Reclamações contra planos de saúde triplicam na Bahia nos últimos três anos

Procon contabilizou 663 protestos em 2024, superando em muito registros de 2023 (431) e 2022 (158)

Por Ana Cristina Pereira

Segurados protestam contra transtornos causados por operadoras de planos
Segurados protestam contra transtornos causados por operadoras de planos – 
A relação entre beneficiários de planos de saúde e as operadoras nunca esteve tão tensa quanto em 2024. O ano termina com um balanço que traduz a falta de consenso entre quem paga e quem oferece o serviço: este ano, o Procon-BA contabilizou 663 registros, superando em muito os números de 2023 (431) e 2022 (158). As queixas dos consumidores apontam reajustes abusivos, negativa de cobertura, oferta não cumprida, dificuldade ou recusa em atendimento emergencial e descredenciamento unilateral.

E não é só na Bahia. O volume de reclamação nacional fez com que a Agência Nacional de Saúde (ANS) definisse novas regras para notificação e cancelamento de planos de saúde por inadimplência, que começaram a valer no dia 1º de dezembro. As operadoras terão até 1º de fevereiro para realizar as mudanças, que determina que os usuários de planos coletivos precisam ser comunicados diretamente sobre o cancelamento, e que ele só pode acontecer depois de 60 dias de atraso, ou seja, após duas mensalidades.

Mas o ano termina com a promessa de mais lisura na relação. No último dia 16, a ANS apresentou os resultados preliminares dos estudos para reformular as regras de reajuste e cobranças nos planos de saúde. A proposta, que está em consulta pública até 3 de fevereiro, avança e propõe uma série de alterações, incluindo a definição de um índice para o reajuste dos planos coletivos, que atualmente não é regulado pela ANS, e é um ponto de apreensão entre os usuários.

Procon-BA contabilizou 663 registros, superando em muito os números de 2023 (431) e 2022 (158)

Segundo a agência reguladora, a proposta detalhada será apresentada em audiência pública agora em janeiro e, caso aprovada, entrará em vigor aos poucos, a partir do segundo semestre. Em nota divulgada após o anúncio, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) afirmou que ia analisar com cautela as mudanças propostas, mas temia que elas trouxessem “ainda mais dificuldades” para a sustentabilidade das empresas e do setor.

Atenção aos detalhes

Enquanto as novas regras não são definidas, o melhor a fazer, aconselha o superintendente do Procon-BA Tiago Venâncio, é ficar atento aos detalhes do contrato e pesquisar sobre a operadora que deseja contratar. “O consumidor deve pesquisar e buscar informações sobre os diferentes planos de saúde oferecidos no mercado, as condições contratuais, redes credenciadas, prazos de carência e reajustes”, diz.

Em caso de dúvida ou necessidade de orientação, Venâncio aconselha o consumidor a buscar o suporte do Procon através dos postos de atendimento na capital ou no interior. Ele chama a atenção, por exemplo, para uma série de diferenças que existem entre os planos individuais (têm aumento regulado pela ANS), coletivos (mediados por empresas intermediárias) e empresariais. “É preciso tirar todas as dúvidas antes de assinar o contrato”, reforça.

A corretora Gabriela Pontes, da Agência Aliança Brasileira, concorda com ele e ressalta que orienta os usuários a pensar bem no seu perfil. Se quer, por exemplo, uma rede hospitalar mais robusta ou a fidelidade a determinadas clínicas. “A adoção de clínicas próprias por parte dos planos tem sido um dos grandes motivos de judicialização”, diz Gabriela. Outro ponto que ela costuma destacar é o padrão de aumento da operadora, para que o “preço não vire um peso na vida da pessoa”.

Embora reconheça que algumas clínicas particulares cobram “valores absurdos” nos tratamentos, a corretora também identifica nos planos uma prática de “higienização” no número de usuários, forçados a sair diante dos altos aumentos. A definição de um percentual de aumento anual ou a falta dele acabou definindo a tendência do mercado de planos, que praticamente não oferece mais opções de planos individuais ou sem co-participação.

