Quando as especializações no currículo não rendem oportunidades

A crise trouxe consigo um paradoxo: ser um profissional com especializações no currículo não tem sido sinônimo de vaga garantida nas grandes empresas / Foto: Reprodução

A crise trouxe consigo um paradoxo: ser um profissional com especializações no currículo não tem sido sinônimo de vaga garantida nas grandes empresasFoto: Reprodução

O agravamento da crise econômica no País trouxe consigo um paradoxo no mercado de trabalho: ser um profissional com especializações no currículo e larga experiência no mercado não tem sido, necessariamente, sinônimo de vaga garantida nas grandes empresas. E a situação, segundo economistas, se deve principalmente à incapacidade atual das empresas em arcar com os altos salários atribuídos aos profissionais com esse tipo de qualificação no atual cenário de desaceleração da economia.

“Nessa situação de crise, as empresas começam a cortar despesas. E quando isso chega na equipe, o alvo principal são os maiores salários”, explica o economista da Federação de Comércio de Bens de Pernambuco (Fecomércio-PE), Rafael Ramos. Ele completa dizendo que os primeiros “alvos” de desligamento, nesse caso, são em geral profissionais da área de gestão.

Esse panorama desesperançoso é o enfrentado por profissionais como os administradores de empresas, André Luiz, 41 anos, e Cecília Chaves, 43; e pela engenheira civil Daiane Raposo, 41. Residentes no Grande Recife, todos eles possuem uma ou mais especializações no currículo e larga experiência empresarial. Mas hoje, lutam para se reinserirem no mercado de trabalho e têm contado com alternativas fora da própria área de atuação para garantir um mínimo de rendimento mensal.

Ao lembrarem da época em que se formaram, no início da década passada, os profissionais descrevem um momento mais favorável para conseguir uma ocupação. “Era uma época em que o País vivia um crescimento econômico. Não tive problema para arranjar um emprego assim que me formei”, relata André Luiz, desligado há 7 meses de uma empresa de logística e armazenamento. Formado há 11 anos e mesmo com duas pós-graduações e um mestrado no currículo, as respostas das entrevistas recentes tem sido todas negativas. “São tantos ‘nãos’ que você cansa de procurar. Já me sinto deprimido por isso”, conta André. Casado e com um filho, ele hoje trabalha com motorista da Uber para ajudar nas despesas da família.

Desiludido com a possibilidade de arranjar um novo emprego no momento, André planeja sair do País na esperança de conquistar novas oportunidades na sua área de formação. “Só não fui ainda porque meus pais são idosos e precisam da minha assistência por aqui”, justifica.

Como explica o economista Rafael Ramos, os empresários estão cautelosos até mesmo para chamar candidatos para uma entrevista. “E quando chamam, é para oferecer menores salários, ao que muitas pessoas bem qualificadas, com justiça, não aceitam”, complementa o economista. É o caso da também administradora Cecília Chaves que declinou de várias propostas por considerá-las insatisfatórias. “Sou até chamada para algumas oportunidades, mas que não se enquadram no meu perfil profissional e nem trazem rentabilidade”, afirma.

Em janeiro do ano passado, Cecília foi exonerada num corte de pessoal ocorrido na fábrica de pré-moldados em que trabalhava desde 2011, instalação que inclusive integrou as obras de implantação da fábrica da Fiat no município de Goiana, no Litoral Norte de Pernambuco. Antes, a administradora ainda trabalhou no Complexo Portuário de Suape, primeiro como estagiária sendo depois efetivada em 2007.

Na saga de envio de currículos e idas à entrevistas, Cecília diz que o sentimento é de frustração. “Você passa tanto tempo para chegar onde chegou… algumas pessoas dizem que tem que se capacitar mais, mas isso não tem significado um bom retorno financeiro. Quanto às empresas, o discurso de algumas é o do ‘se não quer, há quem queira'”, diz a administradora que hoje faz encomendas de doces e pratos quentes para ajudar nas finanças de casa. Casada e com dois filhos, Cecilia afirma que o rendimento da família caiu pela metade.

