O país sem Raimundo Correia

No dia 13 de setembro de 1911, em Paris, morria Raimundo Correia. Tinha 52 anos e acabara de publicar a 3.ª edição portuguesa do livro Poesias. O Brasil perdia um de seus grandes poetas, que, na opinião de Manuel Bandeira, “é o maior artista do verso que já tivemos”. Sua vida e sua obra, o homem e o poeta, são exemplares.

raimundo correia entrevista

 

A estreia literária foi com o livro Primeiros Sonhos, em 1879. Eram versos da adolescência, influenciados pelo romantismo, que, a rigor, desde a morte de Castro Alves, já entrara em franco declínio. Quase todos os grandes poetas românticos haviam morrido. Ele os admirava, espelhava-se neles, pois também começaram a produzir ainda muito jovens. O livro contém 45 poemas, escritos quando tinha entre 16 e 19 anos. Antes, já escrevera outros que nunca chegaram a ser publicados.

Muitos anos depois, em entrevista a João do Rio, lembrou dessas tentativas poéticas, confessando que para ele “o fazer versos não passava então de uma brincadeira, de um meio cômodo e inofensivo de gracejar com os camaradas da mesma idade.” Assim nasceram os primeiros poemas. Raimundo nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do vapor São Luís, em águas do município de Cururupu, no Maranhão. Seu nome completo: Raimundo de São Luís da Mota de Azevedo Correia Sobrinho. Mais tarde, o poeta suprimirá o São Luís, que lembrava o nascimento no navio, e também o Sobrinho, uma homenagem a um tio paterno. Seus pais foram o juiz José da Mota de Azevedo Correia, advogado formado na Universidade de Coimbra, e Maria Clara Vieira da Silva, ambos maranhenses. O casal teve dez filhos; Raimundo foi o terceiro. É pouco conhecida a primeira infância do nosso poeta, o “Mundico”. Sabe-se apenas que não era uma criança saudável: franzina, sempre quieta e um pouco alheia às brincadeiras infantis. O pai, de formação católica, educava os filhos de maneira severa. Em 1871, a mãe faleceu.

De todos os filhos, ele talvez tenha sido o que mais sofreu, e, por sua natureza débil, o que sempre merecera da mãe os maiores cuidados. O estudante – No início do ano seguinte, a família estava em Cabo Frio: o pai fora nomeado juiz de direito da comarca. Raimundo, matriculado no segundo ano do externato do Colégio Pedro II, ficou residindo na capital. Seis meses após a morte da mãe, ainda traumatizado, sofreu um novo golpe: José da Mota casou-se com Matilde Xavier de Sousa, amiga de sua primeira esposa. Ele não aprovou o casamento, decepcionando-se com a atitude do pai. Não gostava da madrasta, mas se deu muito bem com os três irmãos que nasceram dessa nova união. Na companhia de outros estudantes, morou em diversas pensões. Nelas ficou conhecido por sua seriedade e pela ordem que impunha; econômico, vivia da curta mesada que o pai lhe mandava. Logo teve início a longa amizade com Silva Jardim, seu colega de pensão, no colégio e mais tarde na faculdade. Em março de 1878, os dois jovens já estavam em São Paulo com o objetivo de ingressar na Faculdade de Direito. Foram morar juntos em modesto cômodo de uma velha pensão. A cidade onde residiriam pelos próximos 5 anos contava com cerca de 30.000 habitantes e já iniciara um processo de industrialização e modernização; havia dois teatros e um bom número de cafés, restaurantes, cervejarias, onde a mocidade se reunia para noitadas alegres.

