Opinião: O envelope amarelo do Bandepe

Joaquim Francisco governou Pernambuco de 91 a 94. Convocado por ele, mas já morando em Brasília, terra da minha felicidade, em que Deus abençoou a chegada ao mundo do meu primogênito Felipe, coordenei a área de comunicação da campanha. Derrotamos Jarbas Vasconcelos na histórica disputa de 1990, um clássico. Empossado, com três meses de Governo, Joaquim viu o Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe), instituição com o carimbo do Leão do Norte, virar um castelo de areia num sopro de um dragão.

O dragão traduzido na irresponsabilidade de setores da economia que pegavam dinheiro no banco e não honravam seus compromissos. Passaram à história como velhacos, sócios da mortandade do banco. Antes de tomar posse, Joaquim já estava plenamente informado do estado terminal do banco. Recorreu ao então presidente Collor, a quem havia apoiado contra Lula em 89. Fazendo clemência, apelou para Collor promover a intervenção no apagar das luzes do mandato tampão de Carlos Wilson, que assumiu quando Arraes saiu para concorrer a um mandato na Câmara dos Deputados.

Amigo de Cali, como era tratado carinhosamente o saudoso Carlos Wilson, Collor enrolou Joaquim e jogou o abacaxi no colo do governador. O Banco Central estava nas mãos do economista carioca Francisco Gros, um dos principais integrantes da equipe econômica que elaborou e conduziu o programa de recuperação e abertura da economia brasileira iniciado em 1991. Conduziu também as negociações que levaram a acordos com o Clube de Paris em fevereiro de 1992 e com o FMI em junho do mesmo ano.

Implacável com instituições financeiras mal das pernas e o Bandepe era uma delas. Encontrou na intervenção a saída para o banco continuar respirando e foi encontrar no múltiplo gestor José Lindoso, que cumpria missão financeira na Paraíba, o perfil que desejava para tomar a decisão de morte mais que ferida do incipiente Governo Joaquim: o fechamento de 98 agências bancárias e a demissão de três mil funcionários. Joaquim recebeu Lindoso no seu gabinete, no Palácio do Campo das Princesas.

No dia anterior, Lindoso esteve com Gros em audiência no Banco Central e o advertiu quanto ao naufrágio do plano de salvação do banco dar com os “burros n’água” por uma filigrana política: o então governador de Pernambuco era aliado de Collor, havia apoiado sua candidatura, e poderia recorrer, politicamente, da decisão choramingando nos ombros do chefe da Nação. Gros entregou um envelope amarelo para Lindoso, não revelou o conteúdo do que estava lacrado, e disse apenas o seguinte: “Se ele (Joaquim) reagir, entregue este envelope a ele”.

Lindoso ficou curioso, mas ao mesmo tempo receoso em perguntar o que estava escrito dentro do envelope. Partiu para o Recife. Joaquim o recebeu com a esperança de que salvaria o banco, mas quase caiu da cadeira quando Lindoso disse que teria que demitir três mil bancários e fechar 98 agências. Politico de elevado espírito público, mesmo sabendo dos danos ao seu Governo e da imensa repercussão social da medida, Joaquim autorizou o duro e amargo remédio para o banco.

E não foi nem foi preciso Lindoso, na condição de um portador que não merece pancada, sem saber do conteúdo do envelope, entregá-lo a Joaquim. No dia seguinte, de volta ao Banco Central, Lindoso devolveu, intacto, o envelope amarelo a Francisco Gros, ainda sem saber do que se tratava. Disse apenas: “Presidente, estou devolvendo esse envelope. Não foi preciso entregar ao portador”.

Que envelope misterioso era esse, então? Na frente de Lindoso, Gros abriu o envelope e mostrou para ele o que continha. De próprio punho, o xerife do BC havia escrito: “Governador, se o senhor não acatar a solução que estamos dando para o Bandepe, não tem problema. Amanhã, o banco estará liquidado”.

Ainda bem que Joaquim agiu com espírito público e não foi para a rinha da política.

CRISE BRABA – A intervenção do Bandepe, herança de Collor, já que poderia ter tomado a decisão ainda no Governo Carlos Wilson, foi, sem dúvida, a maior crise do Governo Joaquim Francisco. Resultou num preço político amargo e dolorido. O impacto social da medida inflamou o ego dos bancários. Por onde Joaquim andava, mesmo em solenidades oficiais, havia sempre servidores demitidos do banco fazendo protestos. Foram dias de tensão e amargura para um Governo que se apresentava com a cara da mudança e prometia devolver aos pernambucanos a autoestima do deserto de investimentos no Governo Arraes, a quem Joaquim sucedeu.

Por: Magno Martins

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