Pandemia dificulta tratamento de pessoas com HIV

Objetivo da Organização Mundial de Saúde era ter 90% dos brasileiros sob cuidados médicos até 2020

Por: Jane Fernandes

Para a diretora do Centro Estadual de Diagnóstico, Assistência e Pesquisa, Leila Azevedo, a falta informação dificulta a busca pelo diagnóstico
Para a diretora do Centro Estadual de Diagnóstico, Assistência e Pesquisa, Leila Azevedo, a falta informação dificulta a busca pelo diagnóstico – 

Pelo menos 90% da população diagnosticada com HIV deveria estar em tratamento até 2020, de acordo com as metas da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil chegou ao final de 2021 com 960 mil casos estimados, não necessariamente diagnosticados, e cerca de 76% dessas pessoas em tratamento.

Na Bahia, 20.253 receberam diagnóstico de HIV e 12.282 de Aids desde o início da série estatística da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Com base em dados do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos do Ministério da Saúde, a Sesab informou que 30.899 pacientes estão cadastrados no estado para receber os medicamentos de tratamento de HIV/Aids.

“A adesão terapêutica ainda é um grande problema. Algumas pessoas têm o diagnóstico e não procuram o tratamento adequado. A falta de informação e o estigma da doença são os principais fatores que fazem com que as pessoas deixem de procurar tratamento”, avalia a diretora do Centro Estadual de Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap) da Sesab, Leila Azevedo, ressaltando uma maior dificuldade de acesso para populações mais vulneráveis e muito discriminadas.

O impacto da pandemia é ressaltado pelo coordenador de direitos humanos da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, Moisés Toniolo. “A gente teve pessoas que deixaram de ir pegar o seu medicamento antirretroviral por conta das condições de isolamento”, comenta, remetendo aos meses iniciais. Ele lembra que vários pacientes do interior são cadastrados em Salvador e tiveram problemas para realizar a viagem até a capital.

Questões anteriores ao surgimento da Covid-19 também são citadas por Toniolo como dificultadoras do início e/ou manutenção do tratamento contra o HIV. Uma delas foi a suspensão da aposentadoria de parte das pessoas vivendo com o vírus, além de cortes do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que também afetaram esse grupo, gerando dificuldades financeiras para ir aos serviços de saúde.

“Quando se restabeleceu, de certa forma, a abertura, as pessoas puderam trafegar mais, mesmo assim os serviços estão tendo que fazer busca ativa dos pacientes que se ausentaram nesse período, ou seja, muitos abandonaram o tratamento”, alerta o coordenador. No final de 2020, 77% dos casos diagnosticados estavam em tratamento, de acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), a meta da OMS para ser alcançada naquele ano também era de 90%.

Indetectável

Mesmo que o Brasil e outros países não tenham alcançado os objetivos da Organização Mundial da Saúde para 2020, as metas foram aumentadas para a próxima década. Até 2030, 95% das pessoas com HIV devem estar diagnosticadas e 95% das que tiveram o vírus detectado devem fazer tratamento. Entre as que usam os medicamentos, 95% devem estar com o HIV indetectável.

Além de evitar o desenvolvimento da Aids, doença causada pelo HIV não tratado, a pessoa que realiza o tratamento de forma regular pode alcançar carga viral indetectável. “A pessoa precisa tomar os medicamentos todos os dias, continuamente e fazer o acompanhamento médico regularmente, com a realização de exames periódicos”, reforça Leila. Quando o vírus é indetectável, ele também é intransmissível, esclarece a infectologista.

Quando a pessoa com HIV não é tratada, o vírus segue se multiplicando no organismo e atacando as células de defesa, comprometendo o sistema imunológico, abrindo espaço para infecções oportunistas, explica a diretora do Cedap. Entre 2018 e este ano, 4.943 casos de Aids foram notificados na Bahia, e 12.361 novos casos de HIV foram diagnosticados, segundo a Sesab.

“Além disso, tratar de forma irregular pode predispor uma resistência viral, cada vez que o paciente para de tomar os medicamentos, o vírus pode atingir uma característica de maior resistência e futuramente não responder ao tratamento proposto, tendo que trocar o tratamento para medicamentos mais potentes. Ainda assim, se o paciente adere ao tratamento futuramente, ele pode realmente conseguir o controle do vírus”, adverte Leila.

Testagem

Um dos gargalos para o alcance das metas de tratamento é a ampliação do diagnóstico, indicativo no qual o Brasil chegou mais perto do preconizado pela OMS, terminando 2020 com 89%, segundo divulgado pelo MS. Em Salvador, a testagem pode ser feita nas unidades básicas, nos postos de saúde da família, nos serviços de atenção especializada, e, em situações específicas, nas UPAs, conforme nota da Secretaria Municipal (SMS).

“O teste rápido para o HIV pode ser realizado em demanda aberta e em consulta agendada. Devem ser feitos em caso de acidentes com materiais biológicos, violência sexual e, rotineiramente, como no pré-natal, no exame de rastreio, podendo ser anual, semestral ou com maior frequência, conforme indicação da avaliação”, detalha a SMS.

Há ainda a oferta de autotestes, nos quais as pessoas coletam suas próprias amostras e fazem a testagem, no SAE Marymar Novais (Rua Arthur Bernardes, 1, Dendezeiros), no SAE São Francisco (Rua do Carro, s/n, Nazaré) e no SEMAE Liberdade (Rua Domingos Requião, s/n, Liberdade).

Prevenção e cuidados são fundamentais

O tratamento adequado das pessoas vivendo com o HIV é um dos mecanismos que integra a estratégia de prevenção combinada preconizada atualmente. A diretora do Centro Estadual de Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), Leila Azevedo, confirma que o paciente com carga viral indetectável não transmite o HIV, mas reforça a importância de manter o uso do preservativo para evitar contrair outras infecções sexualmente transmissíveis, atrapalhando inclusive o seu tratamento para controle do HIV.

Fazer testes sempre que expostos a riscos específicos de contágio ou realizar periodicamente quando também irão ajudar na redução da circulação do vírus, pois só quem conhece seu status sorológico poderá fazer o tratamento. Em caso de casais sorodiscordantes, por exemplo, outra opção de prevenção é a PrEP (profilaxia pré-exposição), que consiste no uso de medicamentos para impedir a infecção com o HIV, mesmo em caso de exposição, esclarece Leila.

“Existem algumas populações que são mais vulneráveis à infecção com o HIV, então têm uma indicação maior. Mas, hoje, qualquer pessoa que tem uma vida sexual muito intensa, com multiparcerias, ela pode sim ser candidata à PrEP. Existem alguns tipos de PrEPs já aprovadas no Brasil, tem a de uso diário, mas também uma recentemente aprovada pelo Ministério da Saúde, que é a PrEP sob demanda, que pode ser usada em situações específicas”, conta a diretora do Cedap.

Estabilidade

Os dados da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado (Divep) apontam um aumento no número de novos diagnósticos em 2021, com 2447 casos notificados, em comparação com os 2178 computados em 2020, mas Leila atribui a variação à demanda represada por conta da pandemia.  “No geral, considerando desde quando surgiu a epidemia de Aids até hoje, o número de casos detectados vem caindo”, ressalta.

Segundo boletim da Divep, na série histórica iniciada em 2012, a maior concentração de casos está na faixa etária de 20 a 29 anos, que corresponde a 33,5% do total, seguido das pessoas entre 30 e 39 anos, representando 29,8% dos diagnósticos. Quanto aos casos de Aids, as notificações têm caído em todos os grupos, mas com reduções mais significativas na faixa de 30 a 39, seguida de 40 a 49 anos.

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