Peça leva público ao futuro e mostra desintegração da União Europeia
O ano é 2060. Em um museu, os visitantes se deparam com relíquias, mapas e reconstituições que contam a história da União Europeia (UE), desintegrada em 2018 após o ressurgimento de uma onda de nacionalismo em vários países do bloco que veio à tona com a grave crise econômica.
Essa visita ao museu é a experiência vivida pelos espectadores de A Casa da História Europeia no Exílio (“Domo de Europa Historio en Ekzilo” no original, em esperanto), uma “peça” sem atores na qual o público é levado ao futuro.
A ideia é do diretor de teatro belga Thomas Bellinck, que queria imaginar como a UE será vista no futuro.
“Como artista, sempre busco uma nova maneira de contar uma história. Tive essa ideia durante uma visita ao Museu do Teatro de Riga (Letônia). Eu era o único visitante. O edifício parecia estar em reforma há anos e havia coisas amontoadas que não estava claro se faziam parte da exposição ou não”, contou em entrevista à BBC Brasil.
“Na minha ficção, estamos em 2060 e o museu, meio abandonado, está em constante reforma, em um prédio meio destruído depois da Terceira Guerra Mundial, quando ninguém mais está interessado na UE”.
Para transmitir essa sensação, Bellinck aproveitou a estrutura de uma escola abandonada em Bruxelas, um edifício dos anos 1960 com salas estreitas, escuras e empoeiradas. Ele escolheu o esperanto como língua para todas as sinalizações do local.
A visita é individual e os visitantes são obrigados a esperar sua vez em uma vetusta sala de espera. Na parede do vestíbulo, um amarelado mapa da União Europeia após sua última suposta ampliação, em 2017, quando a Escócia passou a ser o 33º membro do bloco.
No museu, relíquias que mostram como teria sido a vida, o modo de pensar e o funcionamento da “antiga UE”: um típico quarto de imigrantes ilegais, cartazes extremistas, uma sala repleta de cartões de visitas de lobistas, um espremedor de cítricos na forma da cabeça da chanceler alemã, Angela Merkel, uma foto do último líder da extinta União Soviética, Mikhail Gorbatchev, como garoto-propaganda da grife de luxo Luis Vuitton.
Com exceção dos mapas, todos os objetos reunidos no local são reais ou uma reprodução caricatural da realidade.
Ao final da exposição, um cartaz explica que antes de sua dissolução, entre 2009 e 2015, a UE teria vivido uma onda de suicídios provocada pelas “medidas draconianas de austeridade que cobraram um pesado tributo” para salvar o bloco da crise econômica.
A mostra termina em um sala escura, onde a única luz que entra por uma pequena janela ilumina uma carta escrita pelo criador do museu fictício a um desses “suicidas da crise”, uma pessoa real, pai de um grande amigo de Bellinck, falecido em 2012.
O texto lamenta que o homem tenha sido “vítima de uma sociedade que precisa ser reformada”. O artista deseja que ele se esteja melhor, “em um lugar sem bancos ou empréstimos”.
‘Brincar com a realidade’
Desde sua concepção até a instalação dos objetos, o projeto levou um ano para ser concluído.
Bellinck mergulhou na leitura de livros sobre a UE e entrevistou deputados europeus, lobistas, cientistas políticos, historiadores e uma agência belga de prevenção de suicídios.
“Não quero dizer que eu sei tudo sobre a UE. Ao contrário: tenho muitas questões e quero compartilhar isso com os outros”, afirmou à BBC Brasil.
É isso que ele faz de trás de um bar instalado ao final da exposição, onde recebe pessoalmente cada visitante.
“Dessa experiência, aprendi que nós, europeus, não recebemos educação sobre a UE, não temos certeza de como ela funciona. Por isso as pessoas saem dessa exposição sem saber o que é real ou não. É divertido brincar com a realidade”, contou ao servir uma taça de vinho.
Fonte: BBC Brasil