmente entregue em futuro próximo a que não tem nada a ver com esse ritmo. Não custa lembrar que o carnaval do Rio se mantém como o mais tradicional do Brasil porque é todo feito com as chamadas “marchinhas cariocas”, que o país inteiro conhece, gosta e canta.

E que o de Salvador só é o que é porque é feito com artistas baianos, que cantam as músicas feitas por eles: Caetano, Gil, Moraes Moreira, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, etc. No dia que o carnaval de Pernambuco se transformar numa mistura de ritmos que nada tem a ver com carnaval, ele virará uma festa como outra qualquer. Isso pode até demorar um pouco, mas está a caminho. Bobagem dizer que “sertanejo” e “bandas de rock” atraem público que os artistas pernambucanos de carnaval não atrairiam. O povo vai para onde tiver festa de graça. Mas aos poucos está descobrindo que o carnaval pernambucano está deixando de ser carnaval para se transformar num festival de música como outro qualquer, o que é uma pena. Espera-se que isso no futuro seja corrigido, que o São João seja feito com músicas juninas e que o carnaval seja realizado com músicas carnavalescas. Alguém de bom senso concebe uma festa de tango em Buenos Ayres com músicas que não seja tango?

(Inaldo Sampaio)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *