Entre 2021 e 2022, quatro pesquisadores ligados à Universidade Federal da Bahia (Ufba) percorreram cerca de 10.500 quilômetros para visitar 50 cavernas e carste em 30 municípios de diferentes regiões do estado. Carste (que deriva do alemão karst) é o nome dado às formações rochosas que definham com o passar do tempo, em função da ação de substâncias químicas.
Boa parte do tempo de viagem foi usada para analisar como essas cavidades subterrâneas se integram nos sistemas ecológicos locais e regionais. Seja no curso das águas que saem de grutas do oeste baiano para aumentar o volume de água no Rio São Francisco, seja para avaliar as rochas carbonáticas, material fundamental para a fabricação de cimento e altamente vinculado às jazidas de petróleo e gás natural.
O resultado do trabalho de dois anos foi publicado em dezembro no e-book Cavernas e carste em rochas carbonáticas na Bahia, assinado pelos pesquisadores Ricardo Fraga Pereira, Tarsila Carvalho de Jesus, Carlos Gleidson da Purificação e Leo Ferreira. Um livro dedicado à disseminação de informações sobre a espeleologia – ciência que se dedica ao estudo das cavidades naturais subterrâneas – na Bahia.
O projeto foi financiado com recursos da Vale transferidos ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da biodiversidade (ICMBio).
“A gente inscreveu uma proposta para mapear e reconhecer as regiões com cavernas do Estado da Bahia para ajudar a legislação brasileira que regulamenta essa questão do patrimônio espeleológico”, afirma o coordenador do projeto, o oceanógrafo e geólogo Ricardo Fraga, professor do Instituto de Geociências da Ufba, que tem doutorado no Programa de Patrimônio Geológico e Geoconservação da Universidade do Minho em Braga, Portugal.
A legislação brasileira, através do Decreto nº 6.640/2008 instituiu formas de compensação de danos ambientais relacionadas à conservação do patrimônio espeleológico no rito do licenciamento ambiental. “Esse decreto coloca que as cavernas devem ser analisadas com enfoque local e regional, mas não especifica qual é o enfoque regional. A nossa pesquisa surgiu daí”, afirma Fraga.
O grupo visitou províncias geológicas em diferentes regiões, começando pela Província Canudos, no nordeste do estado, entre Paripiranga e Curaçá. No sul da Bahia, os pesquisadores estiveram na Provincia Rio Pardo, na região do Rio homônimo.
“Ali há cavernas no primeiro território indígena reconhecido do Brasil, a Terra Indígena Caramuru/Paraguaçu. Inclusive há uma variedade de rochas carbonáticas que é uma coisa bem interessante”, afirma Fraga.
Petróleo
Rochas carbonáticas são pedras sedimentares compostas por materiais como calcário e dolomito. Alguns estudos apontam a importância econômica desse tipo de material, recorrente em jazidas de hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural.
“Rochas carbonáticas abrigam os maiores reservatórios de petróleo do mundo. Boa parte do petróleo do pré-sal está em rochas carbonáticas. O petróleo do Oriente Médio também”, explica o professor.
Fraga assinala que, inclusive, uma das principais razões pelas quais se estudam as rochas é a tentativa de entender como funcionam esses grandes reservatórios de petróleo. “Porque as maiores reservas do Brasil estão no fundo do mar, onde não temos acesso”, explica o professor.
Fraga destaca ainda outras propriedades desse tipo de material. “As rochas carbonáticas têm uma utilidade muito grande para a sociedade. São rochas utilizadas na fabricação de cimento. Em regiões com solos ruins, o calcário moído também pode ser usado na correção de terrenos”.
Outra província visitada pelos pesquisadores foi a do grupo hidrogeológico Bambuí, no oeste baiano. às margens do Rio São Francisco. “É uma região de muita importância, pois ali estão reservas de água que abastecem o rio, que garantem que ele atravesse todo o semiárido baiano com volume de água”, explica Fraga. Além disso, o grupo visitou cavernas na região dos municípios de Cocos e São Desidério, e três outras províncias geológicas na região da Chapada Diamantina.
Integrante do projeto, o geólogo Carlos Gleidson da Purificação destaca a importância da pesquisa feita pelo grupo e a sua aplicabilidade. “Ainda hoje, com os processos de licenciamento para projetos de energia eólica e solar, temos uma carência na parte de caracterização do terreno, ligada ao meio ambiente, ao entendimento dos impactos. Muitas dessas atividades estão ligadas a ambientes que possuem cavidades naturais”, aponta o geólogo.
Pinturas rupestres
Ao falar sobre o desenvolvimento e as potencialidades das energias renováveis na Bahia, o pesquisador assinala que o estado tem uma enorme variedade de cavidades subterrâneas, que ocupam quase 15% da área territorial do estado, e muitas delas em regiões com presença de parques eólicos ou de placas fotovoltaicas. “São cavernas que têm uma história importante, inclusive com pinturas rupestres”, destaca o geólogo.
Ele também afirma que o projeto reuniu, ao longo de dois anos, “um arsenal de informações” que pode subsidiar legislações futuras sobre o uso do subsolo brasileiro.
Mestre pelo programa de pós-graduação em geologia da Ufba, Carlos trabalha no mesmo laboratório do professor Ricardo Fraga, o Núcleo de Estudos Hidrogeológicos e do Meio Ambiente (Nehma).
O Anuário Estatístico do Patrimônio Espeleológico Brasileiro de 2022 aponta que, com cerca de duas mil cavidades naturais em seu território, a Bahia é o terceiro estado em número de cavernas, superado por Pará e Minas Gerais.
Além do e-book, o levantamento feito pelos pesquisadores baianos rendeu também um artigo científico na Revista Brasileira de Espeleologia sobre o potencial turístico das regiões que possuem cavernas no estado.
“Nós contamos no projeto com o apoio inestimável de grupos de Espeleologia em várias regiões, o grupo de Paripiranga, o Grupo Araras, de Ituaçu, o de Ilhéus e o de Itabuna, por exemplo. Essas pessoas além da grande ajuda que nos deram são fundamentais para a preservação de nossas cavernas”, destaca Fraga. O download do livro pode ser feito gratuitamente no site da Editora Iabs, mantida pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Iabs). O endereço é editora.iabs.org.br