PT chega às eleições com dificuldade em antigos redutos e faz novo apelo a Lula para segundo turno
No comando do governo federal pela terceira vez, o PT chega às eleições deste domingo, 6, com dificuldade em antigos redutos, como o Nordeste e o ABC paulista, e o desafio de superar o avanço da direita no País. Sem querer se envolver na maior parte das disputas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abandonou campanhas de candidatos petistas em colégios eleitorais importantes, a exemplo de Belo Horizonte, deixando prosperar a tese do “voto útil” contra seu próprio partido para conter o bolsonarismo.
Em São Paulo, onde o PT apoia Guilherme Boulos (PSOL), Lula participa neste sábado, 5, véspera da eleição, de uma caminhada na Avenida Paulista com o deputado e a vice na chapa, Marta Suplicy. Em live realizada com Boulos nesta quinta-feira, 3, o presidente disse que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, estará presente na Paulista.
As mulheres representam 54% do eleitorado na capital paulista e podem ser o fiel da balança nesta eleição. Na semana passada, Lula havia cancelado compromissos previamente acertados com o candidato do PSOL. Depois, chegou a desmarcar a live.
A cúpula da campanha insistiu, porém, para que ele fizesse a gravação ao vivo após a divulgação dos resultados da pesquisa Datafolha. O levantamento mostrou Boulos tecnicamente empatado na liderança com o influenciador Pablo Marçal (PRTB) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Embora o candidato do PSOL prefira enfrentar Marçal a Nunes em possível segundo turno, sob o argumento de que a rejeição ao influenciador é muito mais alta e deve pesar no duelo, o crescimento do ex-coach e o “voto envergonhado” de última hora preocupam a equipe. É a primeira vez que o PT não apresenta um nome próprio na capital paulista, considerada a “joia da coroa” para o projeto de poder do partido.
Na outra ponta, em Belo Horizonte, pesquisas indicam que o candidato do PT, Rogério Correia, está em sexto lugar na disputa. Diante desse cenário trágico, até mesmo petistas têm orientado o “voto útil” no atual prefeito, Fuad Noman, que é filiado ao PSD, partido dirigido por Gilberto Kassab. Ex-ministro, Kassab é hoje secretário de Governo na gestão de Tarcísio de Freitas.
Além da tentativa de impedir a passagem de dois nomes da direita para o segundo turno em Belo Horizonte, o movimento indica uma aproximação entre o PT e o PSD para a campanha ao governo de Minas, em 2026. O plano de Lula é lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), ao Palácio da Liberdade, daqui a dois anos.
Na briga pela Prefeitura da capital mineira, porém, dois concorrentes que se destacam são aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Um deles é Bruno Engler (PL), que aparece palmo a palmo com Fuad nas sondagens de intenção de voto. O outro é Mauro Tramonte (Republicanos). Os dois bolsonaristas e Fuad estão empatados em primeiro lugar.
“O atual prefeito vem fazendo campanha pelo voto útil, mas o candidato a vice na chapa dele é tão anti-Lula que esse argumento se desmancha”, afirmou o petista Rogério Correia à reportagem, numa referência a Álvaro Damião (União Brasil). Em 2019, Damião publicou postagem em suas redes sociais dizendo que Lula usava a morte do neto Arthur e da então mulher, Marisa Letícia, para se “fazer de vítima”.
Interlocutores do presidente afirmam, nos bastidores, que até agora ele evitou entrar pessoalmente como cabo eleitoral da maioria dos candidatos por dois motivos. O primeiro é que prefere observar melhor o cenário onde pode haver segundo turno para só então tentar fazer a diferença em campanhas essenciais ao projeto do PT, como a de São Paulo. A estratégia faz parte de um cálculo político: agindo assim, Lula evita associar sua gestão a eventuais derrotas.
O segundo motivo também é de natureza pragmática, pois partidos que integram a base de sustentação do governo no Congresso, como os do Centrão e também da esquerda, se enfrentam em várias cidades e o presidente não quer mais atritos nessa seara.
Em agosto, por exemplo, Lula recebeu reclamações do comando do PDT por ter participado da convenção que lançou a candidatura de Evandro Leitão (PT) em Fortaleza. O prefeito da cidade, José Sarto, é do PDT e concorre a novo mandato.
Dirigentes petistas pressionam agora Lula para que ele ajude a impulsionar candidaturas na segunda rodada das eleições, não apenas gravando vídeos de apoio, mas também comparecendo a comícios, carreatas e caminhadas. Em conversas reservadas, não são poucos os que reclamam da atitude do presidente, que, segundo esse raciocínio, “lavou as mãos” e não se empenhou como deveria nas campanhas.
Na prática, o PT começa a assistir a um processo que analistas políticos chamam de “endireitização” do eleitorado, sobretudo no Nordeste, onde Lula venceu Bolsonaro em 2022. Dos nove Estados que compõem a região, antes batizada de “cinturão vermelho”, o partido de Lula tem chance de vitória em Teresina e Fortaleza e, de acordo com pesquisas, mostra competitividade em Natal.
O prefeito do Recife, João Campos (PSB), deve ganhar novo mandato ainda no primeiro turno, mas, embora seja apoiado pelo PT, seu desempenho não é atribuído à aliança com o partido. Tanto é assim que, apesar da cobrança de Lula para que o vice na chapa fosse do PT, Campos não aceitou e indicou um nome de sua confiança.
Sobre mudanças no eleitorado do Nordeste, que não é mais tanto à esquerda, o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), amenizou a situação. “O Rio Grande do Sul também não é mais tanto à direita, nem o Rio de Janeiro”, disse ele à reportagem. Elmano afirmou ter certeza do aumento de prefeitos da base aliada do PT em seu Estado.
