Os tapa-sexos masculinos medievais que caíram em desuso
Mais ou menos no ano de 1536, o pintor suíço Hans Holbein, o Jovem, estava finalizando o desenho da virilha de Henrique 8º no seu famoso quadro do rei da Inglaterra.
Com um pincel fino nas mãos e uma paleta de aquarela ao lado, o artista enfrentava dificuldades para dar a devida proeminência ao volume nas calças do seu cliente.
Costuma-se dizer que, no desenho de Holbein – um rascunho em tamanho natural para um mural que, um dia, cobriu toda a parede do Palácio de Whitehall, em Londres –, o rei aparece majestoso e viril.
Os pés de Henrique 8º estão firmemente plantados a certa distância e suas duas mãos repousam sugestivamente abaixo da cintura. Tudo parece direcionar o observador para os genitais do rei, absurdamente desproporcionais.
Um relato da época afirma que a pintura final deixava todos que a viam “envergonhados e aniquilados”.
Por um breve momento na Renascença, entre a invenção do microscópio, da imprensa e dos lápis (entre tantas outras tecnologias que sustentaram a sociedade moderna), homens da classe superior estavam mais preocupados em promover outra inovação: o tapa-sexo.
Esses “belos palácios pessoais para o pênis”, como chamou certa vez um escritor, consistiam de bolsos de tecido costurados sobre a genitália e almofadados para formar uma série bizarra de formatos sugestivos: espirais, esferas e linguiças voltadas para cima. Alguns tinham até rostos estampados.
Era uma oportunidade rara para que os homens dessem um toque de charme às suas partes íntimas. E muitos optavam por confecções de tecidos suntuosos, como seda, veludo e cetim, embelezados com joias, ouro e belos arcos – a verdadeira expressão da fertilidade masculina.
Mas para que serviam os tapa-sexos? E por que eles desapareceram?
Início recatado
No princípio, os tapa-sexos eram feitos de aço e acrescentados às armaduras, para ajudar a proteger a fertilidade dos cavaleiros no campo de batalha. Mas eles logo representaram uma solução prática para um problema constrangedor do dia a dia da época.
Até o final do século 15, era comum que os homens usassem uma longa túnica ou gibão – essencialmente, um vestido – com meias-calças cobrindo as pernas. Mas a moda logo mudou.
Os gibões gradualmente diminuíram de tamanho ao longo dos anos, até ficarem tão curtos que não cobriam mais a virilha. Isso era particularmente perigoso, já que as meias-calças que os homens vestiam na época eram separadas por perna, deixando espaços abertos que poderiam ser bastante reveladores.
“Basicamente, você colocava uma perna em uma das meias e a amarrava ao gibão. E, depois, fazia o mesmo com a outra perna”, explica a historiadora da Itália do início da Era Moderna Victoria Bartels, do Centro da Universidade de Syracuse em Florença, na Itália.
Mas, com a moda das novas versões mais curtas de roupa, “meio que ficou uma área que precisava ser coberta”, segundo ela.
O problema foi particularmente ilustrado no poema medieval Contos da Cantuária. No prólogo da história, um personagem conhecido como “a pessoa”, reclama:
“Infelizmente, alguns deles mostram o volume das suas formas e os horríveis membros dilatados, que parecem a enfermidade da hérnia.”
Os vãos abertos geraram um pânico moral. Padres recearam que a nova moda se tornasse irresistível para os “sodomitas” e levasse à corrupção dos jovens.
Os primeiros tapa-sexos eram triângulos de tecido soltos que eram introduzidos para cobrir as aberturas entre cada uma das pernas das roupas. Mas não demorou muito para que os homens aproveitassem essa nova vestimenta e começassem a incluir enchimentos.
Duas décadas depois, os triângulos soltos haviam se transformado em objetos fálicos de proporções gigantescas.
Os primeiros aspirantes a conquistadores recheavam seus tapa-sexos com pelos de cavalos, tecido e palha. Às vezes, eles escondiam objetos úteis, como lenços e dinheiro.
Bartels chegou a encontrar relatos do seu uso para armazenar flores secas, mas apenas em textos satíricos.
Das ruas de Florença, onde eram conhecidos como sacco, até Paris, onde receberam o nome francês braguettes, os jovens se exibiam com sua genitália postiça, atraindo olhares para baixo aonde quer que fossem.
O que havia começado como um instrumento recatado passou a ser usado com o efeito oposto.
E o simbolismo dessa peça de roupa protuberante não se restringiu aos homens renascentistas que a usaram. A própria palavra em inglês para designá-la – codpiece – vem de “cod”, que, em inglês arcaico, significava “escroto”.
Um texto satírico encontrado por Bartels comparava a proteção oferecida pelos tapa-sexos (especialmente nas armaduras) com a fornecida pelas cascas de nozes e sementes. Afinal, da mesma forma que as “braguettes naturelles” (tapa-sexos naturais), eles ajudavam a garantir a propagação da nova geração.
O drama de Henrique 8º para ter um herdeiro legítimo o levou a criar um novo ramo do Cristianismo. Sua busca pela fertilidade também fazia com que o rei inglês usasse as associações figurativas do tapa-sexo ao máximo.
