Promotor arquiva caso sobre tiroteio em Paraisópolis e ataca a liberdade de expressão

Uma semana depois da decisão do STF sobre entrevistas, representante do MP arquiva representação contra Tarcísio e manda PF ouvir e qualificar jornalistas

Tarcísio de Freitas em Paraisópolis
Tarcísio de Freitas em Paraisópolis (Foto: Reprodução/TV Globo)
O promotor eleitoral Fabiano Augusto Petean, da 1a. Zona Eleitoral de São Paulo, arquivou uma representação contra o governador Tarcísio de Freitas a respeito do tiroteio que ocorreu em Paraisópolis nos dias que antecederam o segundo turno da eleição de 2022.

A representação foi assinada por Wilson Oliveira Santos, um cidadão que, em depoimento, se apresentou como participante da campanha eleitoral do candidato a deputado estadual Rodrigo Feitosa, do Podemos, nas eleições de 2022.

Wilson anexou, em sua representação, reportagens do Brasil 247 e da Folha de S. Paulo para que o Ministério Público investigasse a campanha de Tarcísio de Freitas por suposta violação do artigo 323 do Código Eleitoral, que prevê detenção de dois meses a um ano para quem “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado.”

O promotor entendeu que não era o caso de levar adiante a representação, no que diz respeito a Tarcísio, mas decidiu me intimar, e também ao repórter da Folha de S. Paulo Arthur Rodrigues, em razão das reportagens, que ele considera inverídicas.

O promotor decidiu que a Polícia Federal deve obter as nossas “qualificações, para análise de infrações penais eleitorais em face das matérias constantes de fls. 15/16 (ID 116844438), bem como dos diretores responsáveis pela divulgação das respectivas notícias em comento”. Ou seja, ao falar de infrações penais eleitorais, o promotor cogita a prisão dos jornalistas, inclusive deste que escreve este artigo.

E pelo relato que consta da decisão de arquivamento, o promotor comete equívocos factuais e sua manifestação é claramente uma uma ameaça à liberdade de expressão, assegurada pela Constituição.

Como respondi aos jornais que me procuraram nesta terça-feira, “em nenhum momento eu disse que o cinegrafista da Jovem Pan, Marcos Vinícius, me deu entrevista. Portanto, não poderia distorcer entrevista que não realizei.”

Como a Folha de S. Paulo registrou na época, o cinegrafista disse ao repórter Arthur Rodrigues que gravou em vídeo o tiroteio em Paraisópolis e foi pressionado por um integrante da segurança de Tarcísio de Freitas para apagar os registros.

Esse segurança era agente da Abin, e estava de licença para trabalhar na campanha do então candidato a governador.

No tiroteio, um morador de Paraisópolis, Felipe Lima Silva, morreu com uma bala que lhe acertou as costas, o que enfraquece a tese de que os policiais teriam revidado a tiros.

Eu entrevistei o pai da vítima, Felipe, que me falou sobre o fato do filho não ter condenação judicial nem ser ligado ao crime organizado. Também mencionou o fato de que o filho não tinha arma – a polícia, efetivamente, não encontrou arma com ele.

A cena do crime foi alterada pela polícia, com recolhimento de cápsulas, sob a alegação de que moradores poderiam interferir nas provas.

Também entrevistei a mãe dos três filhos de Felipe, Ana Paula Batista de Oliveira, que reforçou a informação de que o ex-marido – tinham se separado pouco tempo antes – não era ligado ao crime.

Pelo que seria informado posteriormente, no relatório do inquérito sobre o homicídio (que correu sob sigilo), não se descobriu a autoria, ao contrário do que diz o promotor eleitoral.

Fabiano Augusto Petean cita o relatório do Ministério Público sobre o homicídio, que atribui o crime ao tenente da PM Ronald Quintino Correia Camacho, que teria acertado Felipe com um tiro de fuzil.

No boletim de ocorrência que deu início ao caso, entretanto, a autoria era atribuída ao policial militar Henrique Gama dos Santos, que havia feito meses antes curso na Abin, conforme registro no Diário Oficial.
Mas o delegado que assinou o inquérito chegou a uma conclusão diferente. Rodrigo Borges Petrilli escreveu que “os elementos balísticos apreendidos não apresentavam características individualizadoras suficientes que permitissem ao perito chegar a um resultado conclusivo”.

O delegado registrou no relatório: “a pistola Taurus, calibre .40, utilizada pelo policial militar Henrique Gama dos Santos, e o fuzil Imbel, calibre 5,5, utilizado pelo policial militar Ronald Quintino Correia Camacho, foram apreendidos e encaminhados a exame pericial, juntamente com os elementos balísticos apreendidos no local.”

O relatório da Polícia Civil informa que não foi possível identificar o autor do disparo. Nem o tenente Ronald, nem o soldado Henrique. Soube que a mãe dos filhos de Felipe procurou a Defensoria Pública do Estado recentemente, para que o caso seja reaberto.

A família não recebeu nem os pertences de Felipe, incluindo a motocicleta e celular, que foram apreendidos.

Penso que, como fiscal da lei, o Ministério Público deveria exigir melhor apuração dos fatos em Paraisópolis e não pressionar jornalistas, com intimação que pode ser interpretada como constrangimento da legítima atividade jornalística.

Sobre o autor da petição,  Wilson Oliveira Santos, nem sei quem é. Certamente, não tem envolvimento direto no caso.

Segundo o promotor, Wilson disse que residia em hotel da Zona Norte de São Paulo na época dos fatos e apresentou um CPF com números errados na petição. Hoje reside em outro endereço.

Estranho que, sendo participante da campanha do Podemos (atualmente Pode), Wilson tenha se mobilizado para exigir punição a Tarcísio.

Arquivada a representação contra o governador, sobrou para os jornalistas, uma semana depois do Supremo Tribunal Federal decidir que empresa jornalística pode ser punida por conta de entrevistas com fatos inverídicos.

No caso, nem há fatos inverídicos relatados nas entrevistas. Se existe distorção, não está nas entrevistas, mas nos erros factuais presentes presentes na promoção de arquivamento da representação do cidadão Wilson.

 

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