Por que os gregos antigos acreditavam que a matemática era um presente dos deuses
A matemática está tão presente no mundo moderno que é difícil imaginar a vida sem ela, mas de onde ela veio exatamente? Nós inventamos ou é algo que descobrimos?
O povo da Grécia Antiga não teria a menor dúvida em relação a isso. O filósofo Pitágoras e seus seguidores eram tão fascinados pelos padrões matemáticos que acreditavam que os números eram um presente divino.
Parte do encantamento deles se devia a experimentos com a música. Eles descobriram padrões que relacionavam os sons emitidos a proporções numéricas, das quais derivava a beleza e o deleite musical.
Para eles, não poderia ser mera coincidência: era um portal para o mundo dos deuses.
Matemática harmoniosa
“Qualquer som que você ouve é produzido por algo que está se movendo. Se você faz uma corda vibrar, ela produz um som”, explica o matemático e músico Ben Sparks à BBC.
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“O que os gregos perceberam é que você pode fazer a corda vibrar duas vezes mais rápido, reduzindo seu comprimento pela metade.”
Assim, se você tocar uma corda tensionada, produzirá uma nota. E se tocar novamente, mas desta vez pinçando a corda na metade do seu comprimento, você imobilizará parte dela, e apenas a outra metade vai vibrar, o que produzirá uma nota diferente.
“Isso é o que chamamos de oitava”, diz Sparks. “Na oitava, a relação de frequência é de dois para um.”
Os gregos se perguntaram: haveria outras frações que soam bem?
Eles descobriram que outras divisões da corda em proporções progressivas, produziam sons considerados agradáveis e harmoniosos.
É o caso da quinta (ou quinta justa), na qual a razão entre o comprimento das cordas é de três para dois, o que significa que a nota maior tem dois terços do comprimento da nota menor.
Mas o que acontece quando você toca algo que não é uma dessas frações lógicas?
“Quando as notas não estão nessas proporções simples, tendemos a notar mesmo se não estivermos cientes da matemática”, garante Sparks.
Os gregos descobriram que tocar outros fragmentos da corda, em uma proporção complexa e inexata, resultava em sons desagradáveis para seus ouvidos.
Que outra razão haveria então para esses padrões, se não revelar o reino dos deuses?, questionavam os seguidores da Escola Pitagórica.
A música do Cosmos
“Para Pitágoras e seus seguidores, era importante descobrir o princípio que ordenava tudo, e eles o encontraram nos números”, afirma o crítico musical Ricardo Rozental à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“Eles explicaram as proporções em que se podia produzir sons agradáveis e com os quais era era possível fazer uma música atraente ao ouvido e, consequentemente, favorecesse o espírito e a inteligência.”
A observação do céu produziu conclusões semelhantes a respeito do movimento dos planetas e das estrelas, que não funcionava aleatoriamente, mas em certos padrões que podiam ser explicados com proporções numéricas.
“A conclusão respaldou a ideia de que os movimentos dos corpos celestes e os sons agradáveis estavam relacionados da mesma forma, ou seja, pelas mesmas proporções matemáticas”, acrescenta o especialista.
“Daí a noção de cosmos como um todo ordenado de acordo com um mesmo padrão explicável numericamente.”
Piores instintos
Para os gregos antigos, uma melodia que usava as notas corretas era bela porque nela as proporções numéricas que estavam em consonância com os astros haviam sido devidamente utilizadas.
As relações entre agudo e grave atuavam em conjunto e permitiam compreender o princípio que unia tudo de maneira ordenada e harmoniosa.
Mas como explicar então os sons desagradáveis?
“Como também era possível produzi-los, os pitagóricos entendiam que deviam ser evitados, uma vez que seriam capazes de gerar consequências terríveis em quem os escutasse, porque alterariam o bom equilíbrio do corpo e da mente por estar fora das leis da ordem cósmica”, diz Rozental.
“Assim, eles deduziram que os piores instintos, a raiva e a violência poderiam ser estimulados por esse meio, assim como a calma e a tranquilidade podiam ser induzidas por uma música harmoniosa e doce.”
Diabo na música
Muitos séculos depois, quando o cristianismo adotou diversos princípios originários da cultura grega e a prática da liturgia incorporou uma variedade de músicas, certos aspectos desagradáveis à audição, como o uso de notas com intervalo de segunda, foram considerados malévolos e, consequentemente, excluídos dos cânones musicais da Igreja.
“Seu uso seria a intervenção do Diabo. Era preciso bani-los, para evitar a presença do demônio na Igreja e na mente e no espírito de seus fiéis”, diz o especialista.
Em pleno século 19, algumas dessas ideias que remontam ao século 6 a.C. ainda tinham força.
“O violinista Nicoló Paganini é conhecido por usar o que em latim se chamava diabolus in musica, acordes também conhecidos como trítonos, que pertenciam à prática banida pelas regras do bem ordenado”, diz Rozental.
“No entanto, Paganini caiu nas graças do público e ajudou a desconstruir certos medos associados ao que era considerado belo e consoante, feio e dissonante, cósmico e caótico, divino e demoníaco.”
Nosso ouvido e gosto musical admitem hoje uma diversidade numérica maior do que a proposta antigamente pelos gregos e apreciamos a amplitude dos sons como parte de um cosmos em expansão.
A origem da matemática
As preferências mudaram, mas os padrões encontrados pelos gregos, não.
Os pitagóricos não foram os primeiros a usar uma forma de matemática.
Há evidências de que marcas encontradas em ossos do período Paleolítico Superior, há 37 mil anos, foram talhadas e usadas para contar.
No entanto, pitagóricos foram os primeiros a buscar padrões.
E o que encontraram parece indicar que a matemática está ao nosso redor e é algo que descobrimos, uma parte fundamental do mundo em que vivemos.
Para eles, a matemática era tão real quanto a música, e era mais genial e elegante do que qualquer coisa que a mente humana fosse capaz de conceber.