Por Maurício Rands*
A Operação Tempus Veritatis acrescentou novas provas ao Inquérito nº 4784/DF, que tramita no STF. Atendendo à petição nº 12.100, do delgado da PF, o ministro Alexandre de Moraes determinou medidas cautelares de prisão, busca e apreensão e outras contra o ex-presidente Bolsonaro e alguns dos seus ministros e auxiliares.
Pela primeira vez na História, foram presos e punidos oficiais militares de alta patente acusados de atos golpistas. Diferentemente de Argentina e Chile, por aqui jamais foram responsabilizados os militares que mantiveram uma ditadura que prendeu, torturou, exilou, cassou e matou opositores.
Esse inquérito em curso no STF pode estar revertendo uma tradição que deslustra a própria imagem das Forças Armadas e a parte legalista dos seus membros que não partilham de veleidades golpistas.
Muitos se perguntam se Bolsonaro e outros investigados vão ser presos. Para os seus seguidores, ele seria vítima de perseguição política. Como o resultado das urnas prevaleceu e o presidente eleito está governando, afirmam que todos os atos praticados e que estão sendo revelados no Inquérito nº 4784/DF seriam meros atos preparatórios de crimes que ao final não teriam sido praticados.
A investigação tem vários eixos, como registrou o ministro relator: “i) ataques virtuais a opositores; ii) ataques às instituições (STF, TSE) e ao sistema eletrônico de votação; iii) tentativa de golpe de estado e de abolição violenta do estado democrático de direito; iv) ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia; e, v) uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”.
A representação que gerou a operação de 08/02 teve a ver com o eixo “tentativa de golpe de estado e de abolição violenta do estado democrático de direito, com operação de núcleos e cujos desdobramentos se voltavam a disseminar a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e, eventualmente, legitimar uma intervenção das Forças Armadas, com abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em dinâmica de verdadeira milícia digital”, ainda nas palavras do relator.
Tomem-se os crimes de golpe de estado (art. 359-M, Código Penal: tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído) e abolição violenta do estado democrático de direito (art. 359-L, CP: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o estado democrático de direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais). Ambos os tipos penais se referem à tentativa. Ou seja, os crimes se configuram mesmo que não se logre o intento. Pela óbvia razão de que, consumados, inauguram uma nova ordem e um novo centro de poder que não vai se autopunir.
Além disso, trata-se de crimes que não são praticados em um único ato, como pode ser, por exemplo, a lesão corporal. São tipos penais que pressupõem uma cadeia complexa de atos praticados por muitos agentes. No caso da lesão corporal, a simples aquisição de um instrumento a ser usado na agressão seria um ato meramente preparatório. Restrito ao âmbito da subjetividade, da mera intenção. No caso dos crimes mais complexos, como os do art. 359 do CP, cada um dos atos da cadeia apta a culminar com a usurpação do poder democrático, quando exteriorizados, já significa que seus agentes estão incursos no tipo penal. O agente terá praticado o crime mesmo que não tenha participado de todos os atos de uma longa cadeia cumulativa.
Até o presente, já se sabe que os investigados participaram da tentativa de golpe e de impedimento do funcionamento das instituições estimulando, articulando, incitando ou executando atos tipificados como crimes. O ex-presidente e seu grupo atuaram de forma coordenada e estruturada para efetuar uma ruptura institucional. Praticaram atos de planejamento e execução de um golpe de estado.
Agora, trata-se de garantir-lhes o exercício da ampla defesa e do contraditório, respeitado o devido processo legal. A regra geral do direito brasileiro é a de que a prisão deve ser feita após o trânsito em julgado da sentença condenatória, como dispõe o art. 5º, LVII, CF (“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”). A regra de exceção é a do art. 312 CPP, que autoriza a prisão preventiva para garantir a ordem pública ou econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. O ex-presidente está convocando uma manifestação para a Av. Paulista no dia 25/02. Daí surgiram especulações de que ele poderia ter a prisão preventiva decretada pelo STF, por incurso em uma das hipóteses do art. 312 CPP. Ademais, a organização e execução da manifestação pode levar o ex-presidente a desobedecer à ordem de não se comunicar com os demais investigados. O desenrolar dos fatos em torno da mobilização do dia 25/2 é que vai permitir a análise da ocorrência ou não das hipóteses que autorizam a prisão antes do trânsito em julgado da condenação.
P.S.: Quando Putin mata Alexei Navalny, assassina a liberdade e todos os que a cultuam.
*Advogado, formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford