Por dentro do depósito secreto que guarda objetos do Titanic

Tomasina Ray sorrindo em frente a objetos antigos sobre a mesa
Tomasina Ray é a diretora de coleções da RMS Titanic Inc, empresa norte-americana que ao longo dos anos recuperou 5.500 itens do local do naufrágio
Por Rebecca Morelle e Alison Francis, do BBC 

Uma bolsa da moda feita de couro de jacaré e pequenos frascos de perfume que ainda liberam um aroma potente são apenas alguns dos artefatos preciosos recuperados do naufrágio mais famoso do mundo, o Titanic.

A localização exata do armazém onde esses objetos estão é um segredo bem guardado, para proteger o local de possíveis ladrões. Tudo o que podemos dizer é que ele fica em algum lugar em Atlanta, Geórgia, nos Estados Unidos.

No interior, as prateleiras estão abarrotadas com milhares de itens, de pequenos botões a uma banheira virada e copos de vidro intrincadamente decorados.

A BBC teve a rara chance de visitar o depósito e descobrir as histórias por trás de alguns desses objetos.

Foto em preto e branco mostra navio e fumaça saindo dele

O Titanic deixa Belfast para testes no mar, em foto de 1912

Uma bolsa de jacaré que esconde uma história trágica

“É uma bolsa pequena, realmente linda e elegante”, diz Tomasina Ray, diretora de coleções da RMS Titanic Inc, a empresa que se dedica à recuperação dos itens.

A empresa norte-americana tem os direitos para recuperar os itens do navio e, ao longo dos anos, resgatou 5.500 objetos do local do naufrágio.

Um deles é uma bolsa de jacaré que sobreviveu décadas nas profundezas do Atlântico Norte, preservando itens que estavam dentro dela.

Isso pôde revelar alguns detalhes da vida de sua dona, uma passageira de terceira classe chamada Marian Meanwell.

“Ela era uma chapeleira de 63 anos”, conta Tomasina. “Ela estava viajando para os EUA para ficar com sua filha, que havia ficado viúva recentemente.”

Dentro da bolsa, estava uma fotografia desbotada, que se acredita ser a imagem da mãe de Marian Meanwell.

Uma fotografia desbotada de uma mulher, que se acredita ser a mãe de Marian Meanwell

Também havia a papelada que ela precisaria para sua nova vida nos EUA, incluindo uma carta de referência manuscrita do antigo proprietário do imóvel que viveu em Londres.

O texto diz: “Sempre achamos a Srta. Meanwell uma boa inquilina, pontual com o pagamento.”

Seu atestado médico também estava lá dentro — todos os passageiros da terceira classe precisavam disso para provar que não estavam levando doenças para os EUA.

Mas este documento manchado de água revela uma trágica reviravolta do destino.

Marian Meanwell tinha uma reserva no Majestic, outro navio da empresa White Star Line. Mas ele não partiu: no cartão, “Majestic” está riscado e a passagem mostra que ela foi transferida para o Titanic e se tornou uma das 1.500 pessoas a perder a vida.

“Poder contar sua história e ter esses objetos é realmente importante”, diz Tomasina. “Caso contrário, ela é apenas mais um nome na lista.”

Colagem de fotos de bolsa de couro de jacaré e de carta manchada

Perfume que ainda tem aroma

Itens que pertenciam a sobreviventes do naufrágio também foram trazidos de volta das profundezas.

Tomasina abre um recipiente de plástico, e um cheiro doce e enjoativo enche o ar.

“É muito potente”, diz.

Dentro, há pequenos frascos de perfume. Eles estão lacrados, mas seu aroma forte escapa, mesmo depois de décadas no fundo do mar.

“Havia um vendedor de perfume a bordo e ele tinha mais de 90 desses pequenos frascos de perfume”, explica.

O nome do vendedor era Adolphe Saalfeld e ele estava viajando como passageiro de segunda classe.

Quatro pequenos frascos de perfume

Saalfeld foi uma das 700 pessoas que sobreviveram. Mas com mulheres e crianças priorizadas durante a evacuação, alguns homens que conseguiram sair do navio ficaram traumatizados.

“Ele já tinha morrido quando encontramos isso”, diz Tomasina. “Mas, pelo que entendi, ele viveu com um pouco de culpa — a culpa dos sobreviventes.”

Linha de separação gráfica com um desenho de navio

Estilo de vida regado a champanhe

Há também na coleção uma garrafa de champanhe, com a bebida e com a rolha no topo.

“Um pouco de água provavelmente teria entrado pela rolha enquanto com a compressão e equalização da pressão. Então, ela simplesmente ficou no fundo do oceano”, explica Tomasina.