A dificuldade financeira dentro de casa também é sentida pela engenheira civil Daiane Raposo. Desempregada há dois anos, ela tem larga experiência em implantação de sistema de qualidade (ISO 9001), consultoria e análise de viabilidade de terrenos para aquisição. Mas nas entrevistas de emprego, suas aptidões só lhe “rendem elogios”. Formada desde 1999 pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Daiane fez pós-graduação em Gestão Empresarial para Implantar ISO 9001 e começou a trabalhar em 2002, passando por duas grandes construtoras. Porém, em 2015, o emprego de Daiane foi um dos cortados por causa do esfriamento no setor de engenharia civil. “No recorte do Estado, por exemplo, a situação é de desaceleração com empreendimentos públicos e privados paralisados e gente que não pode comprar. É um ciclo vicioso; se ninguém adquire, as empresas não constróem e, logo, não contratam para construir”, explica Ramos.

“Se é frustrante para nós que já passamos pelo mercado, imagina para quem ainda nem entrou e vê tanta gente sendo demitida ou sem conseguir oportunidade”, lamenta Daiane, que hoje se dedica integralmente a cuidar dos filhos e da casa. “Por enquanto meu marido está segurando as pontas, mas não penso em desistir e continuo mandando currículo para conseguir uma vaga na minha área”, diz determinada.

Alternativas para a recolocação no mercado

Os cortes de pessoal de nível de gestão nas empresas se dá a partir de um pilar fundamental: quantidade de demandas. É o que explica o gerente da empresa de recrutamento Randstad Professionals, Juliano Gonçalves. “Em momento de pujança econômica, há a necessidade de um número maior de pessoas para dar conta de um grande volume de demandas em setores específicos, nos quais o profissional geralmente é especializado. Já no atual cenário de retração do mercado, e de diminuição dessas demandas, os empresários tendem a contratar – ou manter – profissionais mais generalistas, que abarquem o máximo de aptidões antes atribuídas a apenas um especialista”, explica.

Diante dessa realidade, a experiência que André, Cecília e Daiane têm pode ser o grande trunfo no processo de reinserção no mercado. “A experiência geralmente  faz com que esses profissionais englobem novas funções e, se forem eficientes no sentido de atender a variadas demandas, as empresas os mantém ou selecionam”, diz Gonçalves.

Sobre a frustração enfrentada por muitos desses “sobrequalificados” que veem as especializações colocadas um pouco à escanteio pelas empresas, Gonçalves destaca que elas continuam sendo importantes, mas que as pessoas devem estar abertas às mudanças e novas aptidões exigidas. “Muitos estão buscando de maneira estrita as condições que tinham no passado… são realidades diferentes para mercados diferentes. A palavra-chave para os tempos atuais é ‘flexibilidade'”, afirma.

Como dicas para a hora da busca por novas oportunidades, o gerente ainda indica que, além de expor um currículo atrativo, o candidato demonstre como pode ser um “redutor de custos e maximizador de receitas”; não restrinja, a área de procura por oportunidades apenas à sua cidade, se possível.

“E não podemos esquecer do inglês; ter conhecimento da língua é um diferencial e pode diversificar as oportunidades quando levamos em consideração, por exemplo, as multinacionais, que tendem a se recuperar com mais facilidade econômicamente por contarem com o mercado externo”, conclui.

Perspectivas econômicas

Do ponto de vista econômico, ainda é cedo para projetar quando as empresas terão mais subsídio para arcar com salários mais altos, mas com a gradativa queda da taxa de juros e da inflação, a situação pode melhorar. “Se os juros são altos, a capacidade de investir é afetada, o que implica diretamente em menos oportunidades. Em 2015, estávamos com a Selic em 14,25%, hoje passamos para 13,75% com projeção de cair para cerca de 9,5% no final de 2017”, explica Ramos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *