População indígena da Bahia quase quadruplicou em 12 anos

Confira as razões desse aumento que colocou o estado como o 2° no ranking nacional

Gil Santos

Indígenas baianos acompanharam divulgação do Censo no Instituto Anísio Teixeira. Crédito: Ana Albuquerque/CORREIO

Faz quatro anos que o músico Josuel Kireymbab, 34 anos, deixou o povo Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, e mudou para Salvador. Ele mora em Colinas de Periperi e é um dos 229 mil indígenas identificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) na Bahia. O número de pessoas autodeclaradas quase quadruplicou no estado, 2ª maior população do Brasil, e Salvador é a 2ª capital do país em números absolutos.

Nesta segunda-feira (7), o IBGE apresentou os primeiros dados sobre a população indígena coletados durante o censo demográfico de 2022. O principal destaque foi para o crescimento na quantidade de autodeclarações. Em 2010, data do último censo, cerca de 60.120 pessoas disseram ser indígenas. Agora, são 229.103. O estado saiu da 4ª posição e ultrapassou Mato Grosso do Sul e Pernambuco.

A coordenadora do censo na Bahia, Mariana Viveiros, listou alguns fatores responsáveis por esse crescimento. O primeiro, está relacionado com a ampliação na pesquisa. Antes de mandar os recenseadores para as ruas, o IBGE procurou instituições e lideranças indígenas e mapeou áreas da Bahia em que há ocupação de povos tradicionais ou indícios de que eles viveram naquele local.

“Quando os moradores dessas regiões respondiam à pergunta sobre cor ou raça, e não se identificavam como indígena, abria uma pergunta de cobertura. ‘Você se considera indígena?’. Isso foi muito importante, porque percebemos que faltava uma compreensão das pessoas em relação a etnia. No total, 63% das que se autodeclararam indígenas fizeram isso apenas ao ouvir a pergunta de cobertura. Em Salvador, foi 80%”, explicou.

O segundo fator levantado pela pesquisadora foi a decisão de fazer um treinamento extra para os recenseadores que aturam nessas comunidades e a parceria com instituições e lideranças locais, o que facilitou a aproximação com os povos. O terceiro, foi o aumento demográfico. Os dados sobre as taxas de natalidade e fecundidade ainda não foram divulgados, mas é sabido que a população cresceu dentro e fora das terras demarcadas.

O quarto elemento é o aumento da oferta de políticas públicas voltadas para a população indígena, tais como cotas em concursos, universidades e programas assistenciais, o que pode ter estimulado as pessoas a se autoafirmarem. A titular da Secretaria da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi), Ângela Guimarães, destacou que a identificação dessa população é indispensável para pensar as ações do Estado.

“Nós temos o histórico no Brasil de desqualificar os segmentos historicamente racializados, como a população negra e os povos indígenas. São populações vítimas de um massacre e a não afirmação da sua identidade ocorre por conta do racismo, desmerecimento e inferiorização, por isso, a metodologia de fazer a segunda pergunta foi importante. É uma mudança cultural estimulada também pelas políticas públicas”, disse.

Ela frisou que o acesso a pautas identitárias como, por exemplo, as cotas para população indígena nas universidades e concursos públicos exigem critérios de análise e verificação que vão além da autodeclaração, mas considerou o aumento no reconhecimento como um avanço. “No caso dos povos indígenas e quilombolas são as próprias comunidades que atestam esse pertencimento, porque é uma questão etnocultural”, afirmou.

O aumento de 281,08% colocou a Bahia como o segundo estado com a maior população autodeclarada indígena do país, tanto em números absolutos como tem taxa de crescimento, atrás apenas do Amazonas (490 mil ou 17x mais que em 2010). Os recenseadores encontraram ao menos uma pessoa indígena em 411 dos 417 municípios baianos. Em todo o Brasil, são 1,69 milhão de autodeclarados.

Em Salvador, os números também quase quadruplicaram. A cidade saiu de 7.563 indígenas autodeclarados, em 2010, para 27.740, em 2022, ou seja, aumento de 266,79%. Foi a 2ª capital e o 4º município com maior população. Na Bahia, depois de Salvador, Porto Seguro (17.771 pessoas) e Ilhéus (12.974) lideram a lista em números absolutos. Em termos proporcionais são Pau Brasil (34,54%), Banzaê (25,52%) e Rodelas (24,80%).

Parceria

Em 150 anos e depois de 12 edições do censo demográfico, essa foi a primeira vez que o IBGE procurou previamente instituições e lideranças indígenas para auxiliar no processo de coleta dos dados. Especialistas explicaram que não há um dado preciso de quantos indígenas viviam na Bahia na época em que os portugueses desembarcaram, mas as estimativas apontam para 1 milhão apenas no entorno da Baía de Todos os Santos.

O antropólogo e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) José Augusto Sampaio é presidente da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) e explicou que o censo confirmou as pesquisas que já apontavam para o crescimento da população indígena no Brasil. Ele frisou que houve um processo de perdas, mas que a balança inverteu nas últimas décadas.

“De meados do século XX pra cá a população indígena só tem aumentado. Se em 1500 havia de 5 a 10 milhões no Brasil, e hoje há 1,6 milhão, em 1950 era apenas 200 mil. Então, teve uma perda grande dessa população, mas os últimos 70 anos tem sido de crescimento contante. A Bahia é um estado indígena, mas que historicamente sempre teve essa identidade ocultada por diversas razões”, afirmou.

Desde o último censo até 2022 foram delimitados mais quatro territórios indígenas na Bahia, agora são 21 terras, mas o crescimento populacional dentro desses locais foi de 2,34%, o menor do país. Além disso, apenas 7,51% dos autodeclarados estão vivendo nesses espaços. Segundo o IBGE, o percentual baixo ocorreu porque o crescimento nas autodeclarações feitas fora dos territórios disparou.

O censo mostrou que as maiores populações estão concentradas nas Terras de Barra Velha (3.448 indígenas), Caramuru/Paraguassu (3.022), ambas no Sul, e Kiriri (2.539), no Nordeste do estado.

Nesta segunda-feira, durante a apresentação dos dados no Instituto Anísio Teixeira (IAT), em São Marcos, compareceram representantes dos povos Tupinambá, Pataxó, Kaimbé e Tuxá, entre outros. Muitos foram vestidos a caráter e fizeram apresentações. O músico Josuel Kireymbab, 34 anos, pintou o corpo e usou as vestes do povo Tupinambá.

“O aumento da autodeclaração é muito importante, porque fortalece e une forças. A alma sabe o que ela é. Então, quando a pessoa se identifica com a cultura indígena, não é uma coisa inventada, porque quem não é não se sente bem em assumir essa identidade. Nossa etnia e nossa cultura é o que nos mantem com os pés no chão”, afirmou.

Fonte: Correio

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