Pais temem fechamento de Colégio de Órfãos de São Joaquim; alunos protestam

Nilson Marinho e Milena Teixeira*
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)
Instituição do século XVIII teria demitido professores e suspendido atividades

O choro é de preocupação. Uma incerteza que passou a rondar a vida da auxiliar de escritório Nilza Gonçalves de Assunção, 44 anos, há pelo menos dois meses. A filha dela está matriculada no Colégio de Órfãos de São Joaquim, na Avenida Jequitaia, em Água de Meninos, mantido pela Irmandade Casa Pia.

O anúncio de demissões de funcionários, a suspensão de algumas atividades, como a ecoterapia, e a retirada dos aparatos de segurança, a exemplo de câmeras, deixaram alunos, pais e funcionários com um pé atrás – dos 2.200 alunos, 200 precisam de cuidados especiais.

Rumores de que a instituição secular fecharia as portas, ainda neste semestre, para dar espaço a um grande hotel mobilizaram a comunidade escolar. Alguns professores viram pessoas medindo a área, mas não souberam dizer o motivo. Por volta das 11h de ontem, cerca de 100 alunos marcharam pela Avenida Jequitaia, ocupando os dois sentidos da via. Pais se aglomeraram em frente à unidade e exigiram explicações do provedor da Casa, Otávio Tourinho Dantas. Ao CORREIO, ele negou os rumores.

Direito
Se o colégio fechar as portas, Nilza conta que não terá condições de arcar com a educação da filha em um outro colégio com desempenho semelhante – a unidade conseguiu, nos últimos anos, ocupar as primeiras colocações na Olimpíada Brasileira de Matemática. Ela paga cerca de R$ 400 de mensalidade e, no início do ano, teve uma despesa de R$ 2 mil para adquirir o fardamento, que inclui três conjuntos de uniforme, com calçado e boinas.

“Queremos lutar pelos direitos dos nossos filhos. Educação para a gente hoje é tudo. Somos pais e queremos um ensino melhor para eles”, disse a mãe, emocionada.

Nilza Gonçalves de Assunção, 44 anos, chora ao falar sobre o fechamento da escola (Foto: Mauro Akin Nassor)

No Ministério Público estadual (MP-BA), há uma ação de reparação de danos, feita pela mãe de um dos alunos contra a instituição. O MP se pronunciou e pediu à Justiça a realização de uma audiência de instrução para produção de prova oral. O órgão não divulgou se a ação está relacionada a um suposto caso de racismo, envolvendo o presidente Dantas, mas ele nega a denúncia.

O provedor também é acusado de interferir em projetos da escola. A coordenadora pedagógica do fundamental II e ensino médio, Elisângela Santana, conta que, há 15 dias, ela estava elaborando um projeto interdisciplinar sobre as Olimpíadas com seus alunos quando foi destratada por Dantas. “Ele afirmou que era o provedor e que mandava na instituição, não querendo a execução de nenhum projeto, querendo ver apenas os alunos em sala de aula. As situações estão insustentáveis”, afirmou.

Nilza e outros 20 pais pediram ontem um encontro com o presidente, mas ele se recusou a recebê-los. Até ontem, nenhum comunicado tinha sido emitido para os pais, esclarecendo os rumores do fechamento da unidade.

Ao CORREIO, porém, Otávio Dantas garantiu que a instituição funcionará durante todo o ano e que não há o planejamento de transformar o espaço em um hotel, tampouco reduzir o quadro de alunos. “É uma denúncia absurda. Este prédio é tombado pelo Iphan. Até para pintar uma parede precisamos de uma permissão, porque é um patrimônio histórico. Como é que eu posso vender? É uma mentira que se espalhou”, afirmou ele.

Procurado, o Iphan explicou, no entanto, que o tombamento não impede a venda do local.  O órgão disse que até o momento não soube de uma possível venda do imóvel. “O tombamento não retira a propriedade do imóvel, ou seja, o fato de possuir proteção federal não retira do proprietário suas responsabilidades e também não impede a venda”, afirmou o Iphan, em nota.

Dantas também negou as demissões dos funcionários e explicou que o diretor do colégio está afastado “por problemas de saúde”. O presidente disse ainda que apenas duas câmeras foram retiradas e que elas ficavam em sua sala. Também foi negada a interferência nas ações pedagógicas.

Conheça a história da instituição:

A Casa Pia de Órfãos de São Joaquim foi a primeiro abrigo para órfãos da Bahia. Inaugurada no final do século XVIII, mais precisamente  em 1799, o complexo arquitetônico – composto por uma igreja, pela parte administrativa e escola –  foi criado para tirar as crianças que não tinham família das ruas de Salvador. De acordo com o historiador Jaime Nascimento, posteriormente, a casa passou a oferecer qualificação para os moradores.

Complexo arquitetônico é tombado desde 1941 (Foto: Mauro Akin Nassor/ CORREIO)

“A palavra ‘Pia’ se refere à piedade. Naquela época, a Casa da Piedade abrigou os menores mais pobres. As capacitações, que antigamente eram chamadas de ‘ofício mecânico’, eram pra quem morava lá. Existia oficina para ser carpinteiro, por exemplo”, conta ele.

A tese de doutorado que o professor Alfredo Eurico Rodrigues Matta, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), fez em 1996 confirma a informação de Jaime. O trabalho diz ainda que a Casa foi criada por um homem que pertencia a uma irmandade, o catarinense Joaquim Francisco do Livramento.

“Desde o início, a Casa Pia atuou no recolhimento de menores pobres e órfãos de rua, dando-lhes educação básica, formação moral e profissão. Ela foi criada para  transformar os menores em “braços úteis”. O local concentrou parte dos investimentos sociais da época e, por muito tempo, manteve esse objetivo inicial”, explica o historiador.

Os órfãos que saíam da casa passaram a integrar o mercado de trabalho da capital baiana durante todo o século XIX. “Encaminhar essa mão-de-obra qualificada para ofícios urbanos foi a característica predominante da instituição”, afirma.

Segundo o ele, o orfanato “só começou a  perder importância” em 1889, quando o encaminhamento de menores para empregos foi reduzindo, até quase desaparecer. Em 1910, a administração da Casa aprovou novos estatutos que deram nova feição à entidade, agora, mais voltada para a educação fundamental e formação dos órfãos em oficinas.

Em 1941, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPhan) tombou o complexo.

Linha do Tempo, de acordo com a tese de Alfredo Matta:

1798 – O irmão  Joaquim Francisco do Livramento começa a arrecadar fundos para o orfanato
1799 – O orfanato a Casa Pia de Órfãos de São Joaquim é inaugurado pelo irmão Joaquim, com apoio dos comerciantes de Salvador

1825 – O orfanato amplia a capacidade de absorção de órfãos e vai para a sede definitiva, na Água de Meninos

1910 – O perfil de atuação da Casa é alterado e orfanato é esvaziado

1943–  O Iphan tomba todo o Complexo Arquitetônico, que é composto pelo orfanato, pela igreja e pela parte administrativa

* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier

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