PMs são obrigados a vigiar obra feita por empresa de tenente-coronel

Desde 2017, uma viatura faz a segurança da construção, situada no Sol Nascente, 24 horas por dia. Tudo chancelado pelo comando da corporação

Igo Estrela/Metrópoles

Desde o fim do ano passado, uma viatura da Polícia Militar do Distrito Federal se posiciona diuturnamente em frente a uma obra no Sol Nascente, em Ceilândia. Apesar da presença de homens fardados, eles não estão ali para proteger os moradores da segunda maior favela da América Latina.

Conforme denúncias da população e dos próprios PMs, o objetivo é evitar que os materiais da construção sejam roubados ou furtados. O canteiro de obras é administrado pela Israel Construções Eireli, pertencente ao tenente-coronel reformado do Corpo de Bombeiros Cleiton Nunes Marocollo. A empresa do oficial foi contratada pelo GDF para erguer 161 casas populares na região. Pelo serviço, receberá R$ 13,3 milhões.

A viatura nº 2.973 teria iniciado o plantão no local após o registro de roubo de materiais, em novembro de 2017. “Desde então, os policiais chegam ao endereço todos os dias e estacionam o carro próximo a uma árvore ou no matagal. Quando uma equipe vai embora, meia hora depois chega outra. A obra não fica sem segurança”, contou uma mulher que preferiu não se identificar.

A casa e o comércio de outra moradora ficam uma quadra acima da construção. Ela reclama da insegurança e dos crimes sem solução que ocorrem no local. “Como a viatura só fica lá embaixo, nas quadras residenciais nada mudou. Outro dia, tentaram entrar na minha casa pelo telhado e ninguém viu. A viatura estava lá no momento em que isso aconteceu, mas não adiantou nada. O meu comércio já foi assaltado três vezes. A segurança para os moradores não existe”, desabafou.População desassistida
A vizinhança pede explicações. “A gente sabe que eles estão lá, mas isso não melhora em nada a vida da gente. Ainda não conseguimos descobrir como um carro da PM e dois militares estão disponíveis 24 horas para ficar em uma obra e a população desassistida de segurança pública. É chocante a polícia não perceber que estão deixando a população à mercê de bandidos”, comentou um mecânico que trabalha no Sol Nascente.

As equipes são compostas por dois policiais. Durante uma semana, o Metrópoles acompanhou o trabalho e comprovou que eles estacionam embaixo de uma árvore próximo à obra, mas distante das residências. A equipe permanece até a troca de turno. Os horários são de 4h às 12h; de 13h às 20h e de 20h às 4h.

O efetivo é composto por militares do 8º e do 10º Batalhão da PMDF, ambos localizados na maior e mais populosa Região Administrativa do DF. Alguns falaram com a reportagem na condição de anonimato, a fim evitar represálias. Para eles, o serviço que exercem é idêntico ao de segurança privada.

A determinação é permanecer lá sem atender ocorrência. Tem uma equipe que recuperou um carro roubado e foi reprimida verbalmente pelo oficial, pois temos ordem para não sair do posto. Se acontecer alguma coisa, a determinação é manter-se na obra e pedir reforço

Policial militar que preferiu não se identificar

Outro policial destacou que o problema já foi denunciado. “O mais grave é que a Corregedoria sabe de tudo. O mesmo acontece na Feira do Produtor de Ceilândia e em uma universidade particular”, disse.

A reportagem teve acesso à ordem de serviço destinada ao local. No documento, assinado pelo tenente-coronel Alcenor dos Santos, do 2º Comando de Policiamento Regional Oeste, a determinação é para que a equipe, de fato, mantenha-se fixa no canteiro de obras. Veja:

REPRODUÇÃO

Reprodução

Ordem de serviço da PMDF

 

PMDF e Codhab não veem problema
Em nota, a Polícia Militar admitiu fazer a segurança da obra e garantiu tratar-se de uma ação que visa o interesse da sociedade. “A PMDF tem realizado pontos-base no local a fim de garantir as ações de Estado que vêm sendo desenvolvidas na região, dentre elas, a construção de habitações populares que atenderão à população”.

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) informou ter pedido policiamento exclusivo na obra, justificando insegurança. “Devido aos casos de depredação e roubo, o governo optou por reforçar o policiamento, visto que é de interesse público que as obras sejam finalizadas e atendam à população”, respondeu, por meio de nota.

Ainda segundo a Companhia, as 161 casas devem ficar prontas em junho. O contrato entre o Executivo local e a Israel Construções é de R$ 13.352.356,84. A reportagem entrou em contato três vezes com a construtora. Um funcionário que preferiu não revelar o nome anotou os números da redação e prometeu retornar o contato, o que não ocorreu até a última atualização desta matéria.

Para a especialista em segurança pública e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelle Figueira, o problema não é a viatura ficar plantada na obra, mas, sim, a ausência de policiamento em outras localidades do Sol Nascente. “Se a construção é financiada com recursos públicos, não vejo problema de a PM manter uma base fixa nas proximidades, desde que a corporação tenha efetivo suficiente para oferecer segurança de qualidade aos outros moradores da região”, ponderou.

Colaborou Saulo Araújo

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