Por que vacinação contra dengue ainda é baixa enquanto número de mortes sobe

Criança recebendo vacina no SUS

Até o momento, o Brasil já tem 299 mortes confirmadas por dengue, com mais 745 em fase de investigação.

Segundo reportagem da emissora GloboNews, até o final de fevereiro, 42% dos óbitos ocorreram em pessoas com mais de 70 anos, enquanto 10% das vítimas tinham entre 30 e 39 anos. É importante notar que esses grupos não estão atualmente aptos a receber a vacina pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Apesar de a faixa etária mais gravemente afetada não coincidir com aquela atualmente elegível para a vacinação pelo SUS, restrita a crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, o aumento significativo no número de casos poderia indicar que o Brasil veria uma maior adesão à vacina uma vez que ela ficasse disponível no SUS.

No entanto, até o momento, o número de jovens vacinados ainda é considerado baixo.

A vacinação contra a dengue começou em 9 de fevereiro, e desde então, apenas 11% das doses em posse do Ministério da Saúde e repassada aos Estados e municípios foram aplicadas no público-alvo da campanha, crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos.

Até os primeiros dias março, 1.235.236 doses da vacina haviam sido distribuídas para 521 municípios de regiões endêmicas do país e somente 135.599 doses foram aplicadas.

Na rede privada, a procura tem sido tão alta que clínicas particulares estão suspendendo a aplicação por falta de doses — a farmacêutica Takeda prioriza o SUS neste momento.

O que está por trás da baixa adesão à vacina da dengue?

Na visão do médico epidemiologista André Ribas Freitas, a baixa cobertura vacinal da dengue é multifatorial.

“O Brasil, historicamente, sempre foi um país que tinha um programa de vacina com altas coberturas, atingindo sempre metas acima do que era proposto”, afima Freitas, que é professor da Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas.

“Mas nos últimos anos houve um movimento de negacionismo muito grande, inclusive por parte de autoridades públicas, como políticos, que colocaram em questão a segurança das vacinas, dizendo os imunizante poderiam fazer mal e incitando outros a acreditarem em teorias da conspiração.”

A descrença no sistema de imunização, relata ele, foi intensificada durante a pandemia da covid-19 e persistiu, afetando a percepção em relação a outras vacinas.

“Isso afetou a confiança na ciência como um todo e nas agências reguladoras, incluindo a Anvisa. São fatores que contribuem para a hesitação das pessoas em aceitar as doses.”

 

Outro fator prejudicial, na avaliação do especialista, é que não há uma campanha nacional coordenada contra a dengue.

A vacina contra dengue está sendo aplicada em 521 municípios de regiões endêmicas. As regiões selecionadas atendem a três critérios: possuem pelo menos um município com mais de 100 mil habitantes e alta transmissão de dengue em 2023 e 2024, principalmente do sorotipo 2.

“A falta de divulgação sistêmica pode prejudicar a chegada da informação”, diz.

Isabella Balalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações, reforça que é importante ouvir as percepções de preocupação das pessoas sobre a doença para fazer uma ‘comunicação assertiva’.

De acordo com ela, os jovens são considerados uma categoria desafiadora de levar aos postos de saúde.

“Há a possibilidade de levar essa vacinação para as escolas, o que facilitaria o acesso.”

O epidemiologista André Freitas aponta que a falta de percepção de risco em relação à dengue pode ser outro desafio no aumento da cobertura vacinal.

“Algumas pessoas comparam a necessidade de vacinação da dengue com a época da covid, que foi uma pandemia devastadora que impactou o mundo todo. Nem toda infecção vai ter consequências tão graves, mas isso não quer dizer que sua proteção deixe de ser importante.”

Criança recebendo vacina no braço
A prioridade vacinal é para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos

Cenário epidemiológico

O Brasil já registra mais de 1,2 milhão de casos prováveis de dengue nos primeiros meses de 2024, uma cifra que se aproxima do total de casos ocorridos em 2023, que atingiu a marca de 1,6 milhão.

De acordo com o Ministério da Saúde, o aumento de casos da doença se deve a fatores como a combinação entre calor excessivo e chuvas intensas – possíveis efeitos do El Niño – conforme aponta a OMS (Organização Mundial da Saúde). E, ainda, ao ressurgimento recente dos sorotipos 3 e 4 do vírus da dengue no Brasil.

O epidemiologista André Freitas aponta que o número de casos esta em uma curva ascendente, e o mes de março deve registrar a maior alta desde o inicio do ano.

Em abril, ele considera o cenário “incerto”.

“Não podemos prever com certeza. Pode ser que os casos comecem a diminuir, porque epidemias desse tipo geralmente são autolimitadas. Com o passar do tempo, o número de pessoas infectadas atinge um ponto em que o vírus não consegue mais se espalhar com tanta intensidade. “

“Existe também um fenômeno associado à temperatura. Os dias mais frios tendem a frear a propagação do vírus gradualmente. No entanto, normalmente, abril é um mês com alta de casos. Vamos ver se a antecipação da curva pode fazer com que a queda comece mais cedo.”

Proteção contra dengue

A vacina é uma das maneiras mais eficazes de previr a infecção pela doença, mas como as doses não são suficientes para toda a população e não são todos os grupos que poderão tomar o imunizante, a prevenção continua sendo essencial.

É fundamental reduzir a infestação de mosquitos, eliminando possíveis criadouros. Para isso, evite o acúmulo de água em recipientes, cubra reservatórios e qualquer local suscetível à acumulação de água com telas.

Adicionalmente, medidas de proteção individual, como o uso de repelentes, também contribuem para a prevenção e são especialmente importantes para quem vive em áreas endêmicas.

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