Passarela da discórdia: após oito anos de disputa judicial, MP quer que escola de Feira retire equipamento
Em 2021, Colégio Helyos e prefeitura firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC); gestão municipal concederia a licença e colégio custearia requalificação de lagoa, como compensação
Por: Thais Borges
A passarela do Colégio Helyos foi construída em 2017 e está no centro de um imbróglio há oito anos Crédito: Reprodução
Quando os administradores do Colégio Helyos, em Feira de Santana, construíram uma passarela ligando o prédio principal a anexos da escola que ficam em quarteirões diferentes de um mesmo cruzamento, a polêmica na cidade foi grande. A prefeitura dizia que não tinha dado autorização para a obra e o colégio justificava que tinha solicitado as licenças mais de um ano antes, sem resposta. Mas dificilmente seria possível imaginar que a disputa judicial se arrastaria por oito anos.
De lá para cá, as passarelas foram construídas – com 17 metros de comprimento e instaladas a nove metros de altura do chão -, e seguiram as movimentações na Justiça, até novembro de 2021. Naquele ano, município e escola assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e ali parecia que o imbróglio tinha sido resolvido. A prefeitura concederia as licenças de construção e, como forma de compensação à cidade, a escola pagaria pela urbanização da Lagoa do Subaé (totalizando R$ 280 mil).
Só que, agora, três anos depois, o TAC corre o risco de ser anulado após um pedido do Ministério Público do Estado (MP-BA). O impasse ganhou novos contornos no último dia 28 de novembro, durante uma audiência entre o Helyos, a prefeitura de Feira e o MP, na 2ª Vara da Fazenda Pública de Feira, cujo titular é o juiz Nunisvaldo dos Santos.
Na ocasião, de acordo com a ata da audiência, à qual a reportagem teve acesso, o promotor Anselmo Lima Pereira afirmou que a ausência do MP na elaboração do TAC implicaria na nulidade do documento. Além disso, o promotor alegou que o órgão desconhece a existência de uma lei municipal que autorize a utilização do espaço público. Isso, contudo, foi contestado pelas outras partes, que se referiam à lei de uso do solo de Feira de Santana, aprovada em 2018.
“Por outro lado, o representante do referido colégio, bem como a procuradoria municipal, informam a existência da posterior promulgação de lei municipal, aprovada pela casa legislativa, autorizando a utilização do espaço público. Diante do exposto, foi proposto pelo juiz a juntada da lei municipal aos autos, e na sequência aberto vista às partes a fim de oportunizar a elaboração de um novo TAC ou ratificação do já existente”, escreve o magistrado Nunisvaldo dos Santos, no termo de audiência.
Equipamento
No momento da assinatura do TAC, até mesmo o prefeito de Feira de Santana, Colbert Martins (MDB), assinou o documento. Além dele, também participaram da assinatura o diretor do Helyos e seu então advogado, o representante da procuradoria municipal, e os secretários municipais de Desenvolvimento Urbano, Sérgio Carneiro, e de Meio Ambiente, José Carneiro Rocha. Se o TAC não fosse cumprido, foi estabelecida uma multa diária de R$5 mil para cada obrigação não realizada.
E, de fato, o que foi estabelecido no TAC não foi cumprido. Desde novembro de 2021, a prefeitura de Feira não emitiu as licenças e nem lançou edital de licitação para o projeto de urbanização da lagoa, que seria pago pelo colégio.
Ao CORREIO, o diretor do Helyos, Teomar Soledade, disse ver a situação com “muita perplexidade”. “Nós temos um equipamento para servir à nossa comunidade. É um equipamento muito bem instalado, que atende a todas as normas de segurança”, afirma. Para Soledade, a passarela é um benefício para a comunidade. “Em qualquer cidade que você vá que tenha um nível de desenvolvimento, as passarelas estão lá”.
O Helyos é um dos colégios mais tradicionais de todo o estado. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023 – o último a ter microdados divulgados, já que a edição de 2024 só terá resultados anunciados em janeiro -, ficou em segundo lugar no ranking de melhores escolas, atrás apenas do Colégio Bernoulli.
“Nós somos uma instituição de ensino que honra a Bahia. Nossos alunos vão para as melhores universidades brasileiras e no exterior. O colégio está muito bem situado em concursos como o Enem, então, é uma instituição que enobrece Feira de Santana. O que esse pessoal quer? Destruir? Porque se ceder a esse desejo de tirar as passarelas, a gente ficaria numa situação de risco. Não tem como alunos atravessarem a rua”, diz.
A passarela é utilizada por estudantes de todos os níveis de ensino e profissionais da escola, que atende da educação infantil ao ensino médio. Isso porque os anexos contam com salas de trabalho inteligentes, quadras de esporte e até uma vila de cidadania para os alunos mais novos.
“Precisamos de espaços específicos para desenvolver o programa pedagógico. A gente não tem resultados bons por acaso, mas porque tem uma infraestrutura que atende ao projeto pedagógico. O aluno precisa transitar de um espaço para o outro”, reforça Soledade, que enfatiza que o desejo do colégio é o cumprimento do TAC e da sentença judicial.
Em 2022, a desembargadora Lisbete Maria Teixeira Almeida Cézar Santos entendeu que prefeitura e colégio erraram – a primeira por não conceder as licenças e a segunda por iniciar a obra sem autorização. Foi essa sentença o ponto de partida para o TAC.
Consensualidade
Resolver uma disputa com base na consensualidade – ou seja, com um acordo, tal qual o TAC deste caso – é algo relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro.
“A consensualidade já estava prevista no direito brasileiro, mas está sendo utilizada agora com mais força. Não se tinha ousadia de resolver assuntos públicos por meio dela, mas agora tanto entidades privadas quanto públicas estão tomando consciência de que a solução por meio de acordo é válida”, diz o advogado Marcelo Abreu e Silva, presidente da Comissão de Direito Administrativo e Governança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Bahia (OAB-BA).
Segundo ele, não é imprescindível que o MP participe da elaboração de um TAC. As partes poderiam convidar o órgão, mas, por lei, não há essa obrigatoriedade. Além disso, mesmo que não esteja sendo cumprido pelas partes, o TAC ainda é válido. Como uma parte acusa a outra de descumprimento, cabe ao juízo deliberar sobre essa validade.
“Mas não é o fato de o colégio adotar medidas compensatórias que garante que o empreendimento se adequa aos critérios legais. Ele precisa demonstrar que a construção está de acordo com a lei municipal, mas o município não pode ser inerte. Verificar se o particular preencheu os requisitos é dever da prefeitura”.
Na última semana, a reportagem solicitou entrevistas com um representante da prefeitura de Feira e com o promotor Anselmo Lima Pereira, por meio da assessoria de comunicação dos órgãos. Ambos solicitaram que enviássemos as perguntas para serem respondidas por escrito. Não houve resposta até o fechamento da reportagem.