Partidos nascem para virar moeda de troca, diz novo procurador eleitoral
Recém-chegado ao Ministério Público Eleitoral, o procurador Eugênio Aragão assumiu o posto no último dia 18 mostrando-se disposto a frear a farra da proliferação de partidos políticos. A iniciativa chega no momento em que o Brasil acaba de ganhar duas novas legendas – PROS e Solidariedade – e caminha para atingir a 33ª agremiação, caso a Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva, receba o aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nomeado pelo procurador-geral Eleitoral e da República, Rodrigo Janot, Aragão quase frustrou as expectativas do deputado federal Paulinho Pereira em criar o Solidariedade: às vésperas de o TSE julgar o registro da sigla, pediu que a Polícia Federal (PF) investigue a suspeita de fraude no processo de coleta de assinaturas. As denúncias, no entanto, não impediram que o partido fosse homologado.
O vice-procurador eleitoral também trouxe dificuldades à Rede, ao emitir um parecer no qual diz que a legenda não demonstrou o caráter nacional exigido. Pela lei eleitoral, são necessárias ao menos 492 000 assinaturas coletadas em nove estados.
O novo procurador eleitoral avalia que o sistema atual está impossibilitado de controlar a veracidade dos milhares de apoios e – o mais preocupante – a multiplicação de partidos pode servir apenas como mais um processo de barganha: “Como eles não têm chance de chegar ao poder, os partidos nanicos servem de moeda de troca. E aí eles são, talvez, o pivô de todo o problema de improbidade dentro do processo eleitoral”, afirmou Aragão, que ressalta ainda o risco de fragilização da democracia diante da facilidade de se montar novas legendas. Confira outros trechos da entrevista ao site de VEJA:
Qual a maior dificuldade do sistema eleitoral atual? É triste dizer isso: tudo. Tem doação oculta, gastos não contabilizados, abuso de poder econômico-político. Tem de tudo que se possa imaginar e é muito difícil fiscalizar porque, como as eleições são concomitantes e têm uma extensão enorme, é necessária uma máquina gigantesca para fazer um tipo de escrutínio como esse para saber o que está acontecendo. A Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral são extremamente pobres em termos de estrutura. A gente também não pode querer dar passos maiores que nossas pernas. Mas algumas coisas são muito preocupantes, como a criação de partidos políticos com esses apoiamentos que tivemos agora.
Por que o processo de criação de novos partidos é preocupante? É uma massa de informação que não é fácil de administrar em lugar nenhum. Como se controla se 492 000 assinaturas são legítimas, expressam realmente um apoio sincero de quem assinou? Uma coisa é você ser obrigado a ir até o partido ou ao cartório mostrar o seu apoiamento. Outra é estar em uma fila de supermercado e vem um sujeito com uma prancheta pedindo para assinar. Qual é a sinceridade de um apoiamento desse? Seria diferente, por exemplo, e essa é uma proposta que defendo, se fosse criado um processo pelo qual o apoiamento tivesse de ser colhido no cartório eleitoral. O eleitor teria de se dirigir até a sua zona eleitoral e lá preencher um formulário que imediatamente seria colocado no sistema e computado. Isso sim seria um apoio sincero.
Mas isso não sobrecarregaria os cartórios? Acho que não. No caso do Rede Sustentabilidade, eles começaram a coleta em março e terminaram em setembro. Com esse pequeno período para conseguir as assinaturas, é possível mostrar que não vai abarrotar nenhum cartório. Em princípio, há um espaço suficientemente grande para não dar tumulto. Mas tem de fazer com que essas pessoas tenham um mínimo de ônus até para que as novas agremiações sejam levadas a sério.
Um sistema que dependesse da participação ativa dos brasileiros não dificultaria a criação de novos partidos? Não é para se facilitar a criação de partidos. Um partido político é uma instituição permanente que deve expressar uma corrente representativa dentro da sociedade. Não é uma coisa qualquer. Está se criando uma estrutura que deve estar ali para participar da história política do país. Hoje simplesmente criam-se partidos a torto e a direito. Desses partidos, alguns têm chances de competir, mas outros não têm a mínima condição de chegar ao poder – são partidos nanicos e servem de moeda de troca. E aí eles são, talvez, o pivô de todo o problema de improbidade dentro do processo eleitoral. Um partido desse passa a ser um joguete para atitudes clientelistas.
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Qual será o impacto político desses novos partidos? Aqui no Brasil, esses partidinhos não vão moldar nada. Eles vão perpetuar práticas deletérias extremamente condenáveis. Eu acho que a gente tem de ter consciência disso na hora em que aprova novos partidos.
