O ‘superalimento’ comido no México desde os astecas — e que no Brasil virou ração
Quando Rita García se levanta, o céu, pontilhado de estrelas, parece pintado com tinta preta.
Silenciosamente, ela pega uma pequena lanterna que estava na mesa de cabeceira, calça os sapatos e sai para o ar quente do deserto.
Entra em uma cozinha improvisada que estava coberta.
Lá dentro, se senta em uma cadeira de plástico, mete a mão num balde grande e pega cuidadosamente o primeiro nopal – um tipo de cacto em forma de raquete – no lugar certo para evitar se machucar com os espinhos.
Usando um pequeno canivete, ela habilmente faz movimentos rápidos e torce levemente o nopal para cortar os espinhos perfeitamente.
Ao terminar, García joga o cacto em um saco e continua com os próximos. São apenas 3h da manhã e faltam mais três horas para o caminhão chegar à fazenda de sua família para buscar sua preciosa carga: 11 sacas no total.
Seu destino: o mercado.
Tal como seus antepassados, García continua uma longa tradição de colheita de nopales, um dos alimentos básicos mais apreciados do México.
No Brasil, onde é conhecida como palma forrageira, a espécie se tornou bastante popular no Semiárido, sendo usada principalmente como ração para animais.
Identidade nacional
O que García fez em cinco segundos, levou cinco minutos para mim, a convidada inexperiente, e ainda assim não fiz direito. Até García riu quando lhe mostrei meu cacto cortado.
Apesar da aparência, serviu como parte da salada de cactos que preparamos para o almoço na fazenda de sua família, El Barranco, localizada cerca de 48 km ao norte de Cabo San Lucas, na península mexicana da Baixa Califórnia.
Conhecidos como um dos ingredientes mais tradicionais da culinária mexicana, os nopales estão de volta.
Este alimento nutritivo pode ser encontrado em quase todos os lugares, desde casas, taquerias, restaurantes e aulas de culinária no México, até se infiltrar na culinária do sudoeste americano.
“O cacto nopal vem de uma palavra náuatle [língua indígena da civilização asteca], ‘nohpalli’, que remonta aos tempos pré-colombianos”, diz Danny Pérez, nosso guia da Dharma Expedições, uma empresa de turismo com sede em Los Cabos que conecta viajantes a fazendeiros e à comunidade local para uma aula de culinária tradicional.
“Este cacto está profundamente enraizado na nossa cultura e identidade nacional”, observa Danny, enquanto visitamos a fazenda da família García.
“Pode ser encontrado em nossa bandeira, na arte e até na mitologia antiga baseada na fundação de Tenochtitlán, a antiga capital asteca e atual Cidade do México. É muito simbólico para o povo mexicano.”
Passando por cabras, arbustos nativos do deserto e um pequeno jardim familiar, é fácil ver por que os cactos se tornaram tão arraigados na vida mexicana.
Crescem em todos os lugares, reproduzem-se facilmente e florescem mesmo em climas adversos como o da península da Baixa Califórnia.
Num local onde chove muito pouco, os cactos não só sobrevivem, como prosperam, tal como García e seus antepassados, que viveram e trabalharam nesta terra árida e inóspita durante séculos.
Vitaminas
Enquanto García nos mostra como selecionar nopales perfeitamente maduros – aqueles que são jovens e vibrantes, de cor verde brilhante – ela nos diz que eles geralmente são mais macios e suculentos na primavera, mas podem ser colhidos durante todo o ano.
Com seu sabor muito particular e capacidade de fazer parte de quase todas as refeições, os nopales têm sido um importante alimento básico mexicano durante séculos.
São extremamente saudáveis, nutritivos e versáteis. Repletos de vitaminas, minerais e fibras alimentares, cada raquete de nopal pode encher um estômago faminto por horas, explica García.
É por isso que eles são um pilar alimentar em quase todos os lares mexicanos.
“Você pode fazer tudo com esse cacto”, diz García enquanto nos ajuda a preparar a comida.
“Pode cozinhar, grelhar, comer cru, como suco, adicioná-lo a ensopados, molhos ou ovos.”
“É um ‘superalimento’ mexicano”, diz a filha dela, Joycelyn.
Além da raquete, os nopales também carregam uma pequena fruta de formato oval chamada figo-da-Índia, que tem sabor adocicado semelhante ao da melancia e é usada em sucos, coquetéis e geleias.
Enquanto recolhíamos os tomates, cebolas, alho e coentro para a salada, todos frescos da fazenda, Jocelyn rapidamente nos mostra como fatiar os nopales.
“Segure eles firmemente enquanto corta, primeiro no sentido do comprimento e depois na largura”, ela nos instruiu.
Os nopales são pegajosos e viscosos por serem cheios de mucilagem, substância espessa que é a guardiã da fibra do cacto.
Cozinhamos nossos nopales em uma tradicional grelha a carvão e esperamos.
Dez minutos depois, eles estavam perfeitamente cozidos, escorridos e prontos para esfriar. Preparamos a salada enquanto Pérez tocava violão.
Finalmente chegou a hora de montar nosso primeiro taco.
Peguei uma tortilla de milho recém-preparada, recheei com salada de nopales, salsas vermelha e verde (dois molhos apimentados típicos da culinária mexicana) e queijo de cabra fresco feito na fazenda naquele dia.
“Este é o verdadeiro significado da comida que vai do campo à mesa”, sorri García enquanto ouvíamos o balido das cabras.