PM do DF apostava em insurgência popular para manter Bolsonaro no poder, diz PGR

 

A Polícia Federal prendeu nesta sexta-feira (18) integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, incluindo o comandante da corporação, denunciados sob acusação de omissão no dia dos ataques golpistas de 8 de janeiro aos prédios dos Três Poderes.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) afirma que a cúpula da PM-DF estava “contaminada ideologicamente” e apostou em uma insurgência popular para que Jair Bolsonaro (PL) fosse mantido no poder.

As informações foram utilizadas pela Procuradoria para pedir a prisão do atual comandante Klepter Rosa Gonçalves e do ex-comandante Fabio Vieira, além de outros três militares que ocupavam cargos de chefia da PM-DF no 8 de janeiro: Paulo José Ferreira Sousa Bezerra, Marcelo Casimiro Rodrigues e Rafael Pereira Martins.

Houve pedido ainda para manter a prisão de outros dois policiais que já estavam presos: Flávio Silvestre de Alencar e Jorge Eduardo Barreto Naime.

Klepter Gonçalves assumiu o comando da PM após o 8 de janeiro, escalado pelo interventor na segurança pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, para assumir a posição de forma interina —ele tinha sido responsável pela atuação do efetivo policial na posse do presidente Lula (PT).

Klepter foi o responsável por autorizar dias de folga do coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, então chefe do Departamento Operacional da corporação, no dia 8 de janeiro.

Naime era o chefe do setor responsável por elaborar o plano de segurança na capital federal para evitar os ataques golpistas. Ele foi exonerado do posto após os atos antidemocráticos, denunciado pela PGR e está preso após ser alvo da operação Lesa Pátria.

Embora as investigações sejam conduzidas pela PF, por ordem de Alexandre de Moraes, foi a PGR comandada por Augusto Aras que solicitou as prisões cumpridas nesta sexta-feira e denunciou os policiais militares.

A cúpula da PM da capital federal entrou na mira dos investigadores antes mesmo do 8 de janeiro. Ainda em dezembro de 2022, quando bolsonaristas tentaram, no dia 12, invadir o prédio da Polícia Federal, a corporação foi criticada por demorar a agir.

Já no 8 de janeiro, a PM, segundo os investigadores e autoridades federais, deveria ter feito um bloqueio para evitar a entrada dos golpistas acampados no Quartel-General do Exército na Esplanada dos Ministérios.

Como os bloqueios feitos foram frágeis, os bolsonaristas conseguiram acessar a Praça dos Três Poderes para invadir e depredar o Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal.

Para a Procuradoria, a ação se deu devido à contaminação política da cúpula da corporação e a adesão dos comandantes das tropas a “teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas”.

Como exemplo de como os policiais estavam inseridos no contexto de politização, a PGR elenca mensagens trocadas entre os policiais no período eleitoral. Nelas, os integrantes da cúpula da PM disseminaram notícias falsas, com viés golpista, e teses conspiratórias sobre fraudes em urnas eletrônicas.

“Contextualize-se que as desinformações que circulavam entre o alto oficialato da PM-DF demonstravam expectativa de mobilização popular para garantir Bolsonaro no poder, em desrespeito ao resultado das eleições presidenciais”, diz a PGR.

Um dos conteúdos citados pelos investigadores é um vídeo sobre suposta fraude nas urnas enviado por Rodrigues ao então comandante da PM Fabio Vieira. Mesmo se tratando de notícia falsa, Vieira afirma que “a cobra” iria “fumar”.

Em 1 de novembro, Rodrigues envia outra mensagem para Vieira com um quadro sobre alternativas para sucessão presidencial. Entre as apontadas estão a aplicação do artigo 142 da Constituição Federal, uma intervenção militar e uma intervenção federal por iniciativa militar.

Dias depois, em 6 de novembro, os dois PMs conversam novamente sobre um vídeo em que uma pessoa fala da entrega do “relatório final das eleições” e suposto pedido de anulação do pleito.

Vieira, diz a PGR, teria respondido que “assim não vai passar” e pontuou na mensagem que os órgãos eleitorais tiveram o “descaramento de fraudar que em uma urna um candidato somente tenha recebido zero votos”.

“Do comentário derradeiro de Fabio Augusto Vieira extrai-se a conclusão de que os interlocutores trocavam as mensagens por serem adeptos de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais, ansiando por providências que pudessem levar à subversão do resultado das urnas”, diz a PGR.

De acordo com a Procuradoria, o “estado anímico” dos policiais militares “refletia os anseios de uma parcela minoritária da população brasileira”.

“Igualmente insatisfeitos com o resultado da eleição presidencial, milhares de indivíduos se juntaram aos acampamentos instalados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, em diversas unidades da Federação e notadamente em Brasília. Tais sujeitos insuflavam as Forças Armadas à tomada do poder”.

Outro motivo para as prisões, diz a Procuradoria, foi o fato de a cúpula da PM ter recebido informações de inteligência sobre a possibilidade de ataques aos prédios públicos antes do 8 de janeiro.

As informações, diz, “indicavam as intenções golpistas do movimento e o risco iminente da efetiva invasão às sedes dos Três Poderes”.

“Segundo as provas existentes, os denunciados conheciam previamente os riscos e aderiram de forma dolosa ao resultado criminoso previsível, omitindo-se no cumprimento do dever funcional de agir”, disse a PGR em nota.

“Todos os denunciados, reitere-se, detinham capacidade de interromper o curso causal, por ação individual, dado o potencial exercício de poderes de comando, ou conjunta. Abstiveram-se, pois estavam conluiados para que se permitisse a materialização dos atos antidemocráticos.”

Para sustentar a tese de que a PM recebeu informações de inteligência sobre a possibilidade de ataques, a PGR cita o depoimento de Saulo Moura da Cunha, então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Segundo ele, os integrantes da cúpula da PM receberam centenas de informações e alertas de inteligência sobre os riscos relacionados ao 8 de janeiro.

A PGR, com base nos relatos de Saulo, afirma que “houve tempo hábil para ação de cada um deles, dentro de suas respectivas atribuições e que, caso não tivessem se omitido, os resultados lesivos ocorridos em 08 de janeiro de 2023 teriam sido evitados”.

A defesa de Paulo Bezerra afirmou que seu cliente colaborou com as investigações e “sempre se colocou à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos”.

Em nota, os advogados Thiago Turbay e João Paulo Boaventura, defensores de Fabio Vieira, manifestaram “absoluta preocupação a incorreção conceitual e a aplicação metodológica equivocada da teoria da omissão imprópria”, motivo alegado pela PGR para a prisão.

As defesas dos demais acusados foram procuradas, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.

 

Fabio Serapião/Folhapress

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