E quais interesses estão por trás dessa proliferação? A pessoa que cria um partido, pela lógica da ciência política, quer o poder. Política é a arte de se chegar ao poder. Então, se uma pessoa cria um partido sabendo que não tem a mínima chance de chegar ao objetivo, ela quer que o partido seja uma barganha de poder. Ela quer barganhar com quem pode chegar no poder ou já está lá. Um partido pequeno pode se associar ao maior e fornecer a ele mais tempo de exposição na propaganda televisiva e de rádio e garantir um fundo partidário mais recheado. Acaba sendo uma moeda de troca, o que não é bom para a democracia.
O argumento é que a existência de inúmeros partidos é uma consequência democrática. Eu não acho que quanto mais partidos, mais democracia. Eu acho que esse é um raciocínio muito limitado. A democracia tem de partir do princípio de que as correntes de opinião na sociedade estejam representadas. E, trinta e três correntes de opinião, sendo que talvez duas sejam relevantes e o resto é brincadeira, não é necessariamente um sinal de democracia forte. A fragmentação fragiliza a democracia.
Qual o limite para permitir a criação de novos partidos? O senhor pretende dificultar esse processo? Eu e todo o Ministério Público sustentamos que não se deve transformar a criação de um partido na criação de um clube. Mas é claro que nossos meios são muito limitados. O TSE mostrou no Solidariedade e no PROS que no procedimento de registro há uma margem muito pequena para negar o registro, mesmo se os apoiamentos e as condições forem mal feitas e se houve falha no processo. O que se pode fazer depois é recorrer à Polícia Federal para investigar as fraudes, mas isso não inviabiliza o partido. A carta democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA) diz claramente que a democracia pressupõe partidos fortes. Acho que a gente tem de agir dentro dessa linha programática. Um sistema democrático de partidos frágeis é um sistema que está sujeito a práticas não muito probas na vida política – ele contamina a qualidade ética da política.
O senhor acha que a Rede vai ser aprovada? Diferentemente do PROS e do Solidariedade, o partido de Marina não conseguiu o mínimo de assinaturas. A Rede, pelo menos, eu não vi nenhuma suspeita de fraude. Ao que parece, é um processo liso e que houve um filtro ético muito grande. Mas eu acho que a Marina começou tarde. A gente não tem de flexibilizar normas para facilitar o patamar legal só porque ela é legal. A gente não pode fazer as coisas de qualquer jeito, porque nós estamos criando uma estrutura séria de poder no país. Pessoalmente, eu posso até fazer votos de que ela consiga. Mas, como Ministério Público Eleitoral, eu tenho o dever de fazer com que a lei seja cumprida.
O senhor, então, vê a Rede como uma causa perdida? Não. Depois que aprovaram o PROS e o Solidariedade, acho que seria de se esperar que aprovasse a Rede também. Eu tenho um sentimento de justiça de que já que os outros conseguiram, e conseguiram de um modo bastante questionável, não permitir isso para a Rede pelo menos não soa para o leigo como uma medida justa.
Como essa multiplicação de partidos muda o cenário de 2014? Essa eleição é uma caixa de surpresas. Nós temos hoje pelo menos quatro candidatos viáveis. Nesse contexto, a existência de partidos pequenos, sem identidade clara e sem chances reais de chegar ao poder, se presta como um instrumento para ganhar apoio. Esse é o jogo democrático, mas isso é ruim para o eleitor, porque em última análise não está em jogo nenhum programa, não está em curso uma visão de mundo. Não existe nesse discurso nada de substancial, até porque a gente sabe que na hora de ir para a governança os grupos governam de uma forma muito parecida.
Em um momento em que já começam as movimentações eleitorais, como caracterizar o que é propaganda antecipada? Quando o Congresso Nacional decidiu que se pode admitir a reeleição para cargos executivos sem desincompatibilização, a propaganda antecipada passou a ter uma linha muito tênue de distinção com a propaganda institucional. Não se sabe exatamente onde é o limite. A gente não pode nem exacerbar a interpretação de que se trata sempre de propaganda antecipada, mas também não podemos permitir que através do uso da máquina de comunicação da administração se crie uma situação de vantagem para o governo. Eu gostaria que fosse estabelecida uma definição típica do que a gente entende por propaganda antecipada. Assim, se o candidato não quiser arrumar problema com o Ministério Público, ele já vai saber as regras e vai fazer a sua propaganda de um jeito que não seja interpretada como propaganda política. Essas novas diretrizes estão em estudo.
As mudanças eleitorais dependem de uma legislação nova. Por que a reforma política e eleitoral se arrastam no Congresso? Ninguém corta o galho onde está sentado. É claro que qualquer discussão sobre reforma, se o sistema lhe está favorecendo, se arrasta. Se o parlamentar está muito bem adequado nesse sistema, por que mudar? Existe má vontade dos atores políticos em mexer em um ambiente que eles já estão acostumados a nadar igual peixinho no aquário. Além disso, talvez vão vir novos atores a partir desse processo de reforma política que vão competir com os tradicionais donos da política e que podem tirar o espaço deles. Ninguém gosta de promover uma reforma quando sabe que pode ir contra os seus interesses.