Passado conflituoso entre Omã e Portugal é redescoberto no Brasil
Com a vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808, muitos documentos sobre as relações de Portugal e suas conquistas marítimas ficaram na então colônia e permaneceram aqui até hoje. Foi isso que tornou possível descobrir algumas histórias das disputas de Portugal com países bem distantes do Brasil, como Omã, no Oriente Médio, que também esteve sob domínio luso nos séculos XVI e XVII e manteve disputas na África com os portugueses até o século XVIII.
Algumas destas histórias, contadas em cartas, obras raras e mapas, estão guardadas no acervo do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e foram reveladas por ocasião da visita de uma delegação da Autoridade de Arquivos e Registros Nacionais de Omã em 27 de agosto, acompanhada pela reportagem da ANBA (Agência de Notícias Brasil Árabe).
Não há relatos contínuos do período de dominação portuguesa em Omã, mas os documentos encontrados contam histórias interessantes, como a chegada do explorador português Dom Affonso de Albuquerque a Ormuz, em 1507. É o início da tomada portuguesa do que atualmente compõe o território de Omã.
“Eles saem invadindo, vão tomando tudo e vão saqueando. É um espólio de guerra que compensa [a invasão]. A maior parte dos homens que ia fazer essas conquistas eram mercenários, então, eles guerreavam em troca de cargos, de dinheiro ou de bens. Eles saqueavam e, depois, um era nomeado governador da província, outro alcançava um grande cargo quando voltava a Portugal”, explica Renata Vale, pesquisadora do Arquivo Nacional.
[Affonso Henrique de Albuquerque chegou a Omã em 1507]
Houve uma guerra intensa no porto de Curiate. A conquista de Mascate, hoje a capital omanita, foi sangrenta, conta o relato. Os portugueses seguiram conquistando cidades até tornarem o então reino de Ormuz um domínio de Portugal. “Tem um documento que é muito precioso. Ele fala que se achou ouro, prata, seda, que roubaram marfim, saquearam almíscar. Itens que eram muito preciosos, produtos de alto luxo, que eram produzidos pelo Oriente e tinham alto valor comercial, principalmente na Europa”, conta a pesquisadora.
Na documentação do Arquivo Nacional, consta também um relato sobre as disputas entre portugueses e omanitas na África. “Na documentação manuscrita, nós encontramos alguns documentos sobre Moçambique, inclusive um que é muito interessante, que é uma carta do governador do Rio de Janeiro para o vice-rei do Brasil falando sobre uma frota de navios que traria uma série de produtos de Moçambique. Lá pelas tantas, ele menciona que está muito difícil de fazer a rota porque os ‘bárbaros’, como eles estavam chamando os omanitas, tinham invadido a região de Mombaça [Quênia], a tinham tomado. A região estava em guerra, estava muito difícil, então os navios não estavam conseguindo carregar os produtos, não estavam conseguindo sair, eram saqueados no caminho”, revela Vale.
Esta carta de Luiz Vahya Monteiro a Vasco Fernandes César de Meneses é de 1732, mas as disputas entre portugueses e omanitas por Mombaça já vinham desde 1655, quando Omã iniciou o envio de expedições para o território, que estava sob domínio de Portugal. Portugueses e omanitas brigaram por Mombaça até 1729, quando os árabes expulsaram de vez a coroa portuguesa do território, complicando a navegação lusa na região.
“Há outros documentos também pedindo envio de soldados, envios de tropas, envios de alimentação, de roupas, de armamentos, porque eles (portugueses) estavam em uma guerra furiosa para tentar reconquistar o território de Mombaça contra os omanitas e estavam perdendo a guerra, porque estavam muito mal providos”, completa a pesquisadora.
Além das cartas e relatos das disputas entre portugueses e omanitas, o acervo do Arquivo Nacional guarda mapas antigos mostrando as rotas de navegação dos exploradores lusos e os nomes dos conquistadores daquelas localidades.
Na Biblioteca Nacional, outro local visitado pela delegação de Omã na capital fluminense, no dia 28, o acervo guarda um mapa de Mascate de 1610, mostrando as conquistas de Portugal na região.
Escravos letrados
O Arquivo Público do Estado da Bahia, em Salvador, por onde a missão também passou, no dia 29, guarda outro tipo de documentação rara. Ela não faz referência a Omã, mas mostra um pouco do perfil dos escravos muçulmanos que participaram da Revolta dos Malês, em 1835.
[Foto: trechos do Corão usados como amuletos]
A revolta foi organizada por escravos negros que seguiam o islamismo, então chamados de malês. O objetivo era libertar todos os escravos muçulmanos de Salvador. Os papéis que ficaram da revolta trazem trechos do Alcorão escritos em árabe que eram guardados nos bolsos, como um pedido de proteção.
Chamados pelos historiadores de amuletos, os papeis indicavam que os escravos muçulmanos que participaram do levante eram alfabetizados e com bom conhecimento de teologia.
Eles podem não ter ajudado os malês em sua revolta, mas os amuletos hoje formam um acervo precioso de seis mil páginas deixadas pelos escravos muçulmanos.