Fiscais do Procon
Fiscais do Procon | Foto: Uendel Galter / AG. A TARDE

Esgotamento

A relação da jornalista Emília Valente Magalhães com os planos de saúde ilustra bem o que vem acontecendo nos últimos anos. Ela engrossou a estatística das denúncias formais. Em 2023, entrou com o primeiro processo, depois de um aumento de 42,2% no plano Unimed. Quando o valor foi reajustado, em abril passado, ela conta, recebeu um comunicado dizendo que ela e o filho haviam sido excluídos do plano. A Qualicorp, empresa que administra o plano, ofereceu outra opção, no caso a Sulamérica, por um valor maior e com co-participação, levando-a a um segundo processo, agora pedindo para voltar ao plano original.

Depois da ANS decidir a seu favor, pelo restabelecimento do plano original, Emília se viu obrigada a pagar os meses em que esteve desligada, valores que está tentando reaver, já que seguiu pagando o outro plano. “É um desgaste e uma insegurança muito grandes. A gente nunca sabe quanto vai ser o reajuste anual. Pagamos muito tempo por um serviço e de repente a empresa pode cancelá-lo. Você se sente muito desprotegido“, afirma.

Coletivo que representa famílias de autistas trava briga judicial com plano

Um dos embates que se tornou público este ano entre seguradoras e usuários de planos foi do Coletivo Autismo, Família e Direito contra a Unimed Nacional. Com protestos públicos na sede da empresa – o próximo já tem data para acontecer –, e adoção de uma série de medidas judiciais, o grupo reúne cerca de 560 familiares de portadores de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras síndromes, como Down e paralisia cerebral.

Através da articulação do grupo, o Procon-BA autuou duas clínicas em Feira de Santana. Em outubro passado, representantes do movimento se reuniram com a Secretária de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), para relatar dificuldades enfrentadas para garantir o tratamento adequado para os pacientes com TEA que são usuários do Unimed, e também buscar soluções para o impasse com a operadora de saúde.

Uma das articuladoras do grupo, a assistente social Márcia Thais Dantas, afirma que um dos principais problemas é em relação à rede credenciada em Salvador, segundo ela formada por cinco clínicas que não atendem as especificidades do tratamento. “A rede credenciada precisa ser igual ou melhor do que aquela em que fazemos o acompanhamento. E também tem a questão do vínculo terapêutico. Portadores de TEA demoram muito para socializar, não podemos sair mudando de clínica”, diz a mãe de Téo, 6, que precisa de fonoterapia específica, voltada para autista não-verbal. Ela tem uma liminar que garante o tratamento fora da rede credenciada.

Através de nota, a Unimed Nacional afirmou “categoricamente” que não houve cancelamento de planos de beneficiários com Transtorno do Espectro Autista e que os pacientes têm sido direcionados para clínicas especializadas da rede credenciada, “preservando a qualidade do atendimento individualizado”.

‘Abuso’ por clínicas

“Atualmente há uma preocupação do setor com certas clínicas que estabelecem uma prática de abuso na carga horária imposta aos beneficiários, prejudicando o desenvolvimento da criança e onerando o sistema de saúde. As unidades referenciadas são avaliadas rigorosamente e durante a transição, as famílias recebem suporte contínuo, com esclarecimento de dúvidas e visitas às clínicas, o que já gerou alta satisfação àquelas que aceitaram a movimentação”, afirma a nota.

Advogado que dá suporte ao grupo e pai de uma menina autista, Marco Aurélio Maia de Lima avalia que 2024 foi um ano bem difícil nessa relação e que, nesse caso específico dos autistas, os planos de saúde não acompanharam a evolução nos diagnósticos e no tratamento em suas redes credenciadas. Para o advogado, a questão ainda vai seguir com estes impasses e com aumento no número de judicializações. “Não vejo um cenário positivo. Em minha opinião, deveria até existir uma vara especializada na área de saúde, para dar mais celeridade aos processos. E também acho que as multas deveriam ser mais pesadas”, pontua.

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