Pelos números das pesquisas até agora, porém, o mapa que sairá das urnas em todo o País seguirá o caminho do centro para a direita no espectro político-ideológico. Levantamentos que chegaram ao Palácio do Planalto indicam que a direita elegerá prefeitos em cerca de 80% dos maiores municípios do Nordeste.
“Nós fizemos uma inflexão à esquerda enquanto a cabeça do eleitor está indo para a direita e o governo Lula é de frente ampla”, definiu o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário de Comunicação do PT.
Apesar da contradição, Tatto disse que o PT deve se empenhar, de agora em diante, em fazer alianças com partidos de centro, de olho na disputa presidencial de 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato. “Muitos candidatos de centro vão apoiar Lula em 2026 e nossa estratégia leva isso em conta”, destacou.
Ao contrário de Bolsonaro, que subiu em palanques de várias cidades para pedir votos a seus candidatos – com exceção de São Paulo, onde até agora ele não apareceu ao lado de Nunes –, Lula não fez campanha nem mesmo em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Trata-se do berço político do PT e cidade que abriga o Sindicato dos Metalúrgicos presidido por ele, de 1975 a 1980.
No berço do PT, o quadro é de empate quádruplo entre os candidatos Marcelo Lima (Podemos), Alex Manente (Cidadania), Luiz Fernando (PT) e Flávia Morando (União Brasil), nessa ordem. Luiz Fernando é irmão do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que chegou a tirar férias para ajudar na campanha.
Outros ministros, como Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) e Camilo Santana (Educação), fizeram o mesmo e desembarcaram em seus Estados – Rio Grande do Sul, Sergipe e Ceará, respectivamente. Rui Costa (Casa Civil) não saiu de férias, mas cumpriu agendas no interior da Bahia e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) pediu votos para aliados em várias cidades, de Minas a São Paulo, incluindo as do ABC.
A última vez que o PT administrou São Bernardo, cidade onde Lula vota até hoje, foi nos dois mandatos de Luiz Marinho (2009 a 2016), atual ministro do Trabalho.
Dos sete municípios que formam o ABC – região que passa por um processo de desindustrialização, com a saída das montadoras –, o PT comanda apenas Mauá, com Marcelo Oliveira, e Diadema, com José de Filippi Jr. Somente nessas duas cidades seus candidatos ocupam a primeira posição com folga.
Mesmo com a expectativa do mundo político de que as eleições nas capitais serão uma espécie de terceiro turno entre Lula e Bolsonaro, não é isso o que está ocorrendo, ao menos por enquanto.
Na Convenção Eleitoral do PT, em dezembro do ano passado, o presidente chegou a apostar na polarização como trunfo. “Eu, sinceramente, acho que essa eleição vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando nos municípios”, previu.
O PT lançou candidatos a prefeituras em 1.380 dos 5.570 municípios. Deste total, 121 concorrem em cidades com mais de 100 mil eleitores, sendo 13 em capitais. Em 2020, quando fez 183 prefeitos, o partido não conquistou nenhuma capital no País.
Naquele ano, porém, relatório produzido pelo Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE) do PT após o primeiro turno das eleições apontava que a legenda mantinha a “polarização com o PSDB nas capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores”, perdendo espaço para outras siglas em cidades menores. O confronto com o PSDB, no entanto, não existe mais.
Desde 2012, quando elegeu 635 prefeitos e fincou estacas em São Paulo com Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda, o PT vem perdendo municípios. Em 2016, o partido despencou, passando a administrar 256 prefeituras. Quatro anos depois, em 2020, caiu mais ainda: foram 183 eleitos. Atualmente, após as trocas partidárias, esse número está em 265. A cúpula petista calcula que a sigla fará agora algo em torno de 350 prefeitos.
“A gente governava praticamente 22 milhões de brasileiros com a capital (paulista). E nós perdemos todas (as prefeituras)”, reclamou Lula ao participar, em fevereiro, do ato de filiação de Marta Suplicy ao PT. Ex-prefeita de São Paulo, Marta havia ficado afastada do partido durante nove anos. “O que aconteceu conosco? Onde foi o erro? Em que momento a gente não fez a lição de casa?”, perguntou o presidente, naquela cerimônia.
Na avaliação do cientista político Antônio Lavareda, o grupo das 103 cidades com mais de 200 mil eleitores, conhecido como G-103, aponta para um “avanço significativo” da direita. É esse grupo que reúne os municípios onde pode haver segundo turno.
Para Lavareda, o PT tende a crescer nestas eleições, mas não de forma expressiva. “O crescimento se dará sobretudo nos pequenos municípios porque se trata do partido do governo federal”, argumentou o professor, que preside o Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). “Temos de considerar também que o PT optou por fazer o máximo de alianças possíveis”.
Quem terá um grande desempenho nas urnas, no diagnóstico de Lavareda, é o PL de Bolsonaro, o PSD de Kassab e o União Brasil de Elmar Nascimento, candidato à presidência da Câmara dos Deputados. Ao observar que partidos conservadores foram muito bem votados na Câmara, em 2022, o cientista político disse que, em geral, há uma conexão entre esses resultados e os das disputas para as prefeituras, principalmente no Nordeste.
“Lula é fortíssimo no Nordeste, mas o PT está longe de ser”, afirmou Lavareda, ao lembrar que o partido sofreu um “declínio importante” em 2016, não conseguiu se aproximar do segmento evangélico e até hoje não acertou o passo do discurso.
“A eleição do Lula não significa que está tudo resolvido”, avaliou o professor, para quem o PT necessita de um “rebranding”. O termo em inglês é usado para a estratégia que busca reposicionar uma marca no mercado. “O PT vai precisar de uma renovação de imagem”, resumiu Lavareda.