Para matar a saudade: lugares que contam a história do Carnaval de Salvador
A folia e o glitter não cobrirão as ruas de Salvador pelo segundo ano consecutivo, devido a pandemia. Com base no público do último Carnaval, em 2022, estima-se que 16,5 milhões de foliões estarão órfãos da festa de rua, de acordo com o levantamento realizado pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult). Por isso, uma opção para matar a saudade da festa é passear pelos lugares e equipamentos que contam sua história.
Em outros carnavais, ou melhor, no primeiro que aconteceu na Bahia, os lugares mais badalados eram as ruas do centro da capital. Começou em 1884, quando o Clube da Cruz Vermelha saiu às ruas desfilando em carros alegóricos. Nesta época, o Carnaval era uma festa da elite. Outros clubes que fizeram sucesso foram Inocentes em Progresso e Fantoches da Euterpe.
Carlos Almeida, de 64 anos, é filho de Almir Rodolfo Almeida, o Palhaço Pinduca, que organizava bailes de carnaval em clubes, além de ser animador e compositor de marchinhas. Foi com o seu pai que ele começou a frequentar o Carnaval do Fantoches da Euterpe. “Os carnavais eram circulando pelos salões. As bandas tocando e a gente circulando o salão, todo mundo em um sentido só, ao redor do salão principal, atirando confetes e serpentinas”, conta Carlos, destacando que os dois itens carnavalescos não podiam faltar.
O clube Fantoches ainda está de pé e continua a receber eventos no Dois de Julho. De acordo com o historiador Rafael Dantas, ainda há outros dois equipamentos na cidade que marcaram o primeiro momento da história da folia e podem ser visitados, o atual Solar Cunha Guedes, que foi a primeira sede do clube Fantoches e o Fera Palace Hotel [veja no final da reportagem].
O carnaval do povo negro também marcou as ruas da cidade
As calçadas da Baixa dos Sapateiros, do Taboão, da Barroquinha e do Pelourinho foram as passarelas dos primeiros desfiles carnavalescos não comandados pela elite na Bahia. O povo negro não quis apenas assistir os ricos desfilarem em seus carros alegóricos e se impuseram como parte da festa.
Era 1895, quando os nagôs que viviam na cidade organizaram o primeiro afoxé, como eram conhecidos os clubes carnavalescos africanizados. A Embaixada Africana fez história ao desfilar com roupas, objetos e adornos importados da África, indo na contramão do racismo científico vigente à época. Outro afoxé importante, fundado no ano seguinte, foi o Pândegos da África.
Entre os afoxés modernos destacam-se os Filhos de Gandhi, o Ilê Aiyê, o Olodum e o Badauê. Para ficar mais próximos do clima carnavalesco desses blocos afros, mesmo longe da festa, Paulo Miguez, doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, destaca alguns lugares para visitar na cidade.
“São lugares que quem quer pensar o Carnaval tem que olhar com muito carinho, pois a festa deve muito a eles”, salienta Miguez. No Pelourinho, a Casa do Olodum e a Sede Carnavalesca dos Filhos de Gandhy são paradas obrigatórias na história da Folia, assim como a Senzala do Barro Preto, no Curuzu.
Nas ruas de Salvador, as escolas de samba também já brilharam
Do Campo Grande à Praça da Sé, entre as décadas de 60 e 70, mais de 20 escolas de samba soteropolitanas chegaram a desfilar suas alegorias entre um bairro e outro. Segundo Miguez, as escolas chegavam de diversos pontos da cidade.
Entre os mais marcantes de serem visitados, o pesquisador cita o bairro do Garcia e a quadra dos Apaxes, no Tororó. “Dois lugares que são importantíssimos na trama carnavalesca, que grandes organizações saíam para os desfiles das escolas de samba”
A Península de Itapagipe, que abrange os bairros e as praias da Cidade Baixa, é outro ponto citado por ele. Juventude do Garcia, Filhos do Tororó, Ritmistas do Samba, Ritmos da Liberdade, Bafo da Onça e Diplomatas de Amaralina eram as escolas mais famosas.
Laurinha Arantes, de 64 anos, viu os desfiles de perto, sentada em um banquinho com o seu pai. “Comecei a ir para rua com 8 anos. Eu e meu pai, levávamos banquinhos para ver os desfiles, os carros alegóricos, que passavam com um monte de gente fantasiada”, relembra.
O Trio Elétrico passando na avenida
A fobica não se intimidou com o tamanho da inclinação e subiu a Ladeira da Montanha em direção a Rua Chile, carregando equipamentos de som e os músicos Dodô e Osmar, em 1950. Dali, ela seguiu pelas ruas do Campo Grande arrastando uma multidão ao som da pau elétrico.
Com o sucesso, o carro logo se transformou em um trio elétrico. Além de amante dos antigos carnavais, Laurinha Arantes também foi a primeira mulher a puxar um bloco de trio em Salvador. Em 1983, a cantora fez um teste e entrou para a banda Cheiro de Amor, que a colocou no posto de comandante dos foliões que seguiam o grupo pelas ruas da avenida. “É uma emoção que não dá para descrever, e eu entrava [cantando] a capela”, conta.
O trio foi sendo aperfeiçoado, assim como ganhou novos espaços para desfilar, e hoje é o símbolo do Carnaval de Salvador, no Campo Grande, na Barra, na Ondina e em tantos outros bairros da cidade, em fevereiro. Além de passear pelos pontos turísticos desses locais, ainda é possível conferir mais elementos da história no Museu do Carnaval, no Pelourinho.
Serviço
Clube Fantoches da Euterpe
Endereço: R. Democrata, 18 – Dois de Julho
Funcionamento: a depender da programação
Casa do Olodum
Endereço: R. Maciel de Baixo, 22 – Pelourinho
Funcionamento: segunda a sábado – 8h às 18h; domingo – 10h às 17h
Senzala do Barro Preto
Endereço: R. Direta do Curuzu, 228 – Curuzu
Funcionamento: segunda a sexta – 8h às 12h; 13h às 17h
Sede Filhos de Gandhy
Endereço: R. Maciel de Baixo, 53 – Pelourinho
Funcionamento: segunda a sexta – 13h às 16h
Museu do Carnaval
Endereço: Praça Ramos de Queirós, s/n – Pelourinho
Funcionamento: segunda a domingo – 10h às 18h (entrada até às 17h)
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*Com orientação da subeditora de reportagem Fernanda Varela