Em fevereiro de 1945, a ofensiva das tropas aliadas avançava rapidamente pelo território alemão. Àquela altura, o regime nazista estava diante de uma derrota inevitável. E, há 75 anos, o fim da Segunda Guerra Mundial se aproximava. Mas antes desse desfecho, o Terceiro Reich ainda sofreria mais um baque.
Soldados dos Estados Unidos, que se aproximavam do estado da Turíngia — enquanto o Exército Vermelho da União Soviética fechava o cerco a Berlim pelo leste — fizeram uma surpreendente descoberta: uma mina no vilarejo de Merkers onde os nazistas esconderam mais de 100 toneladas de ouro, metais preciosos e obras de arte de valor imensurável.
Os nazistas saquearam uma quantidade imensa de ouro e moeda de bancos centrais de países europeus durante o conflito, além de itens valiosos de prisioneiros de campos de concentração. Esses recursos foram usados para comprar materiais para a guerra.
“Uma parte significativa dos valores armazenados na mina de Merkers veio do saque de judeus alemães e europeus, bem como do saque dos territórios ocupados. Grande parte dos objetos de valor roubados dos prisioneiros dos campos de concentração foram escondidos diretamente nos campos”, afirma à BBC News Brasil Annemone Christians, pesquisadora do Departamento de História da Universidade Ludwig Maximilians.
“Não se pode dizer com certeza que a maior parte do ouro foi saqueada, mas há indícios de que sim. Um problema ao tentar fazer essas contas é que os alemães frequentemente fundiam ouro saqueado e depois rotulavam-no em barras como se fosse alemão para disfarçar suas origens”, completa Greg Bradsher, arquivista sênior da Administração Nacional de Arquivos e Registros dos EUA.
Fuga da capital
O tesouro encontrado pelos aliados acabou em Merkers (a cerca de 350 quilômetros de Berlim), na Turíngia, após intensos bombardeios aéreos na capital alemã. Em 3 de fevereiro, aviões americanos lançaram quase 2,3 mil toneladas de bombas na cidade.
O episódio causou a quase demolição do Reichsbank, o banco central do país naquele período, destruindo, entre outras coisas, as máquinas de imprimir moeda.
Foi então que as autoridades nazistas decidiram mover suas reservas de Berlim para um local seguro, a fim de proteger recursos cruciais para a guerra. Esse tipo de remanejamento para outras partes da Alemanha ocorria ao menos desde 1943.
Àquela altura do conflito, o governo havia requisitado minas de sal e potássio espalhadas pelo país. “O transporte de ouro, moeda estrangeira e tesouros de arte para Merkers deve ser visto como uma medida incomum para proteger esses objetos de valor do Exército americano que se aproximava naquele ponto crucial da guerra”, afirma Christians.
“No entanto, era comum durante a guerra usar grandes minas de sal e potássio para armazenar materiais e continuar a produção de armamentos no subsolo por causa do aumento de bombardeios (dos aliados)”, completa a pesquisadora.
“Apenas alguns bunkers foram usados, principalmente as gigantescas torres de Flak em Berlim. As reservas de ouro foram armazenadas em bancos até serem transferidas para Merkers. O mesmo vale para papel-moeda e outros objetos de valor”, diz Bradsher.
Em 11 de fevereiro, parte das reservas de ouro alemãs foram levadas de trem para Merkers. Alguns bens saqueados de prisioneiros de campos de concentração também tiveram o mesmo destino, incluindo jóias, ouro, prata, diamantes, dinheiro e outros metais preciosos.
Segundo o Arquivo Nacional dos EUA, 1 bilhão de reichsmarks (a moeda alemã da época) em reserva monetária e uma “quantidade considerável de moeda estrangeira” acabaram em um cofre no chamado Quarto nº 8 da mina.
Em março de 1945, obras de arte dos mais importantes museus de Berlim foram alocadas na mesma mina. Os nazistas enviaram também especialistas para cuidar desses objetos.
Um tesouro perdido
Conforme as tropas dos EUA se aproximavam de Merkers, os oficiais do Reichsbank decidiram trazer as reservas e as obras de arte de volta para Berlim. Em 1º de abril, contudo, havia pouca esperança de que conseguiriam fazê-lo.
