O ocaso de Myke Tyson: Maqueiro por 30 anos sente a perda da visão e a saudade do Maracanã

Enéas exibe o álbum de fotos que guarda suas lembranças
Enéas exibe o álbum de fotos que guarda suas lembranças Foto: Pedro Teixeira
Rafael Oliveira

Durante três décadas, os jogadores que se lesionavam no Maracanãsabiam com quem contar. Corpo musculoso, maca a tiracolo, Enéas de Andrade partia em disparada para retirá-los do campo. Sempre sorridente, caiu nas graças da torcida, ganhou o apelido de Mike Tyson e virou personagem do então Maior do Mundo. Assim como o próprio estádio, o ex-maqueiro sucumbiu com o tempo. Sem o porte físico do passado, cego há três anos e com os joelhos prejudicados pela artrose, sonha com saúde e estabilidade financeira no fim da vida. Mas, ao contrário dos atletas que socorria, não sabe a quem recorrer.

Maria Luísa auxilia o marido de 77 anos (com quem é casada há 56) nas tarefas mais banais, como desviar de objetos. Mas, após sofrer um AVC, não pode mais acompanhá-lo em sua peregrinação atrás da visão perdida. A cegueira é fruto do glaucoma que começou a se manifestar logo após o fechamento do Maracanã para as obras da Copa, em 2010. Na esperança de voltar a trabalhar no estádio, Enéas buscou tratamento no Hospital da Piedade. Sem evolução, correu para a Santa Casa da Misericórdia, no Centro, onde foi operado. Já era tarde.

— Ele sonha em voltar a enxergar. A gente não fala nada para que não perca esperança… — desabafa Maria Luísa.

A perda da visão atingiu em cheio um homem que, segundo a própria mulher, sempre foi movido à vaidade. Enéas frequentou por um ano o Instituto Benjamin Constant, na Urca, voltado ao ensino para deficientes visuais. Ao mesmo tempo, procurou por um milagre. Dia desses, ligou para uma rádio kardecista e pediu por ajuda espiritual. Noutro, foi a uma igreja evangélica.

— O pastor pôs a mão em meus olhos e fez um movimento. Perguntou se era capaz de ver. Respondi que não, mas ele anunciou aos fiéis a minha cura. Nunca mais voltei lá.

Enéas nos tempos de Maracanã
Enéas nos tempos de Maracanã Foto: Arquivo pessoal

O mesmo Maracanã que caminha para se tornar um elefante branco segue pulsante nos sonhos de Eneas. Como entre 1980 e 2010, período em que trabalhou no local. O ex-maqueiro ainda torce por uma despedida. Acredita que, se auxiliado, poderia carregar a maca uma vez mais.

— Lidava com todo mundo. Hoje, não sei nem se me conhecem mais…

Enéas não se esquece dos jogadores mais pesados, do dia em que a maca escapuliu e um atleta foi ao chão, dos colegas de profissão… Mas ninguém é tão lembrado quanto Zico. Foi do ídolo do Flamengo que o ex-maqueiro, vascaíno, mais se aproximou. Quando o rubro-negro sofreu a lesão mais grave de sua carreira (no joelho, após entrada de Márcio Nunes, do Bangu), Mike Tyson foi seu primeiro socorro. Além de trabalhar no Maracanã, ele também fez segurança em eventos na casa do Galinho.

— Era a forma de dar força a eles — conta Zico, que reflete sobre o caso de Enéas. — No futebol, você tem a falsa sensação de estar num mundo maravilhoso. Mas qual garantia tem? Não há seguro-desemprego, FGTS…

Enéas ao lado do ídolo Zico e de um colega de profissão
Enéas ao lado do ídolo Zico e de um colega de profissão Foto: Arquivo pessoal

Embora recebesse mensalmente, Enéas não tinha carteira assinada. Vive da aposentadoria do Banco Nacional, onde foi segurança. Mas a quantia é pequena, o que o levou a tentar comprovar vínculo com a Suderj e cobrar indenização de R$ 80 mil. Em 2015, a audiência foi realizada.

— O advogado falou que haveria outra audiência. Mas sempre dizia que ainda não havia sido marcada. Até que trocou de telefone — afirmou.

A reportagem descobriu que o processo foi arquivado. Na ata da audiência, consta que Enéas abriu mão da causa no próprio dia. Ele nega. O advogado Rogério Fonseca não foi localizado. O endereço de escritório cadastrado na OAB não pertence mais a ele.

A situação de Enéas lembra a do próprio Maracanã. A concessionária quer devolvê-lo. Enquanto não decide se repassa o contrato ou realiza nova licitação, o Estado adia a definição. O ex-maqueiro e o estádio não sabem o que o futuro lhes reserva.

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