Pouco antes de tirar a própria vida, Nidhal Gharibi postou uma mensagem no Facebook: “São quatro da tarde de 27 de março de 2018. Eu os deixo com a idade de 32 anos, 4 meses e 2 semanas… Eu amo todos vocês”.
Gharibi era um poeta tunisiano. Ele enfrentava dificuldades para conseguir um emprego e havia voltado a viver com os pais. Mas, o pior é que Gharibi havia perdido as esperanças.
É difícil saber as razões concretas que levam alguém ao suicídio. A maioria dos especialistas concorda que, geralmente, há mais de um fator. Os amigos de Gharibi dizem que sua depressão foi exacerbada pela situação política e econômica da Tunísia, o país em que a Primavera Árabe começou.
Uma pesquisa da BBC News Arabic no Oriente Médio e no Norte da África indica que 4 de cada dez tunisianos estão deprimidos. Das pessoas entrevistadas em dez países, apenas as do Iraque e dos territórios Palestinos disseram se sentir mais deprimidos que os tunisianos.
Os números da pesquisa não se referem a casos de depressão comprovados clinicamente, mas sim de pessoas que dizem se sentir deprimidas. Mas a pergunta que foi feita aos entrevistados trata de um desespero duradouro, não apenas de uma sensação passageira.
“A vida, às vezes, é exaustiva. Nos últimos seis meses, com que frequência você se sentiu tão deprimido que nada era capaz de fazer você se sentir melhor?”, foi a pergunta. Aqueles que responderam “frequentemente” ou “na maior parte do tempo” foram classificados como “deprimidos” pelo instituto Arab Barometer, responsável pela pesquisa.
Não se fala muito sobre bem-estar mental no mundo árabe, uma região frequentemente analisada sob o ângulo geopolítico: o conflito Israel-Palestina, o petróleo, a religião, o terrorismo e a guerra. Raramente, fala-se do indivíduo e como ele enxerga seu lugar no mundo.
Mas foi a colisão das esferas política e pessoal que deram início à Primavera Árabe, justamente, com um suicídio na Tunísia, em 2011.
O efeito Bouazizi
Mohamed Bouazizi, um vendedor de frutas, ateou fogo ao próprio corpo após um confronto com autoridades que confiscaram a sua carrocinha. Ele morreu em janeiro de 2011, dando início a protestos pela Tunísia e diversos outros países do mundo árabe.
Desde então, o número de suicídios – muitos deles com fogo – aumentaram na Tunísia.
“Bouazizi ateou fogo a si mesmo e, depois desse caso, muitas pessoas o copiaram”, afirma o psicólogo clínico Aymen Daboussi. “Isso significa que tirar a própria vida em protesto se tornou algo integrado coletivamente nas mentes das pessoas”.
O número de suicídios consumados ou tentados alcançaram o pico de 857 em 2016, de acordo com Najla Arfa, do Fórum pela Economia e pelos Direitos Sociais da Tunísia.
“Após a revolução, os problemas entre os jovens aumentaram. Quando (a revolução) começou, ficamos felizes, pensávamos que o mundo iria mudar”, diz ela. Porém, essa expectativa positiva desapareceu.
“Entre 2013 e 2014, os jovens começaram a entender o que estava acontecendo, quando políticos antigos voltaram ao poder”, explica Najla Arfa. “Eles não sabem mais onde se posicionam na sociedade e na economia. Eles se sentem sem espaço.”
Gharibi estava preocupado com a situação em seu país e tentou ajudar pessoas mais jovens na sua cidade natal, segundo a ex-namorada Olfa. Sua frustração era evidente no Facebook. “A vida é mais do que apenas sobreviver”, comentou Gharibi em um post.
“Ele era único, uma pessoa rara. Alguns podem achar que 32 anos é ainda muito jovem”, diz Olfa. “Mas acho que ele veio de um tempo diferente”.
Na poesia de Gharibi, há uma mistura de afastamento e rebeldia. “Sou livre e vivo dentro de você e sem você”, escreveu. “Mesmo se a paixão do seu amor me matar, mesmo na morte ainda apreciaria você. Sou livre e vivo dentro de você e sem você. Enquanto o meu nome flertar com as lágrimas nos seus olhos”.
O estigma dos problemas de saúde mental
Mais de 25 mil pessoas foram entrevistadas pelo Arab Barometer para a pesquisa da BBC News Arabic. De um modo geral, um terço dos entrevistados na região disse estar deprimido.
Parece muito. Mas chega a ser maior que em outras partes do mundo? É difícil de dizer. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que o Mediterrâneo Oriental – uma região muito próxima do mundo árabe, onde foi feita a pesquisa – tem a menor taxa de depressão do mundo e poucos suicídios.
Na Holanda, uma a cada três pessoas irá enfrentar depressão ou ansiedade em algum momento da vida, de acordo com um estudo nacional conhecido como NESDA. Já a pesquisa da BBC News Arabic lida com outra dimensão de tempo: a saúde mental dos últimos seis meses.
“A pesquisa mostra que uma grande parte da população do Oriente Médio enfrenta altos níveis de sofrimento”, diz Swaran Sing, diretor de saúde mental e bem-estar da Universidade de Warwick. “Em geral, são números maiores do que as médias ocidentais”.
Por que guerra e depressão não são a mesma coisa
Cerca de metade (43%) das pessoas entrevistadas no Iraque dizem que estão deprimidas. Já no Sudão, são 15%.
Por que o Sudão – que, durante a pesquisa vivia sob um regime político brutal – tem níveis de depressão tão inferiores aos iraquianos? E por que o Iêmen, que está em guerra há quatro anos, é menos deprimido do que Jordânia e Tunísia, que são países relativamente mais estáveis?
Guerra e colapso econômico não causam, necessariamente, depressão. É o que diz Rasjid Skinner, palestrante no Cambridge Muslim College, na Inglaterra, e professor visitante na Universidade Internacional Islâmica de Islamabad, no Paquistão.
Na verdade, explica Skinner, a existência de um conflito pode reduzir a sensação de alienação, ao dar às pessoas o sentimento de terem um propósito compartilhado. Na Irlanda do Norte, por exemplo, as taxas de suicídio eram menores nas épocas de conflito do que após os acordos que visaram acabar com as hostilidades.
“O que gera bem estar é a sensação de pertencimento”, fala Skinner. E o Sudão é uma das sociedades mais tribais do mundo árabe, gerando fortes laços sociais, continua o especialista.
“Já o que gera sentimentos ruins é não se sentir conectado, de uma forma que não vê saída para as dificuldades. É aí que a pessoa entra em desespero”. No Sudão, também existe uma tradição de estudar psicologia, o que pode ter produzido mais conhecimento a respeito de temas ligados à saúde mental, opina Skinner.
Na Tunísia, a esperança desapareceu. E, no Iraque, a remoção de Saddam Hussein, apesar de ter gerado uma euforia inicial, parece ter aberto uma caixa de Pandora de instabilidade e violência sectária.
“As pessoas podem aguentar as circunstâncias desde que exista esperança. Quando você não consegue enxergar esperança, você fica desesperado e esse desespero leva ao suicídio”, fala Skinner.
Já faz mais de um ano que o poeta Gharibi tirou a própria vida. Para os seus amigos, foi preciso tempo para entender o que se passou.
“Eu não posso dizer que aceitei, mas entendi o que aconteceu”, diz Olfa. “Felizmente, ele não morreu como muitas pessoas, porque ele deixou muito. As ideias não morrem, elas continuam aqui. Ele era incrível, verdadeiramente incrível”.