Ávido leitor, sendo os livros e a poesia os divertimentos favoritos, levava consigo um caderno cheio de poemas escritos nos últimos anos. A maioria composta de um modo original: ia fazendo os versos sem escrevê-los, guardando-os na memória; mais tarde, o poema acabado, passava-o para o papel. Tinha tanta facilidade para versejar que muitas vezes escrevia as cartas em versos. Os registros daquela época dão conta de que Raimundo Correia era calado, retraído, sorria muito pouco; nervosíssimo, irrequieto quando os companheiros conversavam, mas às vezes tomava a palavra e falava muito; tinha medo de tempestades, de doenças, detestava pegar em dinheiro. Supersticioso, principalmente em relação ao número 13, dia em que nasceu. Num dia 13 veio a falecer. Era um homem de estatura mediana, rosto moreno-claro, pálido, de maçãs salientes, cabelos e bigodes pretos; olhos pretos, pequenos e vivíssimos. Vestia-se de maneira modesta. Era muito magro e seu único vício: o do cigarro.

O médico Oswaldo Cruz, que ocupou a vaga de Raimundo na Academia Brasileira de Letras, informou no discurso de posse que o poeta, em certa ocasião, já doente, proibido pelos médicos de fumar, relutou: “Se deixo de fumar, deixo de cantar e não cantando sei que mais rápido morrerei”. E fumou pela vida toda. Muito prestativo, gostava de preservar as amizades e tinha grande senso de humor. Não possuía inimigos; era querido com respeito por todos os colegas e já conhecido como exímio produtor de versos. Sempre fazendo economia, conseguiu juntar algum dinheiro para a impressão do seu primeiro livro, o sonho de todo poeta. Em meados de 1879, saía Primeiros Sonhos, com sugestiva dedicatória: “À memória saudosíssima de minha mãe / A meu pai.” Obteve razoável aceitação no meio acadêmico. Nele predomina o tema da paixão, os sonhos das donzelas, as virtudes femininas, a pureza e a castidade. O tom geral do volume é lacrimoso, a melancolia atravessa vários textos. É visível o tributo que Raimundo Correia pagou à dicção dos poetas românticos, principalmente a Casimiro de Abreu. Mas os primeiros lampejos de uma expressão individualizada estão em vários poemas e o germe do parnasianismo se faz presente, como no soneto “A Ideia Nova”, o mais representativo da nova escola. O título já traduz o movimento que estava em curso, visando, entre outras coisas, a renovar a poesia, isto é, combater o romantismo. O apoio dos acadêmicos era quase total. Em paralelo, pregavam o anticlericalismo e cuidavam da revolução política, lutando pelos ideais republicanos, abolicionistas e positivistas. Raimundo rapidamente aderiu às novas ideias, adaptando-se ao espírito do tempo. Em 1880, já no 3.º ano da faculdade, frequentava os cafés e cervejarias da moda, mas não tão amiúde; não se metia em farras, mas também não rejeitava uma boa companhia. Algumas vezes acompanhava os colegas pela madrugada, conversando e dizendo poemas que eventualmente eram publicados em jornais e revistas criados por eles mesmos. Nos três anos anteriores, mais de uma dezena de periódicos foram lançados e pouco duravam. Raimundo fundou com três colegas a Revista Ciências e Letras, mais um órgão literário da Faculdade de Direito feito com grande entusiasmo e com vida curta. A sua colaboração foi, como em outras oportunidades, basicamente com poemas. No ano seguinte, colaborou n’A Comédia, onde publicou grande número de poemas humorísticos, e depois n’O Entr’Ato, com o pseudônimo Peff. Logo surgiu O Boêmio, sob direção do grande amigo Valentim Magalhães. Neste, além de colaborar com poemas, também ficou encarregado da seção de charadas, divertimento muito apreciado à época e que era uma de suas maiores distrações. Exímio criador de charadas tanto em prosa como em versos, publicou-as em jornais, revistas e almanaques. Um exemplo (observem que é uma quadra, em redondilha maior, rimada):

Deus não deixou de fazer – 1 Aquele rio famoso,

– 2 Pra regozijo, prazer, Desfrute, alegria e gozo. (decifração: Festejo)

Durante todo o curso, o autor de Primeiros Sonhos pouco estudava, mas às vésperas das muito pouco; nervosíssimo, irrequieto quando os companheiros conversavam, mas às vezes tomava a palavra e falava muito; tinha medo de tempestades, de doenças, detestava pegar em dinheiro. Supersticioso, principalmente em relação ao número 13, dia em que nasceu. Num dia 13 veio a falecer.

