Produção de laranjas: empresários da Overclean tinham fábrica de CPFs

Os laranjas eram pessoas físicas ou jurídicas que emprestavam ou vendiam suas identidades e contas bancárias para a organização

Mirelle Pinheiro, do Metrópoles

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A Operação Overclean desvendou esquema bilionário de corrupção que não só fraudava contratos públicos, mas também envolvia complexa rede de lavagem de dinheiro. No centro das falcatruas, estavam as chamadas “fábricas de laranjas” ou “fábricas de CPFs”, estruturas criadas para dificultar o rastreamento de recursos desviados e manter o controle sobre um sistema engenhoso de enriquecimento.

Liderada pelos irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente, a organização contava com as “fábricas de laranjas”, que consistiam em redes de contas bancárias, empresas de fachada e intermediários, cuidadosamente estruturadas para fazer as transações. Esses mecanismos eram o pilar do esquema, permitindo que a quadrilha lavasse milhões de reais.

Os laranjas eram pessoas físicas ou jurídicas que emprestavam ou vendiam suas identidades e contas bancárias para a organização. Muitas vezes, esses indivíduos eram aliciados por valores baixos ou sob coerção, e seus dados eram usados para criar contas bancárias utilizadas exclusivamente para movimentar os valores.

Incluíam desde pessoas em situação de vulnerabilidade econômica até funcionários e pequenos empresários ligados à organização. Esses indivíduos recebiam pequenas comissões em troca de emprestar seus CPFs e contas bancárias.

Empresas de fachada

As fábricas de laranjas também contavam com empresas de fachada criadas para simular a prestação de serviços e justificar a entrada e saída de grandes somas de dinheiro.

Estabelecimentos como FAP Participações e BRA Teles eram usados para emitir notas fiscais por serviços fictícios. Essas notas justificavam transferências bancárias, criando uma cortina de fumaça em torno da origem dos recursos.

A organização utilizava transferências instantâneas via PIX para pulverizar os recursos em várias contas bancárias de laranjas. Esse método, além de rápido, dificultava o rastreamento pelas autoridades. As transferências eram feitas de forma fracionada, com valores aparentemente baixos, para evitar alertas automáticos dos bancos.

Uma parte significativa da verba também era convertida em espécie. Empresas especializadas em movimentar grandes quantias em dinheiro vivo recebiam os valores das empresas de fachada e devolviam a quantia em espécie, mediante o pagamento de uma comissão. Essas notas, então, eram usadas para pagar propinas diretamente a servidores públicos ou outros beneficiários do esquema.

Padrão sofisticado

A organização criminosa utilizava um padrão sofisticado para criar empresas de fachada. Elas eram registradas em nomes de laranjas, muitas vezes utilizando dados de pessoas sem conhecimento completo sobre o esquema. A escolha dos nomes das empresas e seus ramos de atuação tinha como objetivo criar a aparência de negócios legítimos, como serviços de limpeza, construção e consultoria.

Os líderes do esquema contavam com operadores especializados em falsificar contratos, notas fiscais e outros documentos empresariais.

As empresas de fachada geralmente eram registradas em endereços residenciais ou locais abandonados, dificultando a fiscalização. Algumas até simulavam ter escritórios em endereços comerciais, mas sem qualquer atividade real.

Corno do Camarão

Um exemplo da audácia do grupo foi a utilização de pequenos comércios, como peixarias, para movimentar milhões. A peixaria Corno do Camarão, em Salvador, foi uma dessas empresas utilizadas para receber transferências bancárias e sacar valores em espécie. Apesar de sua aparência modesta, a peixaria movimentou milhões de reais durante o período investigado.

Essa estratégia de usar negócios improváveis, como peixarias e mercados, foi descrita pelos investigadores como um dos métodos mais criativos e ousados já identificados. Esses estabelecimentos eram escolhidos justamente porque não levantavam suspeitas.

Impacto do esquema

Durante o período investigado, a organização criminosa movimentou cerca de R$ 1,4 bilhão, sendo R$ 825 milhões apenas em 2024. Esses recursos eram desviados de contratos públicos superfaturados e usados para financiar um estilo de vida luxuoso dos líderes do esquema, além de garantir o pagamento de propinas para assegurar a continuidade das operações criminosas.

Parte do dinheiro foi utilizada na compra de bens como aeronaves particulares, imóveis de alto padrão, barcos e veículos de luxo. Esses bens foram posteriormente sequestrados pela Justiça.

Os contratos superfaturados, em sua maioria, estavam ligados a obras de infraestrutura e serviços públicos, como pavimentação e saneamento básico, muitas vezes mal executados ou sequer iniciados.

Labirinto

O uso de fábricas de laranjas teve consequências nas investigações. A Polícia Federal, ao rastrear as transações financeiras, deparou-se com uma rede de contas bancárias e empresas que operavam como um verdadeiro labirinto, dificultando a identificação dos responsáveis finais pelos recursos.

Muitos dos laranjas eram pessoas de baixa renda ou indivíduos que sequer tinham conhecimento pleno de que seus dados estavam sendo usados para movimentações ilícitas.

Em um caso apurado pela PF, um laranja identificado como beneficiário do Bolsa Família movimentou milhões de reais em sua conta, o que chamou a atenção dos investigadores. Em outros, contas eram abertas em nome de pessoas falecidas ou de estrangeiros que jamais haviam estado no Brasil.

Entre as empresas de fachada identificadas, algumas nem sequer tinham estrutura física. A MM Limpeza Urbana LTDA, por exemplo, estava registrada em um endereço residencial sem qualquer atividade operacional. Já a BRA Teles era utilizada exclusivamente para receber valores de contratos fraudulentos e distribuí-los entre contas de laranjas.

Investigação

Apesar da complexidade, a Polícia Federal conseguiu desmantelar o esquema com o auxílio de interceptações telefônicas, escutas ambientais e cooperação internacional, por meio da agência americana Homeland Security Investigations (HSI). Além de quebras de sigilo bancário e fiscal.

Diálogos interceptados entre os lideres Alex e Fábio Parente foram fundamentais para expor o funcionamento interno da organização. Em uma conversa, Alex detalhou como os laranjas deveriam ser escolhidos e orientados a não levantar suspeitas. Ele também mencionou o uso de transferências via PIX para “espalhar o dinheiro” rapidamente.

As investigações também cruzaram dados fiscais para identificar empresas que não emitiam notas fiscais compatíveis com as movimentações financeiras. Muitas dessas empresas estavam registradas em nome de pessoas sem histórico empresarial.

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