Quando o Titanic afundou em 1912, após bater em um iceberg, o navio se partiu e seu conteúdo se espalhou, criando um vasto campo de destroços.

Colagem de fotos - uma antiga, mostrando restaurante, e outra recente, com a garrafa recuperada

“Há muitas garrafas no fundo do oceano e muitas panelas, porque o Titanic se rompeu perto de uma das cozinhas”, diz Tomasina.

Havia milhares de garrafas de champanhe a bordo: o proprietário do navio queria que seus passageiros de primeira classe experimentassem o máximo do luxo, com decoração suntuosa e a melhor comida e bebida.

“Era como um palácio flutuante. O Titanic deveria ser o navio mais luxuoso”, afirma Tomasina. “Então, ter champanhe, ter uma academia, ter todas essas comodidades e essas coisas ótimas para os passageiros era muito importante para eles.”

Foto em preto e branco mostra homem em aparelho de ginástica, parecendo com um remo

O Titanic tinha uma academia a bordo

Rebites que revelam

O Titanic estava em sua viagem inaugural, viajando de Southampton, na Inglaterra, para os EUA — quando atingiu o iceberg.

O navio tinha recursos de segurança avançados para a época e era conhecido como “inafundável”.

Tomasina nos mostra alguns dos rebites do navio, pinos de metal que mantinham grossas placas de aço unidas. Deveria haver mais de três milhões deles.

“Quando o Titanic afundou, havia uma hipótese de que ele tinha materiais abaixo do padrão, talvez, e isso teria feito com que afundasse mais rápido”, explica Tomasina.

Colagem de fotos - uma antiga, mostrando o casco do navio, e outra recente, com três rebites recuperados

Alguns desses rebites foram testados para ver se continham impurezas.

“Havia altas concentrações de escória neles, que é um material semelhante ao vidro, o que os torna talvez um pouco mais quebradiços no frio”, diz ela.

“Se esses rebites fossem quebradiços e uma das cabeças dos rebites se soltasse mais facilmente, isso poderia ter permitido que a costura se abrisse onde o iceberg atingiu e tornasse [a ruptura] maior do que seria de outra forma.”

Tomasina diz que ainda há muito a aprender sobre como exatamente o navio afundou.

“Podemos ajudar a investigar as hipóteses, para então conseguir contribuir para a ciência. A história por trás disso tudo é algo que estamos muito felizes em trazer.”

Linha de separação gráfica com um desenho de navio

A divisão de classes

A vida a bordo era diferente para as classes sociais, até mesmo nas xícaras e pratos em que bebiam e comiam.

Uma caneca branca de terceira classe é simples e resistente, com um logotipo vermelho da White Star. Um prato de segunda classe tem uma bela decoração floral azul e parece um pouco mais fino.

Já um prato de jantar de primeira classe é feito de porcelana mais delicada. Ele tem um acabamento dourado e, sob a luz, você pode ver o desenho de um padrão com guirlandas.

Os passageiros ricos da primeira classe recebiam itens de prata para suas refeições — mas, na terceira classe, a história era diferente.

“Os passageiros da terceira classe provavelmente teriam manuseado a porcelana eles mesmos [em vez de funcionários]. Ela definitivamente foi feita para ser muito mais resistente e muito mais rudemente manuseada do que as outras porcelanas”, explica Tomasina.

Colagem de 3 fotos - caneca da terceira classe, prato da segunda classe e prato da terceira classe

A RMS Titanic Inc é a única empresa legalmente autorizada a recuperar itens do local do naufrágio — ela recebeu esse direito de um tribunal dos EUA em 1994.

Mas ela tem que fazer isso sob condições rígidas: os itens devem sempre permanecer juntos, para que não possam ser vendidos separadamente, e devem ser conservados adequadamente.

Até agora, todos os artefatos foram coletados da área dos destroços.

Mas, recentemente, a empresa gerou controvérsia ao declarar seu desejo de recuperar um objeto dentro do próprio navio: o equipamento de rádio Marconi que transmitiu os pedidos de socorro do Titanic na noite do naufrágio.

Deck do navio

Alguns acreditam que o naufrágio é um túmulo e, por isso, deve ser deixado em paz.

“O Titanic é algo que queremos respeitar”, diz Tomasina em resposta.

“Queremos ter certeza de que estamos preservando a memória, porque nem todos podem ir até o Titanic. Queremos poder levar isso ao público.”

Mais espaço pode ser necessário neste depósito secreto.

A última expedição da empresa ao local envolveu a captura de imagens 3D detalhadas do naufrágio.

Além de pesquisar sobre a condição atual da sala onde estava o rádio Marconi, a equipe também identificou objetos no campo de destroços que gostaria de recuperar em mergulhos futuros.

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