Era um homem de estatura mediana, rosto moreno-claro, pálido, de maçãs salientes, cabelos e bigodes pretos; olhos pretos, pequenos e vivíssimos. Vestia-se de maneira modesta. Era muito magro e seu único vício: o do cigarro. O médico Oswaldo Cruz, que ocupou a vaga de Raimundo na Academia Brasileira de Letras, informou no discurso de posse que o poeta, em certa ocasião, já doente, proibido pelos médicos de fumar, relutou: “Se deixo de fumar, deixo de cantar e não cantando sei que mais rápido morrerei”. E fumou pela vida toda.

Muito prestativo, gostava de preservar as amizades e tinha grande senso de humor. Não possuía inimigos; era querido com respeito por todos os colegas e já conhecido como exímio produtor de versos. Sempre fazendo economia, conseguiu juntar algum dinheiro para a impressão do seu primeiro livro, o sonho de todo poeta. Em meados de 1879, saía Primeiros Sonhos, com sugestiva dedicatória: “À memória saudosíssima de minha mãe / A meu pai.” Obteve razoável aceitação no meio acadêmico. Nele predomina o tema da paixão, os sonhos das donzelas, as virtudes femininas, a pureza e a castidade. O tom geral do volume é lacrimoso, a melancolia atravessa vários textos.

 

É visível o tributo que Raimundo Correia pagou à dicção dos poetas românticos, principalmente a Casimiro de Abreu. Mas os primeiros lampejos de uma expressão individualizada estão em vários poemas e o germe do parnasianismo se faz presente, como no soneto “A Ideia Nova”, o mais representativo da nova escola. O título já traduz o movimento que estava em curso, visando, entre outras coisas, a renovar a poesia, isto é, combater o romantismo. O apoio dos acadêmicos era quase total. Em paralelo, pregavam o anticlericalismo e cuidavam da revolução política, lutando pelos ideais republicanos, abolicionistas e positivistas. Raimundo rapidamente aderiu às novas ideias, adaptando-se ao espírito do tempo.

 

Em 1880, já no 3.º ano da faculdade, frequentava os cafés e cervejarias da moda, mas não tão amiúde; não se metia em farras, mas também não rejeitava uma boa companhia. Algumas vezes acompanhava os colegas pela madrugada, conversando e dizendo poemas que eventualmente eram publicados em jornais e revistas criados por eles mesmos. Nos três anos anteriores, mais de uma dezena de periódicos foram lançados e pouco duravam. Raimundo fundou com três colegas a Revista Ciências e Letras, mais um órgão literário da Faculdade de Direito feito com grande entusiasmo e com vida curta. A sua colaboração foi, como em outras oportunidades, basicamente com poemas.

 

No ano seguinte, colaborou n’A Comédia, onde publicou grande número de poemas humorísticos, e depois n’O Entr’Ato, com o pseudônimo Peff. Logo surgiu O Boêmio, sob direção do grande amigo Valentim Magalhães. Neste, além de colaborar com poemas, também ficou encarregado da seção de charadas, divertimento muito apreciado à época e que era uma de suas maiores distrações. Exímio criador de charadas tanto em prosa como em versos, publicou-as em jornais, revistas e almanaques. Um exemplo (observem que é uma quadra, em redondilha maior, rimada):

 

Deus não deixou de fazer – 1 Aquele rio famoso, – 2 Pra regozijo, prazer, Desfrute, alegria e gozo. (decifração: Festejo)

Durante todo o curso, o autor de Primeiros Sonhos pouco estudava, mas às vésperas das provas valia-se da memória prodigiosa. Passava as noites decorando textos de leis, citações em outras línguas, opiniões dos autores, de modo que na hora do exame deixava os professores impressionados com seus conhecimentos. Em 1882, o último ano, não foi diferente. Em fins de dezembro, o bacharel e poeta se despedia de São Paulo com destino ao Rio de Janeiro. Deixava a cidade como a ela chegara: pobre, mas com um diploma e um novo livro pronto para ser publicado.