Os americanos já estavam muito próximos e as ferrovias locais, parcialmente fechadas. “Os alemães não tinham os meios logísticos, especialmente trens. E mesmo se tivessem, estariam bastante limitados quanto aos lugares para onde o ouro poderia ser levado, pois as tropas americanas e soviéticas se aproximavam da Turíngia pelo oeste, leste e sul”, diz Bradsher.
Em 2 de abril, oficiais do banco central tentaram ao menos recuperar parte do dinheiro guardado no local. Com a ajuda de trabalhadores poloneses e caminhões, foi possível retirar cerca de 200 milhões de Reichsmarks e 50 pacotes de moedas estrangeiras da mina.
Em 4 de abril, o Terceiro Batalhão do 358º Regimento de Infantaria, 90ª Divisão de Infantaria, 3º Exército tomou Merkers. E nos dois dias seguintes, as tropas interrogaram deslocados internos que mencionaram movimentos recentes do Reichsbank para transportar ouro de Berlim até a mina.
Ordens foram dadas para guardar o local com metralhadoras pesadas e tanques leves.
Na manhã de 7 de abril, os americanos entraram na mina com um fotógrafo. No fundo do poço principal de 640 metros de profundidade, havia um cofre bloqueado por um muro de tijolos de quase 1 metro de espessura. No centro da parede, uma pesada porta de aço com fechadura era o último obstáculo para a captura do tesouro.
Usando explosivos, os americanos conseguiram acessar o conteúdo do imenso Quarto nº 8, que tinha aproximadamente 22 metros de largura por 45 de comprimento, com um teto de quase 4 metros de altura.
Lá, encontraram mais de 7 mil bolsas empilhadas em 20 fileiras, marcadas e seladas. No fundo da mina, havia um pequeno lote de sacolas, baús e caixas cujos conteúdos pareciam ter sido enviados de campos de concentração.
O inventário final incluía, entre outras coisas, 3.682 bolsas e caixas da moeda alemã, 80 bolsas de moeda estrangeira, 4.173 bolsas com 8.307 barras de ouro, 55 caixas de barras de ouro, 3.326 bolsas de moedas de ouro, 63 bolsas de prata, 1 sacola de barras de platina, 8 sacolas de anéis de ouro e 207 sacolas e contêineres de saques de campos de concentração. Havia ainda 45 caixas com obras de arte.
A mina até recebeu a visita do então general Dwight D. Eisenhower, que seria eleito presidente dos EUA em 1953.
Apesar de ser uma descoberta significativa, incluindo o busto de Nefertiti e obras de Rembrandt e Dürer, argumenta Christians, o valor econômico real da captura era menor.
“O governo nazista espalhou reservas de ouro, moeda e ativos valiosos em diversas contas, armazenando-o em numerosos lugares, bancos e agências do Reichsbank. O ‘tesouro’ da mina Merker representava uma parcela pequena dos ativos financeiros alemães.”
“Já que o ouro foi transferido de Berlim para Merkers, os alemães não estavam mais em posição, tanto logística como diplomática, de usá-lo para compras no exterior. Na verdade, já era assim mesmo antes da transferência. Parece que essa captura não teve impacto no resultado da guerra, que terminou quatro semanas depois”, complementa Bradsher.
O destino do ouro
Entre 14 e 16 de abril, os americanos transferiram os itens encontrados na mina de Merkers para a filial do Reichsbank em Frankfurt. A intenção era mover tudo o mais rápido possível, antes que as tropas soviéticas chegassem. Conforme acertado na Conferência de Yalta, aquela área ficaria sob comando soviético após o fim da guerra.
Mas esse não é o fim do história.
Em agosto de 1945, o Departamento do Tesouro dos EUA e o Banco da Inglaterra concluíram que as barras e moedas de ouro e prata capturadas tinham valor estimado em mais de 262 milhões de dólares.
As moedas estrangeiras foram enviadas aos seus locais de origem. O ouro foi devolvido aos países saqueados por meio de um fundo especial para reparação dos aliados, mas parte desse processo foi concluído apenas em 1996. Uma parcela do ouro também foi usada para indenizar sobreviventes do Holocausto.