Para Ministra, é preciso investigar conexão entre ditaduras Brasil e Chile
A ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse neste domingo que a informação de que o Brasil teria colaborado com o ex-ditador chileno Augusto Pinochet para a criação de armas biológicas que seriam utilizadas para eliminar opositores ao regime é mais uma prova da conexão entre as duas ditaduras. Maria do Rosário defendeu uma investigação pela Comissão Nacional da Verdade e afirmou ainda que, diante dessa revelação, o Brasil precisa intensificar o pedido de acesso a documentos desclassificados da CIA, nos Estados Unidos, para saber se houve participação americana nesse fato – uma vez que os EUA apoiaram o golpe militar chileno e colaboraram estreitamente com o regime.
O Brasil apoiou o golpe de Pinochet no Chile, em 1973, e foi o primeiro país a reconhecer o novo governo. Depoimentos judiciais no Chile afirmaram que militares daquele país usaram o Instituto Bacteriológico (atual IPS, Instituto de Saúde Pública) como órgão de fachada para disfarçar o contrabando de agentes tóxicos, como relatado no GLOBO. Há indícios de que o Exército do Chile obteve no Brasil a neurotoxina botulínica, um veneno mais potente que o cianureto, que provoca intoxicação com paralisia dos músculos, levando à morte.
Possível conexão com morte de jango
Os indícios da cooperação brasileira foram reforçados pela médica Ingrid Heitmann Ghigliotto, ex-diretora do IPS. Em entrevista à agência de notícias DPA, ela contou ter encontrado no porão do instituto duas caixas com ampolas de toxinas botulínicas do Instituto Butantan. Esse achado se deu em 2008 e, segundo avaliação da médica, eram suficientes para matar metade da população de Santiago.
– Este é mais um aspecto que revela a conexão perversa entre as ditaduras – disse a ministra.
Maria do Rosário declarou que essa informação, se for comprovada, é mais uma prova de que a ditadura, no Brasil, não foi inocente nem menos importante que as outras no continente.
Ela defendeu que a Comissão Nacional da Verdade investigue o fato e lamentou que uma instituição séria, como o Instituto Butantan, possa ter sido utilizada para fins terroristas.
– A Comissão da Verdade precisa investigar essa informação e fazer um levantamento por onde passaram essas substâncias para poder traçar um roteiro – afirmou a ministra.
A assessoria de imprensa da Comissão Nacional da Verdade informou que o órgão deverá investigar a informação.
O ex-preso político Gilney Viana, coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, disse ter ficado surpreso com essa colaboração entre Brasil e Chile.
– É uma parceria criminosa, entre Brasil e Chile, que a gente nem suspeitava. E denota certa perversidade. Um regime ditatorial, que já tem todo instrumento de força à sua mercê, não precisava recorrer a esse tipo de arma química – declarou Viana.
Ele também estabeleceu conexão entre esse fato e o suposto envenenamento do ex-presidente brasileiro João Goulart.
– Esse tipo de revelação acaba nos levando a dar certa credibilidade, por exemplo, à suspeição de que Jango (João Goulart) possa ter sido envenenado. E outra coisa, não podemos tratar com descrédito certas coisas que são ditas sobre aquele período. Fiquei surpreso – disse ele, para quem é preciso também identificar os brasileiros que colaboraram com a ditadura chilena.
Suzana Lisbôa, ex-presa política e integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, também criticou o episódio.
– É chocante. Com tantos anos debruçada sobre os crimes cometidos naquele período, a sanha assassina da ditadura militar brasileira ainda me surpreende. É por coisas como essas que os crimes não podem ficar impunes – avaliou Suzana.
O Instituto Butantan informou que não possui um arquivo que contenha algum indício sobre suposta exportação de toxina ou anatoxina botulínica para o Chile nas décadas de 1970 e 1980. O Ministério da Saúde também informou não possuir registros de remessas a Santiago de alguma toxina.
Os indícios de que o Chile tenha fabricado armas químicas aumentaram com o depoimento do agente da Direção de Inteligência Nacional (Dina) Michael Townley, organizador de um atentado em Washington, que confessou a promotores nos Estados Unidos que se dedicava “de forma quase exclusiva ao desenvolvimento de gases sarin, tabun e elementos de alta toxidade”. (O Globo)