Em janeiro de 1883, lançou Sinfonias, o de maior êxito de crítica e de público, tanto no Brasil como em Portugal. Trazia um elogioso prefácio de Machado de Assis, já então um crítico consagrado. O Cônego Francisco Maria Bueno de Sequeira, seu primeiro biógrafo, relata que até o Imperador, que também era poeta, quis conhecê-lo. Na ocasião, disse para Raimundo: “Já li o seu livro. Muito bem… Os seus versos são admiráveis”.

A coletânea foi dividida em duas partes. A primeira acolhia poesias líricas, feitas em São Paulo, nas quais a influência de poetas estrangeiros admirados por Raimundo se fazia presente. Ali se encontram os textos que lhe garantiram a popularidade: “As Pombas”, “Mal Secreto”, “O Anoitecer”, entre outros. A segunda parte reúne os temas pertinentes às “novas ideias”, suas poesias de luta, inclusive contra a Igreja e a escravidão.

É relevante o processo de repetição de palavras, muitas vezes versos inteiros. Mas isso não era um defeito, antes um efeito estético; a frequência com que fez uso desse recurso caracterizou seu estilo. As rimas de vogais abertas com vogais fechadas, consideradas “incorretas” por analistas mais rigorosos, comparecem em numerosos versos – aliás, um procedimento comum entre os parnasianos. Em Sinfonias, não faltaram o senso de humor e as notas alegres, que quase não aparecem no livro anterior, e também o aspecto sensual, em versos de um erotismo suave e contido. Chama atenção a variedade de assuntos abordados ao longo do volume: a amizade, o ódio, o amor, o ciúme, a hipocrisia, o tédio, a crueldade… Tudo o que aflige o ser humano ou, nos versos do próprio Raimundo, “tudo o que punge, tudo o que devora / o coração”. O poetafilósofo, como foi nomeado por alguns críticos, está inteiro no soneto “Mal Secreto”:

Se a cólera que espuma, a dor que mora

N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,

Tudo o que punge, tudo o que devora

O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,

Ver através da máscara da face,

Quanta gente, talvez, que inveja agora

Nos causa, então piedade nos causasse!

 

Quanta gente que ri, talvez, consigo

Guarda um atroz, recôndito inimigo,

Como invisível chaga cancerosa!

 

Quanta gente que ri, talvez existe,

Cuja ventura única consiste

Em parecer aos outros venturosa!

 

 

O magistrado – No final de junho de 1883, Raimundo encontrava-se em São João da Barra, no Rio de Janeiro. Fora nomeado para seu primeiro emprego: promotor público daquela comarca. Seguiria carreira semelhante a do pai. A vida na cidade litorânea era calma. Trabalhava, escrevia poemas e de vez em quando visitava a Capital. Após um ano e meio foi nomeado juiz municipal e de órfãos de Vassouras, na mesma província. Nessa ocasião, já estava noivo de Mariana de Abreu Sodré e resolveu se casar. Ele a conhecera na Corte, onde ela costumava passar temporadas acompanhada de familiares. A jovem descendia de Salvador Correia de Sá, era prima de Álvares de Azevedo e de Oswaldo Cruz. O casamento realizou-se em dezembro de 1884.

