O músico negro que se aproxima de membros da Ku Klux Klan para fazê-los repensarem seu racismo

Daryl Davis com um membro da Ku Klux KlanO músico diz que, por causa dos encontros, mais de 200 membros da Ku Klux Klan deixaram o grupo

“Como você pode me odiar se você não me conhece?” É com essa pergunta em mente que o americano Daryl Davis se encontra desde os anos 1980 com membros da Ku Klux Klan (KKK) para confrontá-los sobre suas visões racistas.

A organização surgiu no fim dos anos 1860 nos Estados Unidos após a Guerra Civil. Sua ideologia se baseia na superioridade da raça branca, tendo como alvo especialmente a população negra e minorias religiosas do país.

Há mais de três décadas, ele assumiu para si a missão de se reunir pessoalmente com integrantes da KKK e neonazistas para travar um debate sincero e sem agressões e fazê-los repensarem suas crenças na supremacia racial.

O músico de 58 anos diz que, assim, mais de 200 membros já deixaram o grupo, um trabalho agora retratado no documentário Accuracy Courtesy: Daryl Davis, Race and America (Cortesia Precisa: Daryl Davis, Raça e a América, na tradução livre), lançado em dezembro nos Estados Unidos.

“É claro que existem pessoas que vão para o túmulo sendo racistas e repletas de ódio. Mas acredito que as pessoas podem mudar”, diz Davis à BBC.

“Elas não nasceram com essas visões. Foram ensinadas – e podem ser ‘desensinadas’. Provei que isso é possível.”

O primeiro encontro

Daryl Davis mostra bandeira da Ku Klux KlanDavis tem hoje uma coleção de itens supremacistas e diz que não os joga fora porque a história deve ser preservada

Ele começou a promover esses encontros depois de uma noite de 1983, quando integrava uma banda country, o que o fez muitas vezes tocar em locais onde era “o único negro presente”.

Davis estava naquela ocasião em um bar de estrada em uma parada de caminhões. Ao descer do palco para um intervalo, um homem foi atrás dele, colocou os braços sobre seus ombros e disse: “Amei você. Foi a primeira vez que vi um negro tocar piano como (o músico branco) Jerry Lee Lewis”.

“Não fiquei ofendido, mas surpreso de ele não conhecer a origem daquele tipo de música. Expliquei as raízes negras do que Lewis tocava, o blues, boogie-woogie, o rockabilly”, afirma Davis, que acrescenta não ter convencido o homem.

O músico contou, então, que Jerry Lee Lewis era um grande amigo seu. O homem também não acreditou nisso – e muito menos que Lewis tinha “aprendido alguma coisa com negros”.

“Mas ele ficou impressionado por eu ser capaz de tocar esse estilo de música e disse que queria me pagar um drink”, afirma o músico.

Davis respondeu que não bebia, mas aceitaria sentar na mesa dele para beber um suco e conversar. Ao longo do papo, o homem comentou: “Essa é a primeira vez que sento para beber com um negro”.

“Fiquei curioso e perguntei por quê. Não tinha nenhuma pista, eu era inocente assim. Finalmente, ele revelou que era membro da KKK. A conversa não acabou ali. Na verdade, fiquei fascinado.”

O encontro levou Davis a começar um trabalho de campo para escrever sobre a organização supremacista, se aproximando de vários de seus membros e líderes. Nessas conversas, conta ele, alguns começaram a “aceitá-lo como ser humano e a respeitá-lo”.

“Você pode passar cinco minutos com seu pior inimigo e descobrir que têm ao menos uma coisa em comum. Eles começaram a perceber isso e, com o tempo, repensaram sua ideologia – e alguns até se tornaram grandes amigos meus.”

Davis afirma que, nos encontros, primeiro deixa os integrantes da KKK apresentarem seus argumentos e, diante de uma inconsistência, pede calmamente que a expliquem, sem se exaltar.

“Claro que alguns ficam bravos, mas já espero por isso. Mas também sei que as pessoas conseguem se dar bem. Precisamos disso para ter uma sociedade produtiva.”

‘À frente do meu tempo’

Daryl Davis em frente a um monumento e uma bandeira dos EUADavis defende que as pessoas não nascem racistas e que, por isso, podem mudar

O músico faz um paralelo com sua própria experiência de vida. Ele conta ter sido criado no exterior e que, por isso, estudou em escolas para alunos internacionais, onde a diversidade e o multiculturalismo eram a norma, algo “15 anos à frente do tempo” nos Estados Unidos.

“Hoje, você entra em uma sala de aula americana e se depara com uma pequena ONU, mas não era assim assim. Percebi ao estar frente a frente com um membro da KKK ou um neonazista que eles ainda não tinham passado por uma experiência assim. Eles poderiam aprender comigo”, diz.

“É nessa direção que o país caminha. Eles podem acompanhar a mudança ou ficar para trás.”

Essa experiência rendeu a ele uma grande coleção de roupões, capuzes, bandeiras e outros itens da organização. Questionado por que não se livra deles, diz que, “por mais vergonhosos que sejam, não se destrói a história do país”.

“A Klu Klux Klan é tão americana quanto o beisebol, a torta de maça e a Chevrolet”, argumenta.

A série de encontros também resultou no livro Klan-destine Relatioships: A Black Man’s Odyssey in the Ku Klux Klan (Relações Klan-destinas: A Odisséia de um Homem Negro na Klu Klux Klan), que será relançado neste ano em uma versão atualizada.

“Nunca quis converter ninguém. Em minha missão, algumas dessas pessoas acabaram convertendo a si mesmas.”

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