O estranho caso do corpo mumificado que pode ser de líder de seita americana
Joshua Nevett
*Atenção: este texto contém detalhes sobre a morte e o corpo de uma mulher que podem ser considerados perturbadores.
Já era tarde da noite de uma quarta-feira quando o cabo Steven Hansen foi escalado para verificar a cena de um crime, perto da cidade de Moffat, nos Estados Unidos.
Antes de se dirigir ao local, tudo o que Hansen sabia era que um corpo havia sido encontrando em uma casa, localizada em um remoto beco sem saída na pequena cidade de cerca de cem habitantes, no Estado do Colorado.
Ao chegar, o cabo ficou perturbado com o que viu.
Em um dos quartos, ele encontrou uma espécie de santuário contendo o que descreveu como os restos mumificados do que parecia ser uma mulher.
O corpo dela estava sobre a cama, envolto em um saco de dormir e rodeado por luzes de Natal. Havia purpurina ao redor dos olhos.
Acredita-se que o corpo seja de Amy Carlson, a líder espiritual de 45 anos da seita Love Has Won (“O Amor Venceu”).
Para confirmar isso, legistas ainda precisam analisar a arcada dentária do corpo, uma vez que ele estava tão decomposto e deteriorado que não foi possível verificar as digitais.
A equipe acredita que a mulher possa estar morta desde março; o corpo foi encontrado em 28 de abril.
Sete possíveis membros do Love Has Won foram presos, acusados de cometerem abusos com o cadáver na casa. Não há, por enquanto, evidências de uma conexão direta deles com a morte.
“Nunca vi um grupo de pessoas ficar tão indiferente a respeito de uma pessoa morta (no local)”, disse Hansen à imprensa americana.
Mas nada disso chegou como uma surpresa para a família de Carlson, que está bastante convicta de que o corpo é dela.
“No quadro geral, sabemos que ela não é totalmente inocente, porque escolheu se juntar a esta seita”, disse a irmã mais nova de Carlson, Chelsea Renninger, à BBC. “Mas, ao mesmo tempo, ela não merecia o que aconteceu no final. Nenhum ser humano merece isso”, acrescentou ela, antes de qualquer confirmação oficial de que se trata de Amy, e sem mesmo conhecer as reais circunstâncias que poderiam ter levado à morte da irmã.
Por anos, Renninger teve certeza de que a liderança de sua irmã na Love Has Won terminaria em uma tragédia.
‘Mãe deusa’
Pouco se sabe sobre as origens da Love Has Won, provavelmente criada no final dos anos 2000.
Suas crenças são heterogêneas, misturando tendências místicas da Nova Era, teorias da conspiração e adoração a guias espirituais.
Carlson chegou ao grupo convidada por um membro mais antigo. Com o tempo, ela mesma passou a ser considerada a “Mãe Deusa”.
Seus ensinamentos eram considerados sagrados. Para o grupo, em uma das suas 534 vidas passadas, ela foi Jesus Cristo. A líder também dizia poder curar o câncer e falar com o espírito do ator Robin Williams.
Essas alegações eram propagadas em transmissões ao vivo diárias no YouTube, nas quais seguidores de Carlson pediam doações.
Na frente das câmeras, os membros da seita pareciam satisfeitos com seu estilo de vida boêmio. Mas um documentário do site Vice jogou uma luz mais sombria sobre o grupo, no qual ex-membros se disseram vítimas de abusos físicos e mentais.
Em um documento judicial ao qual a BBC teve acesso, a polícia do condado de Saguache disse ter “recebido muitas denúncias de famílias nos Estados Unidos dizendo que o grupo está fazendo lavagem cerebral nas pessoas e roubando seu dinheiro”.
A reportagem não conseguiu contato com qualquer membro do grupo. Uma página do Facebook da Love Has Won não respondeu a um pedido de entrevista.
Laços cortados
Um dos três filhos de Carlson, Cole Carlson, disse a BBC que viveu a maior parte dos seus 25 anos afastado da mãe.
“Minha vida é normal, exceto pelo fato de minha mãe ter partido para se juntar a uma seita”, resume o jovem.
Ele tinha 12 anos quando sua mãe, uma ex-funcionária do McDonald’s no Texas, decidiu seguir o que acreditava ser sua missão divina.
Cole fica com a voz embargada ao lembrar deste momento.
Ele ia passar o Natal em Houston com a mãe mas, na véspera da viagem, seu pai contou o que tinha acontecido. Amy tinha ido embora, deixando seus filhos aos cuidados dos pais.
Apesar dessa memória dolorosa, Cole diz que amava a mãe incondicionalmente.
“Ela não era a melhor mãe do mundo, mesmo quando estava por perto. Mas eu a amava até o fim”, disse Carlson, que vive e estuda biologia em Portland, Oregon.
Amor não faltou na vida de Amy, diz sua irmã, Renninger. Elas tiveram uma “ótima educação” com pais amorosos em Dallas.
Na escola, Amy era uma aluna nota 10 e uma das principais vozes do coral.
Somente no início da vida adulta, quando começou a falar com estranhos na internet, seus rumos mudaram, conta a irmã.
Depois que Amy decidiu ir embora, muitos parentes nunca mais a viram ou falaram com ela.
Já outros membros da família dizem que tentaram ajudá-la em diversas ocasiões, sem sucesso. Alguns deles inclusive procuraram o programa apresentado por Dr. Phil na emissora CBS, no qual ele costuma entrevistar e abordar relações complicadas da vida real. No ano passado, Amy e suas seguidoras foram entrevistadas.
Mas nada fez a “Mãe Deusa” deixar seus seguidores e sua seita.
Chocada pelo que possivelmente aconteceu com a filha, sua mãe, Linda Haythorne, disse à BBC esperar que o destino de Amy sirva como uma advertência para outras pessoas que radicalmente mudam de vida para entrar numa seita.
“Mesmo que ela tenha feito algumas coisas terríveis, ela ainda era humana”, afirmou Linda. “Quero divulgar o quão perigosos tais cultos são e, com sorte, poderemos ajudar outra mãe, irmã ou filho.”