O ódio quixotiano: como os brasileiros aprenderam a odiar o nada

Alguns ideólogos resolveram chamar o PT de comunista ou marxista devido à necessidade de se odiar uma ideia política, e a ideia tradicionalmente odiada na mentalidade do brasileiro é o comunismo.

Karl Marx (Foto: Wikicommus)

Os fieis eleitores do novo presidente não são contrários às ideias de Karl Marx. Eles são contrários ao que chamam de ideologia de gênero, cotas raciais, desarmamento, impunidade, corrupção etc.. Algum é contra a valorização do trabalho? Contra a garantia de um salário justo proveniente de um trabalho honesto? Contra o avanço tecnológico, acesso à saúde e a uma educação que foque na formação de trabalhadores capazes de promoverem o progresso científico, industrial e cultural? Duvido que algum deles seja a favor da riqueza adquirida sem trabalho? Da riqueza daquele que deixou famílias trabalhadoras desabrigadas em nome da ganância?

Sou obrigado a concordar com eles que o governo PT não ajudou na promoção dessas qualidades para levar uma nação ao apogeu. Mas alguns ideólogos resolveram chamar o PT de comunista ou marxista. Acho que foi devido à necessidade de se odiar uma ideia política, e a ideia tradicionalmente odiada na mentalidade do brasileiro é o comunismo.

Mas o PT não é comunista. O seguidor de Bolsonaro odeia a ideologia defendida pela direita que se constituiu na Terceira Via. Odeia as ideias defendidas pelos filmes de Hollywood e pelo o que as empresas do Vale do Silício financiam: movimentos e campanhas pela legalização da maconha, feminismo, aborto etc..

Mas foi preciso esconder tudo isso, esconder quem realmente financia essa moralidade progressista e associá-la ao comunismo. Não teria sentido o cidadão de bem ir ao cinema assistir a um filme da Marvel ou da Dc Comics feminista, antirracista (que por aqui chamamos de vitimismo) e que, além disso, saber que está contribuindo para a luta pela defesa do aborto, legalização das drogas e da “ideologia de gênero”. Contudo, é a ideologia contida nesses filmes e bancada pelas empresas que fabricam os celulares e os computadores que os eleitores de Bolsonaro consomem que eles odeiam.

Ser contra o comunismo hoje é quixotismo, é ser contra algo que já passou, está fora do tempo e do espaço, é ser contra algo que pertence a outra época. Contudo, as classes poderosas, que não poderiam convencer os que pretendiam dominar de que o que eles odeiam é a modernização, fruto das contradições geradas pelas diversas revoluções industriais, resgataram o ódio ao comunismo só para se ter uma ideia para se odiar, tocando no imaginário popular.

O cidadão não pode deixar de consumir os filmes bilionários da indústria cultural, não pode deixar de usar Facebook ou Whatsapp, por isso, não podemos associar as ideias progressistas a essas marcas, pensam os grandes manipuladores da ideologia. Contudo, mal sabe o cidadão de bem que quando faz uso de uma dessas tecnologias está dando uma parte do seu suado dinheiro para essas corporações que bancam campanhas a favor do aborto, da legalização das drogas e do casamento gay.

O comunismo nada tem que ver com essas ideias. Aliás, o comunismo não pode ser considerado uma ideia, pois se trata de um modelo econômico. Não existe uma moral comunista e não se pode identificar um comunista pelas suas ideias. Comunismo é uma realidade prática. Não existe educação comunista, filme comunista, pensamento comunista! Ninguém é comunista! O comunismo é um modo de produção.

A propaganda política do novo governo mobilizou o povo a ser antiprogressista, mas esse termo não seria reconhecido pelo imaginário político popular. Portanto, resgatou-se o comunismo. O cidadão vai ser sempre contra o comunismo, tanto que os governos anteriores não procuraram mencionar tal termo. Esse sentimento faz parte da memória política. Até os partidos que tem em sua sigla tal palavra, busca não pronunciá-la, porque sabe do efeito que ela tem na mentalidade, um campo de longa duração que facilmente pode vir para o primeiro plano das ideias políticas.

Ao criar esse ódio ao comunismo, ódio que sempre existiu, a direita progressista saiu muito prejudicada porque ela mesma ficou associada a tal ideia (que, como vimos não se trata de uma ideia). O comunismo sempre foi vítima de ódio, o marxismo, por exemplo, nos últimos anos, não era uma ideia predominante nas universidades, principalmente na área de humanas, onde novos paradigmas (ou até a ausência deles) tomaram a dianteira, como Foucault, a História Cultural, a Escola de Cambridge, o pós-modernismo etc.. Ou seja, para o marxismo nada de realmente novo aconteceu, a não ser o declínio de uma teoria que já estava sendo preterida.

Quem saiu prejudicado foram justamente estes novos paradigmas que, por sua vez, acabaram sendo taxados de marxistas. Essas novas linguagens, que ganharam terreno a partir dos anos 1990, tinham uma certa simpatia pelos historiadores que não tinham posicionamento político algum (ou que desistiram dos que tinham), a não ser a ideia da liberdade de expressão, religiosa, as ideias liberais padrões. Hoje uma mera história do futebol pode ser entendida como ideologia de esquerda.

O capitalismo da forma que ele é aplicado no mundo atualmente, em sua fase financeira, não é útil para o pequeno empreendedor que quer prosperar com sua loja de automóveis, de ferramentas ou de materiais de construção. Na atual conjuntura, é somente o grande empreendedor que sai lucrando. Por isso, sem saber, esse grupo prefere mais o marxismo (lembrando da NEP) ao capitalismo que só o faz pagar imposto sobre imposto enquanto isenta as grandes corporações.

As classes dominantes, no início, não acreditaram que esse ódio quixotiano poderia vingar, mas quando vingou aderiu-se a ideia porque sabem que nada irá prejudicá-la e essa luta contra o nada, contra o inexistente, só servirá para desviar a atenção dos seus privilégios e da origem das ideologias que o povo não é tão simpático defendida pelas empresas multimilionárias do Vale do Silício.

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