 

No mês seguinte, Raimundo foi a Vassouras, prestou juramento, mas não assumiu o cargo, licenciando-se para tratamento de saúde. O organismo, já de constituição frágil, estava debilitado por uma febre biliosa grave. Somente em abril, transferiu-se com a esposa e tomou posse. A cidade o recepcionou com muita reverência. O ambiente era favorável às atividades literárias. Conheceu diversos escritores e jornalistas, fez novos amigos, entre eles Lucindo Filho – poeta, prosador, humanista e músico –, proprietário e diretor d’O Vassourense, o mais importante jornal da cidade, do qual se tornou colaborador. Após sua morte, Raimundo publicou o único volume em prosa: um elogioso estudo biográfico e crítico intitulado Lucindo Filho, editado em Lisboa. No mesmo jornal, colaboraram, entre outros, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, que com Raimundo formaram a famosa “Trindade Parnasiana”.

 

No período que viveu em Vassouras, o casal teve três filhos: primeiro, Lavínia; depois, a grande tristeza, a morte, logo após o nascimento, do tão aguardado filho varão; e no último ano em que lá estiveram, chegou Stela. Lavínia foi mãe do diplomata Sérgio Corrêa da Costa, que também pertenceu à Academia Brasileira de Letras.

 

Raimundo Correia dividia seu tempo entre as atividades sociais e as atenções à dedicada esposa, D. Zinha – como era chamada na intimidade –, os trabalhos do foro, as colaborações para os diversos jornais da cidade e de outras localidades, e também a criação de poemas. Em seu terceiro livro, Versos e Versões, incluiu numerosas “versões” de poetas como Théophile Gautier, Jean Richepin, Victor Hugo e Lope de Vega, entre outros. Lançou-o no Rio, em 1887. Com ele Raimundo passava a figurar entre os melhores parnasianos, se não o melhor. A temática e as características da poesia continuavam as mesmas de Sinfonias, mas o novo conjunto lhe era superior; a técnica mais apurada no uso das repetições, da onomatopeia, da paronomásia e de belas imagens.

 

Apesar das boas lembranças, foi no período vivido em Vassouras que Raimundo Correia teve o maior desgosto de sua vida literária: na cidade do Rio de Janeiro, sofre a acusação de plágio feita pelo hoje esquecido poeta Luís Murat.

 

Homem sensível e de reconhecida retidão de caráter, incapaz de colocar, intencionalmente, a sua autoria em algo que não lhe pertencesse, viveu dias de grande amargura. Mas, à sua revelia, que já havia dito que não gostaria de tocar no assunto, formaram-se duas correntes que se digladiavam pelos jornais: os poucos que concordavam com Murat, e os defensores de Raimundo, em maior número. A pendenga continuou por algum tempo até cair no esquecimento.

Há muito, temos convicção que as artes, entre elas a poesia, são feitas de contaminações; os temas e as influências de outros artistas funcionam como fontes inspiradoras. Assim, um criador, do porte e do conhecimento do autor de Versos e Versões, sabe que, muitas vezes, são tênues as fronteiras entre uma obra original e o plágio, e sabe também como respeitá-las. Raimundo Correia sabia.

 

Novos caminhos – Em junho de 1889, foi nomeado secretário da presidência da província do Rio de Janeiro. O ambiente político estava agitado. A abolição da escravatura tinha-se dado recentemente e as ideias republicanas se alastravam. Em 15 de novembro, com a queda da Monarquia, a política mudou e Raimundo foi preso. Sendo, porém, notórias as suas convicções republicanas, foi solto e logo nomeado juiz de direito da comarca de São Gonçalo do Sapucaí, em Minas Gerais.

Nova residência, uma nova cidade, novas amizades. Raimundo rapidamente se integrou à vida da comunidade. Além do trabalho como juiz, dedicou-se a outras causas. Foi um batalhador pela melhoria da higiene e do saneamento rural, indo pessoalmente fazer o trabalho de campo, isto é, visitava as habitações mais humildes, dando conselhos e encaminhando providências. Também colaborou na reorganização do Gabinete de Leitura da cidade, incentivando os leitores, conseguindo reaver volumes emprestados e já considerados perdidos; uma sala de sua própria casa chegou a ser utilizada como sala de leitura da Biblioteca. Waldir Ribeiro do Val, em Vida e Obra de Raimundo Correia, desce a detalhes curiosos. Revela que o poeta gostava de se reunir com alguns amigos para um jogo de bisca, e “em sua própria casa fabricava, para si e para esses amigos, uma cerveja, a que dava o nome de Cata Funda, nome da fonte de onde tirava a água para a fabricação.”

