Por Rudolfo Lago*
Na mais política das suas canções, nos anos 1980, o RPM mencionava o “escândalo das joias” entre histórias de corrupção famosas naquela época. Entrava, então, o caso Coroa-Brastel, entre outros. Daí, mais adiante, Paulo Ricardo atualizou a canção para escândalo mais recentes, incluindo “o caso Sudam, Maluf, Lalau, Barbalho, Sarney”. Talvez agora fosse o caso de voltar à versão anterior, com o novo escândalo das joias, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu ex-ajudante de Ordens Mauro Cid e sua família, entre outros.
Quando Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo episódio da reunião com embaixadores na qual tentou desmoralizar o sistema eleitoral brasileiro, ele deu uma entrevista vangloriando-se do fato de não ter sido condenado por corrupção. Bem, tramar contra o Estado Democrático de Direito já deveria ser algo considerado grave por um ex-presidente da República. Mas se Bolsonaro considera um galardão estar condenado não por corrupção, a evolução do escândalo das joias poderá fazê-lo perder essa, digamos, “honraria”.
Porque aceitar como pessoais presentes que foram para a União e tentar vendê-los para lucrar com isso pode, sim, ser enquadrado como corrupção. Desde que ficou conhecida a história de como se tentou fazer entrar ilegalmente no país um conjunto de joias dadas de presente a Michelle Bolsonaro pelo governo da Arábia Saudita, a história só vai ganhando contornos mais graves.
Depois, se soube que outro conjunto de joias, masculinas, tinha sido dada de presente a Bolsonaro. A história dos dois presentes é desde o início estranha. Eles não foram dados pessoalmente a Bolsonaro e Michelle, em viagem oficial. Foram dadas ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Que não deu qualquer publicidade à entrega dos presentes. Pelo contrário, procurou ocultá-los. O ajudante de ordens do ministério, Marcos Soeiro, tentou passar com as joias dadas a Michelle escondidas na sua mochila, sem declarar na alfândega.
Por que esconder o recebimento de presentes com esses valores? Por que tentar fazê-los entrar ilegalmente no país? A Polícia Federal investiga se os presentes poderão ter sido uma contrapartida ao governo saudita no fechamento de negócios com o governo brasileiro. Se isso for comprovado, a corrupção entrará no rol dos crimes cometidos pelo ex-presidente.
Na sequência, aparecem agora novas histórias que apontam efetivamente para a venda de milionários presentes recebidos por Bolsonaro. Mauro Cid tentou vender esses presentes. Seu pai, o general Mauro Lorena Cid, também. O general foi tão descuidado que o seu reflexo aparece na foto do estojo de joias que tentou vender. Parece uma cena da famosa comédia de Woody Allen, de 1969, “Um Assaltante bem Trapalhão”.
Então, o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wasseff, aparece comprando de volta nos Estados Unidos por US$ 49 mil um relógio Rolex cravejado de diamantes dado de presente “ao governo brasileiro” para devolvê-lo ao Tribunal de Contas da União (TCU). Ele nega ter feito isso a pedido de Bolsonaro. Como negara que tinha escondido em sua própria casa Fabrício Queiroz de forma combinada com o ex-presidente. Wasseff também merecia uma ponta na comédia de Woody Allen.
Há uma série de outros crimes nada abonadores que podem pesar para os que estão envolvidos nesse rolo todo do escândalo das joias. Primeiro, é importante lembrar que nenhum desses itens são presentes de caráter pessoal, como bolsonaristas fazem um esforço nas redes sociais para classificá-los.
Em primeiro lugar, qualquer item acima de US$ 1 mil precisa ser declarado á Receita Federal. E tentou-se fazer entrar pelo menos o conjunto dado a Michelle sem declarar. Primeira ilegalidade. Não sendo um presente pessoal, mas um presente para o Estado brasileiro, ficaria liberado do pagamento do imposto de importação. Mas aí, obviamente, o presente não seria pessoal. Teria que ser incorporado ao patrimônio da União. E, de novo obviamente, não poderia ser passado nos cobres. Vender ou doar esses presentes é expressamente proibido por decisão do TCU de 2016.
Assim, o final dessa história pode imputar aos envolvidos outros crimes. Como descaminho, que é fazer entrar ou sair do país bens sem respeitar os trâmites legais e burocráticos. Também pode haver advocacia administrativa, quando um funcionário público tenta se valer da sua autoridade para atender a interesse privado. Pode haver ainda peculato (apropriação indevida de valores ou bens por funcionário público) e lavagem de dinheiro.
Entre os envolvidos, um ex-capitão, um tenente-coronel, um general e outros militares. “Fardas e forças/forjam as armações”, já dizia a letra da canção do RPM lá nos anos 1980…
*Ex-diretor do Congresso em Foco Análise, é chefe da sucursal do Correio da Manhã em Brasília. Formado pela UnB, passou pelas principais redações do país. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.