O jogo das incertezas
Por Roberto Numeriano
Os primeiros ensaios da corrida eleitoral em Pernambuco sinalizam a opção por um pragmatismo político que, ao contrário de garantir uma margem de segurança ideal para os diversos grupos políticos, pode, na verdade, significar a precarização do próprio jogo entre os atores quanto às possibilidades de manobras num cenário de guerra aberta. Seja no PSB e sua cauda política, seja na oposição real e potencial, o que podemos observar, nestes últimos dias de 2017, é um conjunto de movimentos cuja natureza é, pelo menos, paradoxal, se não for contraditória.
As causas desse quadro exótico (onde parece já ocorrer um combate em terra arrasada, quando nem ainda teve início a guerra) não estão ligadas, necessariamente, a um movimento nacional de consolidação ou reação, embora possam ser relacionadas às consequências do golpe de Estado de 2016 no arranjo político local das forças e atores que foram/são beneficiárias da nova ordem, em face daquelas alijadas do poder. Tais causas estão, antes de tudo, centradas num cálculo marginal, tangente aos embates de caráter nacional, mas nem por isso ele é infenso aos limites que os eleitores e os processos de mudança política impõem aos partidos e seus líderes.
E é a variável “povo”, dentro desse processo político, que parece estar sendo negligenciada por esse cálculo que nos parece ser, em essência, eleitoral, e só político como efeito natural. O “povo” a que me refiro não é a massa eleitoral, a “poeira” que vota, muitas vezes, por favores materiais e mesmo submetendo-se aos esquemas de compra e venda de votos. O nosso “povo” é aquela maioria do eleitorado que exerce com dignidade o direito de votar, a qual é integrada por uma cidadania que, em dados limites, direta e indiretamente discute política e observa os políticos.
Na disputa ora iniciada pelo governo de Pernambuco, parece-nos que este excesso de pragmatismo pela busca e/ou manutenção do poder não leva em conta a referida variável. O jogo se precariza em incertezas porque, entre oposição e situação, faz-se a mesma e antiga aposta no cálculo cuja equação é somar eleitoralmente os divergentes e colher como resultado o poder. Mas será que a disputa pelo governo de Pernambuco não vai, em alguma medida, refletir em termos político-ideológicos a distopia de 2016 e 2017? Será que nenhuma das variáveis sociais e econômicas, gravosas e humilhantes até para uma grande parcela da classe média que apoiou a derrubada do PT, vai entrar no cálculo eleitoral, no instante em que os partidos e seus candidatos se apresentarem no guia?
De fato, quem, em Pernambuco, poderá explicar o PT subindo no mesmo palanque do PSB; o mesmo PSB que, com a faca nos dentes, no Congresso Nacional massacrou a presidenta Dilma Rousseff, sem qualquer pudor? Seria esse “pragmatismo”? Seriam os velhos mandatários petistas? O ex-presidente Lula iria limar a própria maioria militante do partido para convergir com os interesses do PSB, sob a suposta necessidade tática de “garantir” um mandato majoritário? O PT dos mandatários pode até cravar essa aliança, mas vai fazer uma campanha com a “militância caviar”. Ou seja, o partido real não vai botar seu bloco na rua.
Ao mesmo tempo, qual será o discurso eleitoral de um agrupamento onde se associam PSDB, DEM, PTB, PRB e (até agora) o PMDB, se alguns destes se antagonizam na política prática? O PSDB e o DEM farão seus discursos de oposição estadual sentados sobre as nuvens do pragmatismo, enquanto se lambuzam na agenda social e econômica mais regressiva e opressiva para as massas assalariadas e a classe média? O PTB vai, na pessoa do seu principal líder estadual, o senador Armando Monteiro, queimar seus navios às margens do Palácio do Capibaribe, arriscando-se nessa travessia com as tropas de duas legendas que desfraldaram as principais bandeiras da ruína da nação?
Não é evidente que, se houver um derrotado (e sempre há derrotados, metam-se os políticos a espertos ou não), será este, muito provavelmente, o candidato majoritário que sair desse arranjo precário, onde, a exemplo de um hipotético arranjo PT/PSB, o “povo” estará alijado pelo pragmatismo eleitoreiro? O jogo a ser jogado em Pernambuco seria ou é esse mesmo: um “vale tudo” supostamente tático no qual nenhuma das alianças (a se consumarem os movimentos observados) poderia sequer subir no mesmo palanque, quanto mais discursar em causa própria para disputar o Poder Executivo?
Se a disposição das tropas no terreno for essa até o início da batalha, teremos em Pernambuco o curioso caso de um general (Armando Monteiro) que decide guerrear com tropas cujo moral combatente é fraco (PSDB e DEM), enquanto no outro lado veremos um grande exército aguerrido (o PT) que decidiu se unir ao antigo inimigo (o PSB), a fim de garantir a sobrevida política de uns velhos oficiais inaptos e sem coragem de enfrentar seus algozes de ontem.
Roberto Numeriano apresenta-se como pós-doutor em Ciência Política
(Extraído do Blog do Jamildo)