Opinião
O presidente Lula vive um momento crucial da sua gestão, uma espécie de inferno astral. A semana que passou foi uma das mais amargas. Teve um leilão de arroz anulado, um ministro indiciado pela Polícia Federal (Comunicações) e, para ferir de morte seu plano econômico para inglês ver, a devolução de parte da medida provisória (MP) que compensaria a desoneração da folha de pagamento de 17 setores e de municípios.
Para completar, partidos aliados se apresentam rachados em pautas que envolvem o aborto e as drogas. Lula insiste em manter Alexandre Padilha na Articulação Política, mas segue quebrando a cabeça sobre posicionamentos dentro do Congresso. Na verdade, ainda não conseguiu alinhar o time político neste primeiro semestre de 2024. Se, em 2023, conseguiu aprovar uma agenda econômica extensa no Legislativo, neste ano diferentes projetos correm riscos na casa com os problemas na articulação.
O maior baque foi a MP devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As revistas de fim de semana caíram de pau no Governo. A Veja, por exemplo, informou que, na última terça-feira, quando a MP da desoneração passou a vigorar, milhares de empresários brasileiros acordaram sob a ameaça de um confisco de bilhões de reais das contas de suas empresas.
“De maneira simplificada, foi isso o que fez a Medida Provisória 1227, que restringiu o uso dos créditos tributários do PIS e da Cofins, dois impostos cobrados sobre os negócios. A MP foi publicada naquele dia pelo governo federal — sem aviso prévio e com efeito imediato. Os prejuízos potenciais, de acordo com a avalanche de advogados e entidades setoriais, que prontamente emergiram para combater a decisão, seriam, além da abertura de um enorme buraco no caixa das empresas, os repasses dessa perda na forma de aumento de preços para clientes e consumidores”, destacou a revista.
Pacheco decidiu devolver a parte que tratava da limitação dos créditos do PIS/Cofins. Com a decisão, o trecho perdeu a validade imediatamente. Desde antes de a MP ser enviada, a reclamação dos parlamentares era de que a falta de comunicação e alinhamento interno da gestão petista tem deixado a articulação política ameaçada no Legislativo. Só que o envio do texto pela Fazenda, sem avisar aos aliados, deixou mais evidente o descompasso dentro do próprio Governo.
Alckmin e Tebet desinformados – Em entrevista ao site Metrópoles, o presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, Joaquim Passarinho (PL-PA), chegou a dizer que ministros que tinham relação com o assunto da MP foram pegos de surpresa com a decisão do Ministério da Fazenda. O parlamentar afirmou que o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, não sabiam do conteúdo quando a medida foi publicada.
Aliados contrariam o Governo – A base do Governo anda tão desagregada que boa parte dos partidos aliados do Planalto, como MDB, PP e União Brasil, votaram favoráveis a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Drogas, que proíbe o porte e a posse de drogas em qualquer quantidade. O texto foi apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A proposta avança como uma resposta à votação suspensa no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a descriminalização do porte de drogas.
Só reage alertado – No caso do projeto de lei (PL) nº 1.904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, incluindo casos de estupro de crianças e mulheres, o governo Lula só tomou uma posição mais firme na sexta-feira passada, depois da imprensa criticar o silêncio do Executivo sobre o tema. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo não vai atuar para mudar a legislação que trata de aborto no País.
Fora da pauta – Depois da forte reação pública negativa em relação ao PL antiaborto, é provável que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não paute o projeto durante a semana e que o texto seja alterado. Já o PL antiaborto, sozinho, não deve ter tanta força para ser aprovado, sem alguma “cortina de fumaça”. Lula classificou de “insanidade” o PL antiaborto por estupro, que restringe o aborto legal em casos de estupro. O petista se disse pessoalmente contra o aborto, mas afirmou que, como a prática é uma realidade, precisa ser tratada como questão de saúde pública.