Prova que cita Popozuda expõe dificuldade das escolas em contextualizar temas atuais

Para especialistas, referência à música ‘Beijinho no Ombro’ em prova de filosofia do ensino médio no DF mostra falta de preparo dos professores

Bianca Bibiano
Professor de filosofia chama Valesca Popozuda de "grande pensadora contemporânea" em prova do ensino médioProfessor de filosofia chama funkeira Valesca Popozuda de “grande pensadora contemporânea” em prova do ensino médio (Reprodução/Facebook)

O uso de temas que fazem parte do cotidiano dos estudantes em provas escolares é comum nas escolas, seja para despertar o interesse por uma disciplina, seja para exemplificar um problema. O uso da música Beijinho no Ombro, da funkeira Valesca Popozuda, em uma prova de filosofia do Ensino Médio, mostrou como esse recurso pode distorcer o aprendizado. A questão formulada por um professor do Centro de Ensino Médio (CEM) 3 de Taquatinga, no Distrito Federal, pediu aos alunos que identificassem um trecho do hit e apresentou a cantora como uma “grande pensadora”. Seria uma “provocação”, disse o docente em entrevistas. Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, o episódio revela dois problemas graves das escolas no Brasil: a predileção pelo construtivismo como teoria de ensino e o desconhecimento por parte dos professores da ciência cognitiva.

“O construtivismo surge nas escolas em sua versão mais rasa, que sugere que ‘o aluno constrói o seu conhecimento’ a partir do seu interesse por determinado assunto, o que não é verdade. Esse problema é somado ao fato de que os professores não sabem como o cérebro aprende e acreditam que só com referências a temas pop ou chocantes o aluno se lembrará da matéria. As pesquisas mostram o contrário: uma pessoa aprende e se lembra de um tema quando ele é pensado e refletido”, afirma o especialista em educação e colunista de VEJA Gustavo Ioschpe.

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Claudio de Moura Castro, pesquisador em educação e também colunista de VEJA, acredita que os professores confundem contextualização com banalização do ensino. “É claro que devemos colocar o assunto trabalhado nas disciplinas num contexto que leve em conta o mundo do aluno. Mas isso não é possível o tempo todo, há certos conteúdos que o estudante precisa aprender e aos quais ele só dará uso efetivo mais adiante. A filosofia é um deles”, afirma.

Para Ocimar Alavarse, especialista em sistemas educacionais e professor da Universidade de São Paulo, a citação à funkeira Valesca Popozuda como “grande pensadora contemporânea” em uma prova escolar “desvaloriza o ato de pensar, a própria filosofia”. “Ela não é consagrada como pensadora no sentido clássico da filosofia e colocá-la nesse papel só serve para confundir o aluno.”

Após a grande repercussão de sua prova na internet, o professor de filosofia do CEM 3 Antônio Kubitschek tentou explicar por que considera a cantora uma pensadora. “Qualquer pessoa que consiga construir um conceito é um filósofo. A todo momento em que você abre sites e revistas de fofocas, aparece que fulano ‘deu beijinho no ombro’. Ela acabou criando um conceito. Se ela influencia a sociedade com o que ela pensa, eu a considero sim uma pensadora”.

Para Alavarse, entretanto, a explicação do professor não condiz com o esperado de um docente da disciplina. “Usando esse argumento ele consagra o que nem de longe está consagrado. A questão nada tem a ver com o que vigora nos currículos de filosofia, tanto no Brasil quanto em outros países”, diz.

O mais correto, segundo Alavarse, seria usar a música para problematizar uma questão com base em teorias consagradas da filosofia. “O problema não é usar uma música de funk ou de qualquer outro estilo musical, mas sim jogá-la em uma prova como se fosse uma teoria validada.”

Fonte: Veja

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