Por que os casos de sífilis não param de crescer no Brasil

Essa infecção sexualmente transmissível preocupa médicos e serviços de saúde. E a principal causa de sua disseminação é o sexo sem camisinha

O aumento dos casos de sífilis, uma infecção sexualmente transmissível, tem alarmado médicos e serviços públicos de saúde no país. Só em 2018, foram registrados 158 051 episódios do tipo adquirido, ou seja, disseminado por meio de relações sexuais. Esse número equivale a uma média de 433 pessoas afetadas por dia.

Entre 2017 e o ano passado, o crescimento da doença foi de 28,3%. Ela passou de 59,1 para 75,8 registros por 100 mil habitantes, de acordo com o Ministério da Saúde. Para ter ideia, em 2015 esse número era de 34,1 casos por 100 mil.

A maior parte das notificações ocorreu em indivíduos entre 20 e 29 anos (35,1%), seguidos pelo grupo de 30 a 39 anos (21,5%). Mas, segundo o ministério, houve um incremento da detecção em todas as faixas etárias.

Um dos motivos para essa alta é que os jovens não valorizam o preservativo. “As pessoas estão mais confiantes de não contrair doenças, mesmo porque a aids, que no passado matou tanta gente, hoje tem tratamento. Menos de 70% dos brasileiros usam camisinha e isso justifica o aumento das infecções sexualmente transmissíveis”, explica o ginecologista e vice-presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Sérgio Podgaec.

No fim de 2018, uma pesquisa realizada pela fabricante de preservativos DKT Internacional com 1 500 brasileiros identificou que 47% dos jovens entre 14 e 24 anos não costumam colocar a camisinha para as relações sexuais. Já outro estudo, esse divulgado em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com 102 301 alunos 14 e 15 anos, mostrou que apenas 66,2% utilizaram o preservativo na última relação.

“O que as pessoas esquecem é que a camisinha protege não só contra a aids. Ela é a prevenção mais eficaz para sífilis, HPV, gonorreia e clamídia”, alerta o médico.

Causada pela bactéria Treponema Pallidum, a sífilis desencadeia quatro estágios diferentes. No primeiro, aparecem nódulos na região genital, ânus ou boca. No seguinte, surgem manchas na pele comumente associadas a febre, dor de cabeça e perda de peso. Muitas vezes, essas úlceras são confundidas com alergia.

“A terceira fase da doença é a mais grave. Ela pode causar danos ao coração e afetar o sistema nervoso central”, explica Podgaec.

A situação da sífilis, estado por estado

Casos de sífilis por estado

 (Fonte: Ministério da Saúde/Divulgação)

Santa Catarina tem a maior taxa de detecção dessa enfermidade, segundo dados do Ministério da Saúde. Para cada 100 mil habitantes, 164,1 possuem a doença. No total, são 11 611 infectados.

Na contramão, Alagoas ostenta o menor índice: 16,1 para cada 100 mil pessoas, totalizando 535 casos.

No Sudeste, o menor índice é de Minas Gerais, com 68,3 casos para cada 100 mil habitantes, seguido por São Paulo, onde a taxa é de 82,1. Entre 2010 (quando as notificações se tornaram compulsórias) e dezembro de 2018, o estado paulista registrou 201 250 casos de sífilis adquirida, com taxas que cresceram ano a ano.

“Esse aumento nos números não quer necessariamente dizer que as pessoas estão se infectando mais e, sim, que a documentação dos casos está ficando mais eficiente e virando rotina no dia a dia das vigilâncias”, argumenta a coordenadora das Ações para Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e Sífilis do Programa do Estado de São Paulo de DST-Aids, Carmen Sílvia Bruniera Domingues.

De acordo com ela, o sistema de notificação teve uma melhora expressiva em São Paulo nos anos de 2015 e 2016, o que ajudou principalmente a identificar a presença de sífilis em gestantes. E por que isso é importante? Através da placenta, a bactéria Treponema Pallidum consegue atingir o feto e, se não tratada, pode provocar falhas na dentição, problemas nos ossos, cegueira, surdez e até problemas no sistema nervoso. Essa é a sífilis congênita.

As notificações de grávidas com a doença no estado subiram de 10 723 casos em 2017 para 12 232 em 2018. “O aumento dos registros é um bom sinal, porque mostra que estamos identificando e tratando essas mulheres para proteger seus bebês”, afirma Carmen Sílvia.

Com isso, o estado conseguiu reduzir de 6,7% para 6,5% a taxa de sífilis congênita para cada 1 mil nascidos vivos de 2017 para 2018. Outros oito estados diminuíram esse índice: Amazonas (de 10,3 para 9,9), Espírito Santo (de 11,5 para 10), Rio Grande do Sul (de 14,3 para 13,9) e Mato Grosso (de 4,5 para 3,6).

Apesar disso, no Brasil como um todo as notícias não são boas. Veja o gráfico abaixo:

casos de sifilis congenita

O aumento de recém-nascidos com sífilis congênita é reflexo do número de gestantes infectadas no país. No ano passado, foram 62 599, 25,7% a mais do que em 2017 e quase seis vezes mais que em 2010. A maioria (52,5%), de acordo com a série histórica de 2005 a 2018, tem entre 20 e 29 anos, seguido pela faixa etária de 15 a 19 anos (24,7%).

Segundo Podgaec, uma das particularidades da sífilis que dificulta sua contenção é a de que ela dificilmente apresenta sintomas no sexo masculino. “É uma doença que atinge especialmente as mulheres. O homem pode passar a vida inteira infectado e não sentir nada. Isso eleva o risco de transmissão durante o sexo desprotegido”, diz o ginecologista do Einstein.

Com o aumento de pessoas infectadas nos últimos anos, o Ministério da Saúde lançou em 20 de outubro de 2017 uma ação nacional para combater a sífilis, especialmente a congênita. O objetivo era mobilizar gestores e profissionais de saúde sobre a importância do diagnóstico e tratamento da doença durante o pré-natal.

Bater na tecla da prevenção é importante, porque os preservativos estão entrando em desuso. “Além disso, as mulheres não costumam pedir exames de sífilis e aids nas visitas de rotina com o ginecologista”, lamenta Carmen Sílvia. Aí fica complicado combater a bactéria Treponema Pallidum precocemente.

O tratamento da sífilis, aliás, é feito com injeções de penicilina. As doses do antibiótico são receitadas por médicos ginecologistas ou infectologistas e variam de acordo com a fase da doença.

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