Novamente com problema de saúde ‒ dessa vez uma doença nos olhos ‒ , o poeta veio, em agosto de 1891, para o Rio de Janeiro, onde ficou três meses em tratamento, e aproveitou para lançar o quarto livro: Aleluias. O volume não traz novidade em relação ao anterior, ambos em alto nível de qualidade. O processo de construção dos poemas continuou o mesmo: onomatopeias, aliterações, rimas seguindo esquemas anteriores.

No ano seguinte, foi nomeado Diretor da Secretaria de Finanças do Estado de Minas Gerais, com sede em Ouro Preto, então capital do Estado. Deixou São Gonçalo com boas lembranças, a saudade dos amigos e levando nos braços a recém nascida Alexandrina. Em dezembro, foi convidado para fazer parte do corpo docente da recém instalada Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto. Assumiu o cargo de lente substituto de diversas matérias e, mais tarde, foi eleito catedrático de Direito Criminal. Ainda na administração pública, ocupou o cargo de Diretor da Secretaria do Interior.

Mas Raimundo não se deu bem com o clima úmido e frio da capital mineira. A neurastenia e o nervosismo aumentaram, às vezes, impedindo-o de produzir. No início de 1895, morreu seu pai; mais um golpe para a frágil saúde do poeta. Logo depois, uma grande alegria, tornou-se pai novamente: nasceu Leão, um menino. Porém, após cinco meses, a criança veio a falecer; Raimundo ficou deprimido. E mais um golpe na sua saúde: contraiu o beribéri. Doente do corpo e da alma resolveu deixar definitivamente Ouro Preto. Voltou para o Rio de Janeiro em busca de tratamento e permaneceu na capital do país até seguir para a Europa, iniciando uma curta carreira diplomática.

Em 1897, após eleição para a Academia Brasileira de Letras, como membro fundador, segue para Lisboa: fora nomeado segundo-secretário da Legação Brasileira, em Portugal.

Ao chegar, procurou ajuda médica, pois a neurastenia e o beribéri fizeram grandes estragos no seu organismo. Como era do seu feitio, também de imediato começou a trabalhar.

Em dezembro, o cargo que ocupava foi suprimido por lei e ele, em consequência, exonerado. Decidiu permanecer na Europa até meados do ano seguinte, pois não havia terminado o tratamento de saúde. O clima ali lhe foi propício; livre do beribéri sentia-se muito melhor. Fez novas amizades e trouxe uma coleção de passagens curiosas ou engraçadas que relataria aos amigos no Brasil. Uma delas: como era do conhecimento de todos, as apresentações afligiam-no sempre, as familiaridades repentinas o incomodavam sobremaneira; sendo apresentado a um literato terrível, aturou-lhe uma enxurrada de elogios que o deixavam desesperado em sua timidez e não permitiam que se afastasse do inconveniente interlocutor. Como se não bastasse, eis que o homem remata as suas homenagens com esta suprema afirmação: “Eu sei até de cor um dos seus sonetos…” E recita-lhe inteiro e com toda pompa o poema “Ora (direis) ouvir estrelas!”, de Olavo Bilac.

Em Lisboa, foi publicada sua quinta coletânea: Poesias, em 1898. Compreendia um total de cem trabalhos, revisados e retocados criteriosamente, quase todos pertencentes aos livros anteriores, com exceção de Primeiros Sonhos. O livro teve mais duas edições em Portugal, novamente revistas e aumentadas pelo autor.

