O ‘demônio perdido’ que reapareceu em famosa pintura do século 16 restaurada

Pintura 'A Morte do Cardeal Beaufort'
Obra foi pintada em 1789 pelo britânico Joshua Reynolds

Por: Ian Youngs

Uma figura muito peculiar reapareceu na pintura histórica “A Morte do Cardeal Beaufort”, pintada pelo britânico Joshua Reynolds em 1789, após a obra ter sido submetida a um processo de restauração.

Trata-se de um personagem diabólico que na peça do século 18 apareceu perseguindo o religioso que lhe dá nome, mas que havia “desaparecido” há décadas sob camadas de tinta e verniz.

A pintura voltará a ser exibida na Petworth House no condado de West Sussex, na Inglaterra, com o demônio em exibição.

A criatura com presas pode ser vista na cabeceira da cama, nas sombras, enquanto o cardeal Beaufort está morrendo, com o rei Henrique 7º e dois homens o acompanhando.

A pintura é inspirada em uma cena de “Henrique 7º, Parte 2”, do poeta e dramaturgo britânico William Shakespeare (1564-1616), e retrata o cardeal, um conspirador e homem sedento de poder caminhando em direção aos momentos finais de sua morte.

Pintura 'A Morte do Cardeal Beaufort'
Quadro é inspirado em peça “Henrique 7º, Parte 2”, de William Shakespeare

Na peça, Henrique 7º lamenta a morte do cardeal, que é seu tio-avô, dizendo: ‘Oh! “Derrote o demônio ocupado e intrometido que cerca a alma deste desgraçado.”

A inclusão daquele “demônio” no quadro gerou polêmica na época de sua criação porque alguns pensavam que Reynolds, considerado um dos maiores pintores de sua época, não deveria ter mostrado explicitamente uma criatura imaginária.

Um crítico descreveu-o como “demasiado ridículo e infantil para escapar à censura”, enquanto outro disse que “não respeita o julgamento do pintor”.

Figura monstruosa

Pintura 'A Morte do Cardeal Beaufort'
Pintura original da Morte do Cardeal Beaufort em que o diabo é visto

John Chu, curador nacional sênior de pintura e escultura do National Trust, o Fundo Nacional para Locais de Interesse Histórico ou Beleza Natural do Reino Unido, explica: “Não se enquadrava em algumas das regras artísticas da época ter uma figura de linguagem poética representada tão literalmente como um monstro”.

Os críticos argumentaram que “embora fosse considerado aceitável na literatura introduzir a ideia de um demônio como algo na mente de uma pessoa, incluí-lo visualmente em uma pintura deu-lhe uma forma muito física”, diz Chu.

Vários amigos e comentaristas tentaram persuadir Reynolds a não incluí-lo ou até mesmo excluí-lo, uma vez concluída a pintura.

Limado por restauradores

Ao longo dos anos, a figura contestada desapareceu à medida que os restauradores pintaram a obra de arte e lhe deram numerosas camadas de verniz.

Chu explicou que os primeiros restauradores interpretaram mal a figura, acrescentando que ao longo de décadas “essa área parece ter-se deteriorado em pequenas ilhas de tinta que se tornaram menos claras”.

“A degradação das sucessivas camadas de verniz que recebeu ao longo dos anos tornou-o ainda menos visível”, indicou.

Becca Hellen, curadora nacional sênior de pinturas do National Trust, diz que as áreas ao redor do demônio eram particularmente complexas para restaurar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *