Prisão para quem enaltecer Salvador Allende

Deputados da UDI afirmam que Allende ‘violou Constituição e direitos humanos’ e que ‘defendê-lo deveria ser crime’ passível de multa e até três anos de prisão

Três deputados chilenos do partido de direita UDI (União Democrata Independente) lançaram nesta semana um projeto de lei que visa criminalizar “todos aqueles que neguem, minimizem ou enalteçam” os acontecimentos realizados durante o governo do ex-presidente socialista Salvador Allende (1970-1973), propondo inclusive pena de prisão de até três anos para os que o façam, além de multa.

A iniciativa gerou polêmica principalmente pela controvérsia histórica lançada pelos deputados autores da proposta. “Quem conhece a verdade da história do Chile sabe que Allende violou a Constituição e os direitos humanos, muito mais do que se diz que aconteceu no governo militar [em referência à ditadura de Augusto Pinochet, 1973-1990], e por isso acreditamos que defender um governo desse tipo deveria ser um crime”, declarou o deputado conservador Ignacio Urrutia à imprensa chilena. Os demais autores são os deputados Gustavo Hasbún e Jorge Ulloa.

Os deputados não só insistem que o projeto está voltado à figura de Allende, assegurando que possuem leituras de outros historiadores que os respaldam, como assumem que este se trata de uma resposta ao projeto apresentado em dezembro de 2014 pela deputada comunista Karol Cariola, chamado Ninguna calle llevará tu nombre (“Nenhuma rua terá seu nome”), que visava proibir homenagens a figuras ligadas à ditadura por parte do Estado.

Jorge Barahona / Flickr CC

Salvador Allende foi presidente do Chile entre 1970 e 1973 e foi destituído por um golpe militar; projeto de lei quer punir quem o enaltecer

A proposta teve grande repercussão e fortes críticas no país. O deputado Urrutia citou o projeto comunista para justificar sua iniciativa: “este não é um projeto ridículo, é um projeto sério, tão sério quanto o da deputada Cariola, que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e levado a plenário (onde foi rejeitado), e esperamos ter o mesmo tratamento”.

Contudo, o projeto citado por Urrutia era bem diferente, segundo a própria autora. “O nosso projeto não visava atentar contra a liberdade das pessoas, e sim determinar que o Estado não pode fazer esse tipo de homenagem, que as ruas não podem ter nomes de pessoas que violaram os direitos humanos e que os espaços públicos não podem ser palco de homenagens”, disse a deputada a Opera Mundi. “Em locais privados ou nas ruas, cada um pode se manifestar como quiser”. A deputada também destacou que seu projeto não previa pena de prisão ou multa.

Devido à repercussão do caso, os autores incluíram no texto um adendo explicando que o projeto será direcionado não só a Allende, mas sim a todos os presidentes que violaram a Constituição, o que aumentou a polêmica em torno do caso, já que existe uma controvérsia entre historiadores sobre se isso aconteceu no governo do presidente socialista.

Segundo Sergio Grez, doutor em História e professor da Universidade de Chile, “o governo de Allende impulsionou uma tentativa de reforma constitucional, que foi interrompida pelo golpe. A direita defende a versão de que a reforma era inconstitucional, que é a mesma que defendem para impedir a atual reforma proposta pela presidente Bachelet. No caso de Allende, isso não é verdade, e digo isso por um fato simples: a reforma não se concretizou, portanto não há base para se determinar que ele violou a constituição através disso”.

Já Sergio Villalobos, historiador conhecido no Chile por sua defesa da ditadura de Pinochet, sustenta que “Allende violou a Constituição ao tentar reformá-la para tentar impor os pilares da ditadura comunista que queria implantar, nos moldes do que havia em Cuba, com ideias que aqui chegaram durante a visita de Fidel Castro, em 1972”.

Wikimedia Commons

Marcha em apoio à candidatura de Salvador Allende à presidência do Chile em 1964

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