Na volta ao Rio de Janeiro, viveu dos parcos vencimentos de juiz em disponibilidade até o início do ano seguinte, quando foi nomeado vice-diretor do Ginásio Fluminense, em Petrópolis, capital do estado desde 1890. Ali, além de fazer parte da diretoria, acumulava a função de professor de História. Em 4 de agosto de 1902, a capital voltou a ser Niterói, o que motivou seu retorno.

A volta à magistratura – No ano seguinte, foi nomeado juiz da 2.a Pretoria do Distrito Federal, em caráter vitalício. Voltava à magistratura, após afastamento de mais de 11 anos, e ao convívio com os velhos amigos. Alguns já haviam morrido: Silva Jardim fora tragado pelo vulcão Vesúvio; Raul Pompéia se matara com um tiro, depois de sofrer ataques à sua honra, que lhe desferira Luís Murat ‒ o mesmo que impingira a acusação de plagiário a Raimundo; Valentim Magalhães falecera recentemente.

Em sequência foi juiz de direito da 2.a e da 5.ª Vara Criminal e desta, em 1908, para a 3.ª Vara Cível. Neste cargo o poeta permanecerá até o fim da vida. Juiz reconhecido por todos pela honestidade de propósitos realizava seu trabalho com verdadeira devoção e justiça; com tolerância e muito amor.

Os seus últimos anos de vida foram de bastante sofrimento. Os ataques de uremia eram frequentes. Desiludido da vida, pessimista e melancólico, muito magro e pálido, embarca em maio de 1911 para a Europa, em busca de tratamento. Vai em companhia de D. Zinha e das três filhas.

Dr. Bensaúde, o médico de nome curioso que o atendeu, não deu esperanças à família. Diagnóstico duro, mas realista. Um homem bom que chegava ao fim da existência; um puro de coração com uma infinita piedade pela espécie humana. Múcio Leão chegou a dizer que não estava longe de aparentá-lo com São Francisco de Assis ou com Santo Antônio. Aluísio Azevedo e Afrânio Peixoto o chamavam de São Raimundo.

Em 13 de setembro, num ataque mais forte de uremia, falecia Raimundo Correia. Seu corpo foi enterrado no Cemitério Parisiense de Saint-Ouen. Em 1920, a Academia Brasileira de Letras fez o translado dos restos mortais para o Brasil, sepultados no Cemitério de São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro.

Muitas cidades, por todo o país, prestaram homenagens ao grande brasileiro, dando o nome do poeta a instituições oficiais e vias públicas. A Prefeitura do Distrito Federal, em 1917, deu seu nome a uma rua do bairro de Copacabana, e, em 1944, inaugurou no Passeio Público, no centro da cidade, o busto de Raimundo Correia. No bairro de Campo Grande, na Zona Oeste, funciona a Escola Municipal Raimundo Corrêa.

Bueno de Sequeira, em 1925, mas como se fosse hoje, escreveu:

 

“[…] Oxalá possuísse nossa pátria muitos homens desta craveira, homens que dignifiquem, homens que a exaltem, homens que, com o pensamento ilustrado e o caráter incorrupto, a tornem invejável, e que, com a vida honesta, a tornem amável; homens, enfim, que a não amem só com a boca, mas de coração, mas de fato […]”

Para encerrarmos, eis o poema “As Pombas”.

Vai-se a primeira pomba despertada…

Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas

De pombas vão-se dos pombais, apenas

Raia sanguínea e fresca a madrugada…

E à tarde, quando a rígida nortada

Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,

Ruflando as asas, sacudindo as penas,

Voltam todas em bando e em revoada…

 

Também dos corações onde abotoam,

Os sonhos, um por um, céleres voam,

Como voam as pombas dos pombais;

 

No azul da adolescência as asas soltam,

Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,

raimundo correria1

Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na agonia
O sol… Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e púrpura raiados,
Fogem… Fecha-se a pálpebra do dia…

Delineiam-se além da serrania
Os vértices de chamas aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia.

Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nódoa avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua.

A natureza apática esmaece…
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula… Anoitece.

 

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