Poetas e poesias de ontem e hoje
Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira foi um notável poeta brasileiro, conhecido por integrar o movimento modernista de 1922 com uma poesia que destacava a temática regional de sua terra. |
Eu era adolescente, dava os primeiros passos, no salutar hábito da leitura. Corria os sebos do Recife a procura de alguns livros de Jorge Amado, Lima Barreto e Graciliano Ramos. Pechinchava no preço, qualquer desconto servia para pagar a passagem do bonde.
Ascenso Ferreira já estava consagrado como poeta, não só em Pernambuco, no Brasil todo. Figura conhecidíssima na cidade. Alto, corpulento, pesava uns 150 quilos, chapéu de abas enorme, só ele usava um chapéu daquele porte. Era cumprimentado por todas as pessoas, humildes ou não. Ouvi declamar diversas vezes, a sua produção poética: “Eu gostava muito quando ele declamava vou embora pra Catende com vontade de chegar”.
Após fixar-me definitivamente no Rio de Janeiro, sempre que voltava a terrinha, procurava me inteirar da vida cultural da Cidade, estava sempre perguntando pelo poeta. Alguém me informou: “a noitinha ele está sempre no restaurante Lero-lero”, na pracinha. Numa dessas idas vejo o poeta sentado no restaurante, contemplando o tempo, mesa limpa, cadê a cerveja? E o file mignon? Aproximei-me: “Ascenso meu poeta – vou embora para Catende com vontade de chegar”.
Puxei a cadeira, sentei-me. Poeta, podemos tomar uma cerveja antes do jantar, você é meu convidado. Ele se abriu, tomou fôlego impostou o vozeirão:
“A vida é uma promissória, Que tem Deus como avalista.
Venceu. Não há moratória.
O pagamento é a vista”.
Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira e Mário de Andrade na fazenda de Tarsila do Amaral em Santa Teresa do Alto, São Paulo, 1927. |
Poema: “Oropa, França e Bahia” (Romance)
Autor: Ascenso Ferreira
Para os 3 Manuéis: Manuel Bandeira Manuel de Souza Barros Manuel Gomes Maranhão Num sobradão arruinado, |
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
( “para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar”).
…Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!
Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar…
A vida de Manuel,
que louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de “Oropa, França e Bahia”!
— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!
Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim…
Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
“De Oropa, França e Bahia”…
— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim…
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!
“Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus…”
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.
“Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são”…
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão…
Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul…
— Ah! Seu Manuel, isso chega…
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.
— “Onde vais mulhé?”
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá…”
Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás…
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo…
De “Oropa, França e Bahia”!
Nadavam de mar em fora…
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia…
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!
De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia…
Seu Manuel era um “Boi Morto”,
Maria, uma “Cotovia”!
E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?
— continuam mar em fora,
navegando noite e dia…
Caminham para “Pasárgada”,
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!
— As eternas naus do Sonho,
de “Oropa, França e Bahia”…
Solano Trindade, nasceu no Recife (PE) em 24 de julho de 1908, foi poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta. No ano de 1934 idealizou o I Congresso Afro-Brasileiro no Recife. Faleceu na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, no dia 19 de fevereiro de 1974. |
Companheiro de gostosos papos poéticos e políticos, melhor ainda se fossem regados à cerveja bem gelada, e tira gosto de batatas fritas feita na hora, como ele gostava.
O sabor dos papos eram mais gostosos se tivessem como cenário o “11 da ABI”, da ABI que trazíamos no coração. Ai daquele que falasse mal da Casa da Liberdade em nossa presença.
No “11 da ABI”, ele costumava chegar antes de mim, e se por um motivo ou por outro não pudesse, ou estivesse muito atrasado, o saudoso Jorge Viana, funcionário exemplar da Casa e “dono do 11”, me passava o recado.
Saudade, muitas saudades de Solano Trindade, meu grande amigo, grande poeta, grande copo.
Autêntico Poeta do Povo, morador de Caxias, e passageiro diário de seus trens.
TEM GENTE COM FOME (Solano Trindade)
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
Há pouco no Recife, na capital do Frevo, no seu Quartel General, no bairro de São José, num boteco simples, meia dúzia de mesas, duas ou três do lado de fora, numa, uma escultura muito bem trabalhada, me chama a atenção.
Em cima de uma mesa, a estátua de corpo inteiro, lá está Solano Trindade, braço para o alto, sua Cidade natal não o esqueceu.
Comovido fiquei, a lembrança e a sensibilidade do Poder Público recifense, interpretando o sentimento popular dos seus habitantes, ergue, num simples boteco, um monumento em homenagem ao seu grande filho.
Saudades também dos memoráveis pileques no “11 da ABI”. Quando se andava pelas ruas do Centro da Cidade Maravilhosa, altas horas da noite, absolutamente despreocupado.
Solano, inaugura esta sessão de ‘POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE’, que a TRIBUNA DA IMPRENSA ONLINE presenteia aos seus leitores a partir de agora.
Um abraço para todos os internautas.
Boa Leitura!
POEMA AUTOBIOGRÁFICO (Solano Trindade)
“Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs…
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador…
Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras…
Obedeci ao chamado das sirenes…
Morei num mucambo do “”Bode””,
E hoje moro num barraco na Saúde…
Não mudei nada…”
CANTO DOS PALMARES (trechos)
“Ainda sou poeta
meu poema
levanta os meus irmãos.
Minhas amadas
se preparam para a luta,
os tambores
não são mais pacíficos
até as palmeiras
têm amor à liberdade”.