O mural no Palácio de Whitehall foi destruído em um incêndio em 1698, mas o desenho original sobreviveu e levou outros artistas a copiá-lo. Por isso, o tapa-sexo usado pelo rei pode ser visto até hoje em dezenas de pinturas, transmitindo a quem o observa a mensagem de que Henrique 8º era mais do que capaz de produzir um herdeiro.
Duzentos anos depois da sua morte, admiradores ainda podiam visitar a estátua de Henrique 8º na Torre de Londres e se maravilhar com a sua fertilidade.
Na obra, uma efígie de madeira pintada era ornada com um manto de tecido flutuante e possuía um mecanismo secreto que revelava um tapa-sexo oscilante.
“Se você pressionar um ponto no chão com os pés, irá ver algo surpreendente em relação a essa figura, mas não vou dizer mais do que isso”, escreveu um visitante, segundo o livro Thrust: A Spasmodic Pictorial History of the Codpiece in Art (“Impulso: uma história pictórica espasmódica do tapa-sexo na arte”, em tradução livre).
As mulheres costumavam até inserir alfinetes na efígie, em uma espécie de ritual para as ajudar a ter filhos.
Naquela época, essas atrevidas exibições de virilidade não eram algo incomum.
No portão frontal de ferro fundido da Capela Colleoni em Bérgamo, na Itália, construída no final do século 15, fica o brasão dos Colleoni. Sobre ele, existem três formas parecidas com vírgulas.
Estas formas representam testículos. Acredita-se que eles tenham sido incluídos para exibir a força masculina da linhagem.
Também há uma similaridade entre o nome da família Colleoni e a expressão em italiano coglioni, que faz referência aos testículos.
Os homens também usavam adornos na região da virilha para transmitir sua bravura militar.
Inicialmente, os tapa-sexos realmente costumavam ser acrescentados às armaduras. Mas Bartels explica que a ascensão dessas peças coincidiu com as Guerras Italianas (1494-1559).
Durante esses conflitos, mercenários do norte da Europa saíram em batalha em nome da Espanha, França e Itália.
Um dos benefícios recebidos pelos soldados era a isenção das Leis Suntuárias, que determinavam até que ponto poderia chegar o desregramento de cada grupo social. E eles aproveitaram essa oportunidade no vestuário.
“Eles se vestiam de forma superchamativa… eles usavam esses enormes tapa-sexos”, segundo Bartels. E assim se formou mais um laço entre o tapa-sexo e a cultura militar.
Mesmo para os seus contemporâneos, essas abertas e declaradas exibições de masculinidade, muitas vezes, eram objeto de grande ridicularização.
Segundo o historiador Will Fisher, no livro Materializing Gender in Early Modern English Literature and Culture (“Materialização do gênero na cultura e literatura inglesa do início da idade moderna”, em tradução livre), os humoristas da época entusiasmavam seu público com cenas sugestivas em que um personagem parecia estar a ponto de revelar seus genitais… até que eles retiravam algo inesperado das calças, como uma laranja.
Outros objetos incomuns encontrados em tapa-sexos fictícios incluíam “poemas, garrafas, guardanapos, pistolas, cabelos e até espelhos”.
O tapa-sexo já estava em declínio no final do século 16. Nessa época, as fontes disponíveis começam a se referir a ele como algo fora de moda, segundo Victoria Bartels.
Curiosamente, pouco antes desses volumosos acessórios começarem a desaparecer, eles passaram a ser reduzidos para assumir proporções diminutas.
“Você começa a ver outra tendência de moda chamada ‘barriga de ervilha'”, explica Bartels. Eram jaquetas distendidas e sem enchimento, que eram vestidas sobre a camisa, criando uma pretuberância na região da barriga. “Parece ridículo aos olhos modernos.”
Elas costumavam ser acompanhadas de calções almofadados ou até em forma de saias. Bartels explica que essa combinação ressaltava a mesma região do corpo que o tapa-sexo, já que ambos incorporavam os genitais.
Atualmente, poucas ‘barrigas de ervilha’ ainda sobrevivem.
Entre as que foram conservadas estão bojos metálicos de armaduras, um conjunto de lã e veludo que pertenceu a um conde sueco e seus filhos e um conjunto de peças que fazem parte do Museu de Londres, inicialmente classificadas como almofadas de ombro por um curador vitoriano, segundo a historiadora Lucy Worsley.
Além desses objetos remanescentes, podemos apenas observar a grandeza priápica dessa vestimenta perdida em pinturas e esculturas da época.
Mas, embora os tapa-sexos renascentistas autênticos agora sejam raros, o entusiasmo do público por eles não desapareceu por completo.
Nos anos 1970 e 1980, bandas de rock como Jethro Tull e Kiss começaram a surpreender o público com versões de tapa-sexo com estampas de leopardo, de couro, cravejadas ou enfeitadas com rostos de demônios.
A banda Kiss chegou a ter sua própria costureira de tapa-sexos, até o encerramento da banda, no ano passado.
Os tapa-sexos também vêm marcando seu retorno na alta costura, como parte de uma tendência chamada “power dressing dos Tudor”, e em séries de TV históricas, como a britânica Wolf Hall.
Mas os produtores modernos ainda não conseguiram fazer tapa-sexos grandes como os de antigamente.